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    Leia a íntegra da entrevista com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    EDITORA DE "MERCADO"
    TONI SCIARRETTA
    DE SÃO PAULO

    04/11/2012 07h00

    Chegou a hora de o governo Dilma reduzir a carga tributária, diz o banqueiro André Esteves, presidente e principal sócio do BTG Pactual, maior banco de investimentos da América Latina.

    Para ele, o sistema atual é herança de um passado que ficou para trás: economia muito volátil, com pouca escala e muito informal. Esteves defende uma mudança gradual. "Sem inventar muito, vamos reduzindo os impostos piores. Não é preciso reforma tributária para isso."

    No comando de uma instituição com ativos que superavam os R$ 100 bilhões em 2011 e resultado líquido de quase R$ 2 bilhões, ele teme que o governo Dilma perca a chance de fazer "um choque de infraestrutura", pelo excesso de burocracia e de regras que limitam os ganhos.

    Na entrevista, no escritório da avenida Faria Lima (um dos centros financeiros de São Paulo), Esteves abordou as perspectivas para a China, a Europa e os EUA, minimizou a importância da inflação e defendeu a adoção -limitada- de cotas sociais, embora prefira a "igualdade de oportunidades".

    Alessandro Shinoda/Folhapress
    O banqueiro André Esteves, no escritório do BTG Pactual na avenida Faria Lima, em São Paulo
    O banqueiro André Esteves, no escritório do BTG Pactual na avenida Faria Lima, em São Paulo

    Em sua avaliação, o Brasil tem mais mobilidade social que o resto da América Latina. "Várias lideranças empresariais nasceram muitas vezes da classe baixa, de cidades pequenas, longe dos grandes centros urbanos".

    Ao falar dos desafios do país, incluiu-se sempre numa primeira pessoa do plural -"temos que partir para a execução e aumentar a ambição". Tido como um dos conselheiros do Planalto, elegeu produtividade, desoneração fiscal e educação como o tripé que deveria ser prioritário para o governo.

    Folha - Há uma preocupação excessiva com a inflação?

    André Esteves - A inflação, de longe, não é o principal problema hoje do país. Haveria muito mais benefício em buscar aumento de produtividade, muito mais relevante que meio ponto de inflação.

    A gente ainda gasta muito tempo e esforço pensando na inflação. Isso vem de uma década atrás, onde o grande tema da sociedade brasileira era a estabilidade.

    Não se deve perder esse tema de vista, mas agora a economia brasileira se sofisticou e existem outras agendas tão ou mais importantes. Não há nada de muito especial na inflação neste momento.

    O que é importante?

    Tem três grandes temas que a gente vê na agenda do governo -infraestrutura, o excesso de carga fiscal e educação- e um quarto tema que está fora.

    Qual?

    Eu gostaria de ver mais atenção à agenda microeconômica, que produziu resultados muito importantes. Por exemplo, a alienação fiduciária, a lei de falência, o crédito consignado, que foram medidas tópicas importantes.

    O Brasil ainda tem um conjunto de entulho burocrático enorme. Se houvesse um chefe dessa agenda no governo com uma equipe competente, pequenas mudanças em pequenas regrinhas trariam evoluções que teriam até impacto no PIB potencial brasileiro. Gostaria de ver um pouco mais de atenção a essa agenda microeconômica.

    Quais são os entulhos?

    São de toda ordem. Desde excesso de regras de aprovação até o tempo excessivo para medidas corporativas.

    A gente tem um conjunto de medidas regulatórias que vêm de um momento de economia não estabilizada, de um mercado de capitais pouco desenvolvido, sociedade pouco madura e até de muito preconceito ideológico.

    Há uma série de setores que não permitem ou permitem de maneira muito limitada a participação de investidores estrangeiros.

    A burocracia ameaça o investimento em infraestrutura?

    Gosto dessa direção do amplo programa de concessões, só que preferia ver um formato que nos levasse a um grande choque de investimento.

    O Brasil tem hoje uma atratividade enorme em relação ao investimento do ponto de vista global. É uma economia estável, sólida, que cumpre regras, com uma sociedade democrática, em evolução.

    O que para nós é um grande gargalo na infraestrutura, para o grande investidor global é uma enorme oportunidade. Gostaria de ver é um grande choque de infraestrutura. O Brasil tem um potencial para ser o lugar mais atrativo do mundo desse tipo de investimento.

