SOBRE O TEXTO O fragmento aqui apresentado é o capítulo 3 de "Luxúria". O romance, a ser lançado pela editora Record, estará nas livrarias a partir de 5/10.
Adams Carvalho | ||
Este é o dia em que uma viatura da polícia militar foi metralhada por uma gangue desconhecida numa avenida importante. Os policiais sobreviveram porque estavam tomando café numa padaria das proximidades, mas a viatura ficou totalmente destruída. É um tanto longe de onde o casal está, mas a reação em cadeia atinge e congestiona a região.
O homem estica o pescoço para fora do carro e abre bem os olhos, como se pudesse enxergar através dos carros enfileirados até o fim do mundo.
Cuidado!
Ele sente o olhar da mulher formigar na sua cara. E já sabe o que ela vai dizer, antes de começar:
Uma piscina, é?
Hum-hum.
O tom é amistoso. E ele não evita o sorriso da vitória, olhando"'se no espelho, com orgulho de si mesmo.
O que será que deu em você?
Nada. Tudo.
Ela, fazendo questão de parecer preocupada, segura na perna dele. Ele, fazendo questão de parecer descontraído, continua parado, mas com a tensão do fingimento de estar dirigindo o tempo todo. O pescoço duro e reto, lá adiante, e um olho aqui do lado:
Por quê? Eu posso saber?
Por que não? Você pode me dizer?
Ela pensa. E diz o que diz, mais para sondar o marido do que por estar preocupada com qualquer coisa, já que ela não sabe quanto ele tem, nem quanto ele ganha, e muito menos o que pode custar uma piscina: porque custa dinheiro, por exemplo.
O homem explode num riso forçado, esnobando a ponderação da mulher. É quando anoitece de repente, e as luzes dos freios pisados têm a força de um incêndio no escuro do asfalto.
Chega a ser bonito...
O banco não vive oferecendo dinheiro emprestado? Não dizem que a nossa moeda nunca esteve tão barata e que nunca valeu tanto a pena gastar? A hora é essa!
Ele encara a esposa e gosta de ver que ela fica vidrada com ele, admirada mesmo. Talvez com a certeza que ele aparentava ter. Quem sabe?
É como um sonho que se realiza!
Mas bem nessa hora o homem sente aquele amargor na boca, e um pouco de vergonha, por falar demais neste dia estas palavras que não eram do seu uso comum; dele, do menino ou da mulher.
"Sonho"... Que sonho, meu Deus?
Luxúria |
Fernando Bonassi |
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Depois o homem engole em seco e se esquece do receio, é certo, porque assim que o tráfego anda ele se sente à vontade para encher o peito e o silêncio com a sua confiança, de novo: não se preocupe, mulher: a gente tem crédito!
Com isso, mais aquilo e a excitação que o movimento causa ao tráfego subitamente liberado, o homem de que trata este relato para de fingir que dirige e avança, mete a mão no meio das coxas da sua digníssima esposa e acelera, com os dedos bem abertos, por cima da calcinha mesmo, ele agarra a maior quantidade possível da carne da boceta dela, e engata uma terceira, quarta, aperta tudo com muita firmeza, como a lhe dizer duas coisas: uma: deixa que eu te levo; duas: você sabe de quem é, não sabe?
FERNANDO BONASSI, 52, escritor, autor de "Subúrbio" (Objetiva), é um dos convidados do governo alemão para Feira do Livro de Frankfurt deste ano.
ADAMS CARVALHO, 36, é ilustrador.