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    Finlândia celebra modernismo acolhedor de Alvar Aalto

    JOÃO PERASSOLO

    04/10/2015 03h00

    Northsky71/Flickr
    Alvar Aalto's landmark auditorium built in 1964 at Helsinki University of Technology (TKK) located in Otaniemi, Espoo, Finland. ( Credit: Northsky71/Flickr ) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Auditório da Universidade de Tecnologia de Helsinque, em Espoo, na Finlândia

    RESUMO Às vésperas de recordar os 40 anos de morte de Alvar Aalto (1898-1976), a Finlândia lida com o patrimônio de seu maior arquiteto, o qual já enfrentou anexação, guerra e abandono. Artistas também têm se dedicado ao trabalho do finlandês, em obras que exploram aspectos de seu modernismo humanista.

    Em maio próximo, completam-se quatro décadas da morte de um dos grandes nomes da arquitetura do século 20. O finlandês Hugo Alvar Henrik Aalto, ou apenas Alvar Aalto, desenvolveu em 78 anos de vida uma variação do modernismo ao adicionar matizes da sua fria terra natal ao ideário funcionalista proposto por Le Corbusier, seu amigo suíço.

    Se por um lado "amigo", aqui, não é mera força de expressão –Aalto ostentava na parede de sua residência em Helsinque uma gravura de Le Corbusier feita especialmente para ele–, por outro não é possível dizer que a visão da arquitetura que um tinha fosse totalmente compartilhada pelo outro.

    Enquanto para Corbusier, ao menos durante a fase mais idealista de seu pensamento, a vida moderna se assemelhava a uma linha de montagem, e a casa, a uma máquina de morar, Aalto acreditava em "uma arquitetura feita à mão, de escala sempre ajustada às necessidades dos usuários", como define Mari Murtoniemi, curadora do Museu Alvar Aalto, centro de referência internacional de sua obra situado em Jyväskylä, município no centro da Finlândia.

    Aalto se propunha a realizar construções funcionais, mas não mecânicas, integradas aos lugares onde seriam erguidas e levando em conta as atividades humanas que ocorreriam ali. Humanismo e organicidade eram palavras essenciais no seu léxico.

    Trabalhando com materiais comuns, como vidro –para permitir a entrada de luz natural através de janelas amplas e claraboias em um país onde o sol não brilha por mais de seis horas diárias durante o inverno de oito meses– e madeira –para criar ambientes aconchegantes e ao mesmo tempo promover um diálogo com o verde do entorno de seus prédios–, Alvar Aalto deixou uma impressionante herança de edificações.

    Para citar três: o Sanatório de Paimio, a Villa Mairea, em Noormarkku, e o Finlandia Hall, em Helsinque.

    Porém talvez sua maior contribuição tenha sido chamar a atenção para a possibilidade de uma arquitetura mais amável.

    Nos últimos meses, uma exposição, um prêmio de conservação de patrimônio e o trabalho de dois artistas contemporâneos apresentam novas oportunidades para entender aspectos menos e mais conhecidos de seu legado.

    CIDADE DOS MORTOS No pacato bairro de Munkkiniemi, na capital finlandesa, a casa onde funcionava o escritório do arquiteto abriga até 31/10 a mostra "Cidade dos Mortos", com 3 de seus 20 projetos não realizados para espaços funerários. As obras seriam desenvolvidas em Jyväskylä, na região de Malmi (dentro de Helsinque) e na cidade dinamarquesa de Lyngby-Taarbæk.

    A exposição nasceu da pesquisa "Enquiry and Equilibrium: Alvar Aalto's Unrealised Funerary Architecture" (investigação e equilíbrio: a arquitetura funerária inacabada de Alvar Aalto), trabalho de graduação em arquitetura realizado por Sofia Singler na Universidade de Cambridge, em 2013.

    Embora estudadas por pesquisadores, suas propostas de edificações funerárias permaneceram praticamente desconhecidas do público. Os desenhos expostos cobrem o período de 1925 a 1951 e enfatizam o rito do funeral em si: a ideia é encarar a morte como parte integrante da existência, algo oposto ao que se vê em suas igrejas, mais relacionadas a conceitos de vida e luz.

    "O que é especial nessas capelas funerárias é o modo como incorporam e medeiam o ritual funerário em todos os seus movimentos: como os mortos são transportados com dignidade, como a arquitetura gradualmente encobre e protege os enlutados à medida que caminham em direção à capela", explica Murtoniemi, também encarregada pela seleção dos projetos em exposição.