    O que falta? O que está errado no modelo apresentado?

    A gente deveria deixar o investidor ter mais rentabilidade e a competição pelo investimento baixar essa rentabilidade. Gosto de ver regras que impeçam a participação de aventureiros. Sou simpático a regras de investimento nos primeiros anos. Na maioria dos setores, cria um grau de seriedade que acho correto de ser conduzido.

    Por outro lado, acho que temos condições de atrair a grande maioria de capital de longo prazo do mundo.

    Derveríamos estar dizendo: aqui é o lugar mais atraente do ponto de vista de retorno. E deixar esse capital competir.

    Não estamos em uma situação de países europeus, alguns com rating maior do que o nosso, que precisam vender ativos e fazer privatizações para pagar suas contas. A nossa agenda de concessões é menos para fazer caixa para o Estado, e mais para trazer o máximo de capitais sérios e comprometidos com o longo prazo que vão transformar a infraestrutura no período de cinco a dez anos.

    Queria ver um choque de investimento nessa direção.

    E a educação? Estamos com pleno emprego, mas muitas empresas não conseguem preencher vagas por falta de gente preparada?

    Tivemos evolução importante em educação durante os governo FHC e Lula. Mas precisamos aumentar nossa ambição em educação.

    Um problema é que o investimento em educação é descasado do ciclo político. É diferente do investimento em saúde, que tem um ciclo político mais simples. O prefeito vai lá, faz uma boa obra, conserta o hospital... isso é claramente percebido para a população. E o mercado político reage a isso.

    No caso da educação, precisamos de um número enorme de engenheiros para atender todo o potencial que temos no mercado de óleo e gás. Mas, para ter engenheiros, a gente precisa ensinar direito, hoje, matemática para nossas crianças, da maneira que é ensinada na Coréia e na China. É um investimento de muito longo prazo.

    É diferente da infraestrutura, em que US$ 2 bilhões são suficientes para dragar um porto em 18 meses. Se precisarmos de 200 mil engenheiros, os mesmos US$ 2 bilhões nos mesmos 18 meses não vão
    nos levar a lugar nenhum.

    É um projeto de longo prazo que vai precisar de um ciclo que envolve vários governos, como foi a estabilização. Ela não aconteceu em 1994, quando lançamos o Plano Real; foi toda a responsabilidade que tivemos em 15 anos. Foi uma conquista da sociedade brasileira. E a educação vai ser assim.

    Nós, sociedade, vamos ter que exigir que chegou a hora de ter um padrão educacional que seja um dos melhores do mundo. Muito já foi feito, as nossas crianças estão nas escolas, mas estão muito atrás dos países mais eficientes. Já é um gargalo e vai se tornar mais sério ainda.

    Você vê essa discussão acontecendo em algum setor da administração?

    Vejo essa discussão acontecendo, gosto do debate político, mas temos que partir para a execução e aumentar a ambição. A taxa de crianças na escola é alta no Brasil. A gente começa a ter várias iniciativas de educação no setor privado, infelizmente concentradas em São Paulo e Rio. Mas temos que multiplicar e aumentar em todas as direções.

    Falando em temas fora da agenda, e a carga fiscal? É alta e muito complexa...

    Educação e infraestrutura não são temas econômicos clássicos, mas a carga fiscal sim. No fundo, a gente acidentalmente se tornou um dos países com carga fiscal das mais altas do mundo e com um sistema arrecadatório dos mais complexos.

    Digo acidentalmente porque isso foi necessário durante o período de estabilização brasileira, onde tínhamos uma economia muito volátil, com pouca escala e muito informal. Fomos melhorando gradualmente, e chegamos hoje a uma economia que se formaliza diariamente pelo avanço tecnológico, penetração do cartão de crédito, nota fiscal eletrônica. Há vários vetores de formalização da economia, que passou a ter escala até mundial.

    Ao mesmo tempo, não mexemos naquilo que nos foi útil em um certo momento do tempo, mas agora está se tornando um problema.

    Fala-se muito em competitividade da nossa indústria e estávamos ligando isso ao câmbio. Claro que o câmbio é um componente importante, mas o principal motivo de perda de competitividade é que nossa carga fiscal é substancialmente acima dos países que seriam nosso "peer group" [grupo de equivalentes, em inglês]: México, Colômbia, Chile, Rússia, África do Sul.

