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    Quão político pode ser um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral?

    FERNANDO NEISSER

    05/06/2017 12h00

    Ueslei Marcelino-4.abr.2017/Reuters
    O ministro Herman Benjamin, relator da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE

    A "Ilustríssima" publica a partir desta segunda (5) artigos relacionados ao julgamento das contas de campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo TSE, que começa na terça (6).

    Em paralelo, a TV Folha transmite uma série de debates em torno do tema.

    Leia abaixo texto do advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo e coordenador-adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

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    Às vésperas do início do julgamento das ações que pretendem obter a cassação da chapa Dilma-Temer, reverberam em todos os cantos previsões sobre o resultado. Afirma-se que havia uma tendência pelo salvamento do presidente, com sua absolvição ou sua manutenção no cargo por força de uma separação das contas de campanha. Com as novas acusações trazidas pela delação da JBS, contudo, a tendência teria sido invertida.

    É natural que, diante dessas circunstâncias, o leitor se pergunte: são políticos os julgamentos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)? O órgão não deveria decidir as questões de forma técnica, já que se trata de um tribunal?

    Precisamos assentar algumas premissas para tentar responder a essas dúvidas legítimas.

    Em primeiro lugar, a dicotomia político x técnico costuma ser eufemismo para mau x bom. Em tempos de desesperança com a política, tudo aquilo que leva seu nome soa errado, malcheiroso, deletério. Ao revés, quando se atribui caráter técnico a algo, dá-se uma aura de infalibilidade, de correção. Tristes tempos em que a nobre arte da política, destinada ao bem gerir da coisa comum, torna-se sinônimo dos malfeitos atribuídos a parte substancial da classe a ela dedicada.

    Não foi com esse sentido negativo que o constituinte permitiu, por exemplo, que o impeachment e o julgamento das contas dos governantes fossem analisados com critérios políticos. A política, aqui, é a prudência. A necessidade de coadunar nas decisões, a um só tempo, as razões da técnica, do Estado e do interesse coletivo.

    O leitor, contudo, pode argumentar que nem nesse sentido mais favorável seria de esperar uma atuação do TSE. Vamos, então, à segunda premissa: os juízes – do TSE ou de qualquer corte no Brasil e no mundo – são humanos. Vivem na mesma sociedade em que todos estamos mergulhados, leem as mesmas notícias, ouvem os mesmos comentários de elevador, pegam táxis ao som das mesmas reclamações. Nada mais natural que formatem suas ideias com os vieses que constroem diariamente em seu viver, social e familiar.

    As influências "não técnicas" nas decisões judiciais são alvo de inúmeras pesquisas. Uma das mais curiosas mensurou o efeito da fome nos julgamentos de recursos em uma corte israelense. Os réus sortudos, julgados ao início da sessão, com os estômagos decisórios ainda cheios, eram absolvidos quase 70% mais do que os infortunados da rabeira da pauta, quando a fome apressava os julgadores.

    Sendo certo que os juízes sofrem influência das circunstâncias que os cercam, cabe às instituições criar travas para minimizar, se não é possível extirpar, os aportes considerados indevidos. É aqui que nossas instituições falham, grosseira e reiteradamente.

    INFLUÊNCIAS INDEVIDAS

    Inicialmente o fazem quando delineiam as regras para acesso às cortes eleitorais. Dos 7 ministros que compõem o TSE, 3 são oriundos do STF (Supremo Tribunal Federal), e 2 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), havendo rodízio entre os membros daqueles tribunais. Os outros 2 são advogados, indicados em lista tríplice pelo STF e nomeados pelo presidente da República. Tem-se cenário similar nos tribunais eleitorais dos Estados, também contando com juristas indicados pela Presidência.

    Pior, as nomeações são para mandatos de dois anos, inicialmente como substitutos e só então como titulares, com uma recondução em cada. Um ministro ou ministra que percorra todo o período possível de trabalho no TSE precisará, em quatro oportunidades, obter a chancela da chefia do Executivo. Isso quando, a partir da primeira, já tiver decidido centenas ou milhares de causas.

    Não é preciso muita filosofia para perceber que o sistema abre margem desnecessária a influências indevidas. Felizmente tivemos, nos últimos muitos anos, excepcionais nomes no TSE. Mas nem sempre poderá ser assim. Ao menos não é o que o desenho institucional parece permitir.

    Além disso, temos problemas sérios no processo de formação das leis. Nossa tradição parlamentar é excessivamente acomodadora dos mais diversos interesses. A cada texto legal sugerido, há um palpiteiro a se opor àquela vírgula ou a propor uma palavra a ser enxertada no texto.

    Com dificuldade em construir um embate saudável e democrático, nosso Congresso agrega ao máximo essas diferentes e contraditórias visões, lança todas no caldeirão das leis e tira um resultado que só pode ser um texto vago, lacunar. Conceitos imprecisos como "gravidade da conduta" ou "abuso de poder político ou econômico" apenas transferem aos juízes um amplo campo de discricionariedade.

    O legislador faz mal seu papel e, nessa toada, amplia não apenas o poder do julgador mas também sua capacidade de decidir num ou noutro sentido, a depender das circunstâncias.

    JUSTIÇA DE PRINCÍPIOS

    O terceiro e último fator institucional diz respeito à própria jurisprudência. Há algum tempo tornou-se moda no meio a crítica ao positivismo jurídico, visto como formalista e cego às demandas da sociedade. O texto da lei não bastaria para dar conta das multifacetadas demandas de uma sociedade pós-moderna. No lugar de sisudos artigos e parágrafos, surgem os princípios. Com toda sua força estética e fragilidade explicativa.

    Não se nega o papel dos princípios como vetores de interpretação da lei, mas jamais como substitutos da vontade expressa e direta do legislador ou do constituinte. Não é assim, contudo, que muitas de nossas cortes se postam.

    O fraco apego aos precedentes alia-se a esse principismo que encontra saída para qualquer problema. Se o juiz acha que algo não vai bem, pesca com sua rede axiológica um princípio qualquer, dá-lhe um nome pomposo e pronto, justifica a decisão. Da prisão em segunda instância à aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa a casos a ela anteriores, tudo encontra guarida em nome da "moralidade pública" ou do "princípio republicano".

    Esse é o quadro institucional em que nos encontramos e com o qual podemos concluir essas reflexões. Se é verdade que todo juiz é permeável aos fatores externos, por sua natureza humana, caberia às instituições o papel de reduzir tais influências.

    Em nosso caso, contudo, convivemos com um modo de ascensão ao TSE que faz pouco para blindar os magistrados, um conjunto de leis vagas e um processo de decisão judicial amparado em um pan-principismo que assume cada vez mais a faceta de decisionismo puro e simples.

    Precisamos urgentemente repensar esses desenhos institucionais, sob pena de a cada novo julgamento relevante fazermo-nos as mesmas perguntas.

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