    A Cidade dos Mortos do título da exposição se refere ao nome dado por Aalto ao projeto de Lyngby-Taarbæk. O complexo consistiria de duas funerárias, salas para velório e um crematório, além de dois cemitérios e espaços auxiliares. A ser erguido em terreno montanhoso, deveria ser eficiente, dando conta de 15 funerais por dia e outros eventos.

    Apesar da demanda de eficiência, a delicadeza está presente na maneira com que o projeto integra as sepulturas à natureza: canais de água fluiriam vagarosamente pelos desníveis do local onde ficariam as tumbas, e rosas amarelas cobririam, com o tempo, a área de enterro das urnas vindas do crematório.

    Outros exemplos são a arquitetura da paisagem do cemitério de Malmi, para o qual Aalto desenhou um grupo de colunas abertas que direcionariam simbolicamente os olhos das pessoas para o céu (em alusão ao paraíso), e a funerária de Jyväskylä, cujos interiores seriam iluminados não pela tradicional meia-luz incandescente, mas por uma abundância de luz natural através de janelas no teto.

    "Nós todos vimos o lado feio do moderno e do contemporâneo, na arquitetura ou em outras áreas da vida: produção em massa de péssima qualidade, ambientes sem identidade e sem raiz. As pessoas estão em busca de alternativas mais gentis, e é exatamente isso o que Aalto proporciona", diz Mari Murtoniemi.

    "Sua arquitetura é desenhada para um lugar específico. Os principais materiais que ele usava são simples e relativamente tradicionais: tijolo, madeira. Não advogo que seja realista fazer tudo à maneira de Aalto, mas acho que há muito a aprender com seus melhores trabalhos, mesmo projetos não realizados", completa a curadora.

    BIBLIOTECA A permanência das criações de Aalto é comprovada pelo fato de a biblioteca de Viipuri, uma de suas obras-primas, ter recebido em junho o Europa Nostra Awards, importante láurea da União Europeia concedida pela conservação do patrimônio.

    Inaugurada em 1935 na cidade de fronteira da Finlândia com a Rússia, a construção ilustra a originalidade do arquiteto com o uso de claraboias circulares na iluminação dos ambientes –aspecto que passaria a aparecer em seu trabalho subsequente– e com o famoso teto de madeira do auditório, cujas ondulações foram pensadas para favorecer a acústica.

    Viipuri, então o segundo maior centro urbano da Finlândia, foi anexado pela União Soviética em 1944, passando então a se chamar Vyborg. A biblioteca sobreviveu com poucos danos à Segunda Guerra, mas em seguida entrou em um período de decadência: ficou anos abandonada e, mesmo reaberta em 1961, seguiu em processo de deterioração.

    Somente a partir do início da década de 1990 um projeto de preservação foi desenhado e levado a cabo em conjunto pelos governos russo e finlandês, uma empreitada que levou 20 anos e custou quase nove milhões de euros. A premiação recente consagra o restauro por trazer de volta o valor arquitetônico original da edificação.

    O passado turbulento da biblioteca –hoje conhecida como Central City Alvar Aalto Library (biblioteca central municipal Alvar Aalto)– vem inspirando artistas contemporâneos que circulam por galerias e bienais.

    "A cidade e a biblioteca são aspectos importantes na história da Finlândia", justifica Margit Emesz, curadora que reuniu recentemente no Salon Dahlmann, em Berlim, dois destes artistas na exposição "The Alvar Aalto Library of Vyborg" (a biblioteca de Alvar Aalto de Vyborg): Ola Kolehmainen, figura central da fotografia finlandesa atual, e Liisa Roberts, fino-americana com passagem pela Documenta de Kassel.

    "Ola passou muito tempo explorando e documentando a história e a arquitetura da biblioteca de Vyborg. Uma série de seu trabalho fotográfico lida com seus detalhes arquitetônicos", comenta. Utilizando material de arquivo e se valendo de espaço, luz e cor, suas imagens remetem a negativos ampliados em grandes proporções.

    Liisa Roberts, uma das convidadas da Bienal de Veneza deste ano, busca na videoinstalação "What's the Time in Vyborg?" a resposta para compreender a face atual de uma cidade marcada por uma trajetória de identidade mutante. Exibido pela primeira vez na Bienal de Whitney em 2004, o filme aborda a colaboração dos dois países para a recuperação da biblioteca.

    As obras registram um esforço por apagar o sentimento que, segundo se conta, teria dominado Alvar Aalto ao visitar o prédio em 1962, no ano seguinte à reabertura. Na ocasião, ele teria constatado: "A construção existe, mas a arquitetura se foi". Ao que parece, a arquitetura voltou.

    JOÃO PERASSOLO, 32, é jornalista cultural e assessor de imprensa da ed. Cosac Naify

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