    A média de arrecadação desses países é pouco acima de 20% do PIB. A nossa é de 35%, 36% do PIB.

    A gente não pode ter 50% a mais do que os nossos competidores. Não vamos competir nunca. Olhamos para o câmbio, mas, quando o real se valoriza, também se valorizam o peso chileno, o peso colombiano, o rand africano, o dólar mexicano. Todas as moedas andam na mesma direção.

    Por outro lado, se o Chile, a Austrália ou o México pagarem muito menos impostos, nunca seremos competitivos.

    Não tem segredo; é matemático: temos que desonerar a economia para poder levar produtividade e competitividade para nossa indústria.

    Vários Estados dizem que não podem abrir mão da receita. Como se mexe no sistema tributário sem evitar esses conflitos de interesses?

    A boa notícia em relação ao lado fiscal é que a gente nunca teve um conflito distributivo em tão pequena escala no Brasil. Não significa que não existe, mas nunca foi tão suave como hoje.

    Temos sobra fiscal na economia.

    Conseguimos reduzir as taxas de juros para padrões internacionais: o país paga taxa de juros real em torno de 2%.

    Claro que estamos em um momento de política monetária expansionista, com economia crescendo entre 1,5% e 2%, mas, mesmo quando estiver neutra, a taxa de juros será entre 3% e 4%.

    Isso significa que teremos sobras fiscais. E é muito importante que nós, sociedade, demandemos que essa sobra fiscal seja linearmente transferida para a desoneração da economia.

    Priorizar setores é um erro?

    Há uma agenda emergencial e uma estrutural. Quando a gente está no meio de uma crise como foi em 2009 é válido fazer um ataque emergencial num setor A ou num setor B.

    Numa situação de normalidade, gostaria de ver desonerações lineares.

    Acho que há uma fórmula muito simples disso andar.

    O Brasil é muito rico em impostos complexos. O PIS e e a Cofins são exemplos. Sem inventar muito, vamos reduzindo os impostos piores. Não é preciso reforma tributária para isso. Pode ser feito gradualmente, da mesma forma que fizemos com a política monetária: reduzindo com responsabilidade, testando as águas. Vamos reduzir os impostos para quem exporta, para quem importa, para o setor imobiliário, para o setor financeiro.

    É uma ilusão concentrar isso no setor A ou B e achar que eles estão desonerados. Por quê? Porque eles consomem energia, spread bancário [diferença entre a taxa de juros que o banco cobra quando concede um empréstimo e a que paga quando toma recursos] e uma série de insumos que estão onerados.

    A medida de redução dos preços de energia é correta por ser linear para todos os setores. Essa é a grande agenda econômica do Brasil, muito mais importante do que saber se a inflação está meio ponto para lá ou para cá.

    Mexer só em PIS, Cofins e folha de pagamento já seria relevante?

    Sim, até do ponto de vista de sua complexidade. Na hora que você desonera a folha, o mercado de trabalho ganha flexibilidade. Cria um dinamismo que é muito benéfico para a economia. Uma das forças da economia americana é esse dinamismo da mão de obra.

    O PIS e a Cofins são horrorosos; não existem nessa magnitude em nenhum lugar do mundo. É uma jabuticaba que, numa época de muita informalidade, era válida e nos foi útil. Está na hora de simplificarmos, de esquecermos isso.

    Os fatores de formalização da economia e o potencial de crescimento de longo prazo estão aqui. A gente vai ter ganho fiscal e não precisamos ter medo. Pouquíssimos países do mundo têm uma dívida baixa e cadente. E ainda temos contratado um alívio fiscal nos próximos anos com a queda nos juros. Temos que converter em uma disciplina canina a desoneração da sociedade produtiva.

    A CPMF é isso?

    É isso por um outro ângulo. Tiramos a CPMF, estamos fazendo 3% de superávit primário e a arrecadação continua subindo. E subirá mais ainda. Vamos desonerar, dar um choque de infraestrutura e cuidar da educação em longo prazo, adicionando a agenda microeconômica.

    A Receita Federal tem muita gente competente. É um órgão que se tornou inteligente. Nosso norte é simplificar e desonerar. Às vezes vai ter uma coisa errada ou confusa, e vamos saber corrigir.

    Fizemos o mais difícil que era arrecadar com uma economia desestabilizada. Desonerar é sempre mais fácil. Criar o PIS, a Cofins e a CPMF é que foi difícil. Criar uma máquina arrecadatória nesse sistema é que era difícil. Desonerar é fácil e tenho certeza de que há muita gente competente para fazer isso.

    Existe intervencionismo no Brasil? Isso está afastando investidores?

    O diagnóstico é correto. O mercado de curto prazo passou a ter essa preocupação nos últimos meses. Existe um certo exagero do mercado e uma confusão em relação à personalidade mais assertiva da presidente Dilma.

    Muito se reclamou da nova regulação do setor de energia. Particularmente, acho que o resultado foi muito bom. A comunicação poderia ser sempre melhor. Poderia ter um pouco de sinalização anterior. Mas a medida é excepcional para o país. Foi feita por gente competente, que conhece o setor, sem nenhum lobby indevido e com uma desoneração linear para a economia.

    O mercado, quando tem algum desapontamento, sempre reclama. Não vejo o governo da presidente Dilma jamais quebrando contratos ou tendo intervenções indevidas. O fato de o governo vocalizar certos assuntos não deve ser entendido como quebra de contrato. Há uma grande distância.

    De um certo modo, se olhar para o investimento de longo prazo, ele está aí. O Brasil tem quase o dobro de seu déficit em conta corrente financiado por investimentos diretos externos. A confiança do investidor de longo prazo está lá e está muito presente.

    Mas, pensando no mercado de capitais, essa desconfiança pode limitar as formas de investimento?

    Limita circunstancialmente os preços, mas as oportunidades estarão aqui. Faz parte do humor do mercado, de ele estar mais ou menos bem-humorado.

    A gente passou por períodos em que o mercado achava que o Brasil iria resolver todos esses problemas em dois anos. Ele estava excessivamente bem-humorado.
    Agora, passamos por um período de excessivo mau humor. Vejo isso como a temperatura normal do mercado.

    Por que a taxa de investimento está demorando tanto para crescer?

    Há uma tecnicidade metodológica. Acho que nossa taxa de investimento pode estar um ou dois pontos acima do cálculo atual. Mesmo assim é muito mais baixa que o potencial. Por isso, gostaria de ver um choque de investimento em infraestrutura. No caso brasileiro, o nosso investimento precisa ser feito com capital local e com estrangeiro. A gente precisa do investidor externo também.

    A mudança de patamar das taxas de juros é uma transformação muito profunda para a economia brasileira. Assim como foi o Plano Real no passado, as suas consequências vão se apresentar. Algumas delas demoram algum tempo, até vários anos.

    Estamos prontos para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Temos regras, temos supervisão, instituições de qualidade, regulação de qualidade, infraestrutura. Faltava a taxa de juros estar no lugar certo.

    Várias consequências como o desenvolvimento do mercado imobiliário, aumento do investimento de longo prazo, todas elas vão vir.

    Colocando isso no contexto internacional, no qual há oportunidades nos EUA, na Europa, como fica a atratividade do Brasil?

    A incerteza internacional é muito grande. Nesse contexto, o Brasil ainda é um lugar atrativo e um lugar muito mais previsível e interessante. China, Europa e EUA passam por contextos muito mais desafiadores, mesmo com nossos problemas.

    A desaceleração na China vai arrefecer?

    O lado bom é que economias mais centralizadas são mais resilientes.
    Poderíamos assumir como "base case" [pressuposto básico] que a economia da China vai parar por aí, com crescimento de 7%, 8%, que é um patamar altíssimo.

    Não estamos mais falando de uma China rural, emergente, mas da segunda maior economia do mundo.

    Se quisermos olhar o lado negativo, não acho que essa desaceleração é conjuntural, mas estrutural. É uma mudança do patamar de crescimento da China. É diferente da desaceleração que estamos vivendo no Brasil, que este ano vai crescer 1,5%, mas depois vai voltar a crescer mais.

    Acha que a Europa vai levar muito tempo para sair da crise?

    Muito tempo. Antes de a gente pensar em crescimento, temos que pensar em coisas mais básicas como a manutenção do euro, a solidez do sistema financeiro, o risco de rompimento.

    A Europa hoje está melhor do que meses atrás. Há bons governos na maioria dos países. Mas a agenda não é a de buscar crescimento, como no Brasil, mas a de buscar estabilidade sem rompimentos.

    É uma década perdida, com certeza.

    E os EUA?

    O estado da economia americana é melhor do que a maioria das análises que vemos.
    Os EUA não perderam a maior parte das vantagens. Continua lá a educação de primeira qualidade, continua lá a maior inovação, continua lá aberta a mobilidade social, conseguiram reparar o seu sistema financeiro.

    Mesmo os indicadores macroeconômicos são razoáveis: temos 8% de desemprego com 2% de crescimento. Uma década atrás, esses números seriam sucesso no Brasil.

    Os EUA agiram muito forte e bem para mitigar esses riscos.

    Mas há muita incerteza, porque esses indicadores foram atingidos com uma política monetário muito agressiva. Se discutimos que a nossa taxa de juros está muito baixa, a nossa política monetária parece a mais ortodoxa do mundo quando comparada com a americana.

    Hoje, os EUA praticam uma política monetária muito agressiva, ultraexpansionista, e com consequências para o resto do mundo.

    Agora, deve-se disser que isso evitou um rompimento, deu tempo para o sistema financeiro se estabilizar e gradualmente a economia volta para normalidade.

    Daí a gente ter um conjunto de oportunidades nos EUA.

    Para competir com a atratividade brasileira, porém, ainda está longe, porque temos um conjunto de incertezas no horizonte dos EUA.

    E América Latina? O banco se expandiu bastante na região. Quais são as oportunidades nesses mercados?

    A agenda latino-americana é comparável com a brasileira. Temos países um pouco mais à frente, como o Chile, e outros atrás como Colômbia e Peru.

    Com exceção de Argentina e Venezuela, que seguiram caminhos menos consistentes, todos estão com uma solidez macroeconômica que nunca tivemos. A média de endividamento é de 35% do PIB, como o Brasil, sendo que há países "net cash" [sem dívidas, com sobra de recursos], como o Chile.

    A história da América Latina é parecida com a do Brasil. Temos um componente de commodities importante, mas a transformação da América Latina em um continente de classe média é um tema mais importante.

    Estarmos na América Latina e promovermos a integração latino-americana não é só uma oportunidade de negócio como também nos deixa satisfeitos de ser agentes dessa integração.

    Como o sr. avalia a política de fazer os bancos públicos liderarem a redução das taxas de juros e de administração?

    É um desafio. Temos um sistema financeiro muito sólido, o que é um patrimônio nacional. Temos tanto patrimônio quanto qualidade de gestão para endereçar isso sem o menor problema.

    O Banco do Brasil é uma companhia de capital aberto, listada no Novo Mercado da Bovespa, com boa governança. Não vejo nenhuma irresponsabilidade vindo nessa direção.

    Como política, usar banco público para artificializar preços da economia em nenhum tempo é uma boa política.

    Em algum momento de picos de aperto da liquidez, manter a presença dos bancos públicos de maneira regular nos mercados -o que é bem diferente da primeira sentença- é válido. A gente não pode confundir o válido com a má política de longo prazo, que seria um erro.

    O sr. citou só o Banco do Brasil. Com a Caixa haveria um problema?

    Não é um problema, mas não é uma companhia... A Caixa é lider no financiamento imobiliário, faz isso muito bem, numa das áreas de crescimento mais relevantes do Brasil, do ponto de vista do financiamento. Deve continuar fazendo e até aumentar sua presença nesse mercado.

    Só fiz uma analogia. A Caixa ainda não é, mas poderia ser uma empresa de capital aberto na Bolsa. Não seria uma má ideia.

    Vê uma ressaca à vista? Alguma revisão dessa expansão tão rápida do crédito com juros mais baixos e spreads menores?

    Essa questão dos spreads é um pouco mitificada.

    Um componente importante do ativo de crédito dos bancos é o crédito corporativo, que está estável do ponto de vista do spread.

    Mais ainda: uma companhia brasileira "single A" [medida de risco dada por consultorias especializadas na análise de empresas] paga o mesmo spread de uma "single A" americana.

    Para essa grande parte do ativo dos bancos, não existe uma pressão regulatória nem de mercado, nem o preço está errado.

    A economia funciona realmente bem e a preços de padrão internacional. Isso está equacionado.

    Na parte de crédito ao consumidor com garantia, também temos spreads parecidos com os internacionais. O financiamento de carro hoje é equivalente -em prazo, qualidade de garantia, tamanho de entrada e spread- ao do mercado internacional.

    Talvez a discussão sobre spread esteja em um nicho muito específico de crédito ao consumidor, nos cartões e no cheque especial, em que o spread brasileiro é mais alto.
    E no qual os bancos comerciais estão fazendo voluntariamente uma redução.

    Mas essa é uma pequena parte do ativo dos bancos.

    Se formos pensar, a única mudança regulatória de fato, recentemente, foi uma redução do compulsório.

    Não vejo nada de intervenção ou de problema maior acontecendo.

    O desafio maior é a adaptação a um ambiente de taxas de juros mais baixas, que traz desafios, mas também muitas oportunidades de negócios para os bancos.

    Um exemplo é o desenvolvimento do mercado de capitais mais pungente, mais líquido. Este ano devemos ter recorde de emissões de debêntures, de securitização, o que é muito bom.

    É uma mudança, mas na direção certa. Temos um sistema financeiro competente, sólido e se adaptando a padrões mais internacionais.

    O sr. citou como qualidades da economia americana ser uma sociedade aberta, com educação de qualidade, mobilidade social, flexibilidade do mercado de trabalho e senso empreendedor. No Brasil, citou como necessidades melhorar educação e desregulamentar. Existe no país senso de empreendedorismo e mobilidade social?

    Existe completamente.

    Temos características muito parecidas com as americanas. Somos uma sociedade com uma base de imigrantes, um país de dimensões continentais, mas com a mesma cultura, a mesma língua, poucos preconceitos. Uma sociedade jovem e que olha para o futuro.

    Em todas as pesquisas internacionais sobre otimismo futuro, o Brasil está sempre nos três primeiros lugares, o que é uma qualidade que se traduz nas duas coisas que você mencionou: empreendedorismo e mobilidade social.

    O Brasil tem mais mobilidade social que o resto da América Latina, e os exemplos são vivos. Várias lideranças empresariais brasileiras nasceram da classe média, muitas vezes da classe baixa, de cidades pequenas, longe dos grandes centros urbanos.
    Isso é uma qualidade enorme da economia brasileira, que no fundo é mais que da economia, é da sociedade brasileira. É uma força da nossa economia e da nossa sociedade.

    Eu até diria mais: o que a sociedade demanda é igualdade de oportunidade.

    Os Estados Unidos têm muita desigualdade de renda, mas não tensão social, porque há um nível mínimo de qualidade de vida. É um país de classe média de fato, mas o principal é que tem igualdade de oportunidade.

    No Brasil, estamos, ainda bem, numa enorme conquista dos últimos anos, com estabilidade econômica e crescimento. Estamos impondo um nível mínimo de qualidade de vida. Não estamos lá, mas andando nessa direção. O que nossa sociedade quer é igualdade de oportunidade.

    Quem não teve acesso a educação tudo o que quer é que o filho tenha acesso a oportunidade.

    Cada um vai ter o resultado que tem a ver com dedicação, talento, oportunidade, em alguns casos até um pouco de sorte.

    Mas é preciso um padrão mínimo, que dê dignidade à população como um todo, e igualdade de oportunidade.

    Que bom termos uma economia livre, competitiva, com mobilidade social, uns em estágio diferente dos outros, o que é bom, significa mais crescimento, mais produtividade. No longo prazo, significa mais emprego e renda para toda a possibilidade.

    O sr. é a favor de cotas sociais?

    Dada a demanda histórica, poderíamos ter uma política, mas limitada, de cotas.
    Não me agrada uma política ampla. Limitada, talvez.

    Limitada no tempo?

    No tempo, na quantidade.

    A sociedade brasileira é madura, com poucos preconceitos, móvel. Não podemos é criar o preconceito que não existe. Criar um tema que não está presente.

    Podemos e devemos fazer um pouquinho do resgate histórico, mas sem exagerar na dose.

    Voltando um pouco para medidas não lineares do governo, escolheram-se alguns setores e não outros e criaram-se também mecanismos de conteúdo nacional, outro fator apontado como gerador de custo e ineficiência. O sr. acha produtivo favorecer setores? Há áreas em que o país pode ser mais competitivo e outras em que não vale a pena insistir?

    A interferência deve ser sempre feita de maneira comedida, limitada.

    Dito isso, sou simpático à política de conteúdo nacional em indústrias em que o Brasil tenha a capacidade e a escala de se tornar líder mundial.

    O setor mais debatido em relação a conteúdo nacional no momento é o de óleo e gás. Temos todas as condições, dado o tamanho dos campos petrolíferos, de ser um líder global na área de serviços de óleo e gás. Por que não escolher ser um líder global?

    É diferente de tentar criar uma política para inventar o Google no Brasil. Provavelmente vamos gastar um montão de dinheiro, trazer ineficiência e não chegar a lugar nenhum.

    Mas, aonde podemos chegar, acho que devemos tentar. Por isso apoio, gosto da ideia e acho que devemos nos espelhar nos países que chegaram lá.

    Na Noruega, por exemplo, há 20, 30 anos não havia indústria de óleo e gás, e hoje existe uma das mais competitivas do mundo. Se daqui a 10, 20 anos -com todo o achado do pré-sal e as outras bacias ao longo da costa- não chegarmos a um ponto parecido, nós falhamos.

    Temos todas as condições do mundo de desenvolver liderança em várias áreas.

    O setor agrícola é outro em que deveríamos ser líderes. Se fala muito que precisamos de ciência e tecnologia. A inovação para o Brasil não pode ser criar o Google, mas ser o líder mundial de tecnologia agrícola. A gente deveria ser o número 1, e estamos quase lá. Temos um organismo sensacional, que é a Embrapa.

    Investir três vezes mais do que investe na Embrapa, eu apoiaria sem sombra de dúvida, porque pode levar à liderança mundial num setor que é crítico.

    Temos que saber onde estão nossas vantagens competitivas.

    Não podemos, em nome de um nacionalismo econômico bobo, recriar a lei de informática. Vamos para o buraco.

    Mas em óleo e gás e agricultura, temos espaço e, mais ainda, não temos o direito de não tentar a liderança mundial, dada a escala do Brasil.

    Isso antigamente se chamava política industrial (risos).

    No setor de óleo e gás os investimentos estão demorando, a produção decepciona, os estaleiros estão atrasados. Por que o setor patina?

    Isso é olhar muito o copo vazio. O lado do copo cheio é que os maiores achados de óleo e gás do mundo foram feitos no Brasil. Logo teremos os principais achados de gás de xisto.

    É um setor de muito investimento, muita dificuldade de execução, capital de risco de verdade, mas há grandes empresas privadas foram criadas, como a OGX, a HRT, estamos explorando óleo na Amazônia, gás na bacia do Parnaíba, tivemos grandes achados numa escala que não houve em nenhum lugar do mundo.

    Os desafios você listou, mas fizemos muita coisa até aqui. Temos o desafio de executar, mas se olhar a indústria, há muita coisa acontecendo.

    Vamos, ao longo dos próximos cinco, seis, sete anos, estar cravejados de problemas, mas teremos muito sucesso nessa área.

    A produção da Petrobras ainda não saiu, a OGX ainda não está tirando muito óleo, o gás ainda não tem grande escala, mas estamos preparados para tudo isso e para receber mais investimentos ainda.

    Hoje, todas as grandes petrolíferas mundiais têm investimentos no Brasil e gostariam de ter mais.

    Vejo o setor com muito potencial.

    E o BNDES? O sr. é um dos poucos banqueiros de investimento que defende o BNDES. Ele pode ter um papel importante nesse desafio do óleo e gás? Como muda o papel do banco com a queda das taxas de juros, que poderia fazer com que o setor privado tivesse interesse em entrar nos financiamentos?

    O BNDES pode e deve fazer um papel nessa necessária ampliação nos investimentos.

    É um órgão relativamente enxuto para padrões estatais, muito técnico, com boa governança. Deve ser um agente relevante dentro da economia. Há estudos hoje em países avançados de criar seus próprios bancos de desenvolvimento.

    Sempre comentamos das nossas jabuticabas com desdém, mas devemos ficar orgulhosos de algumas delas, como o BNDES.

    Por outro lado, não é por ser competente, técnico e necessário, que ele não corre o risco de ser também exagerado. Um BNDES grande demais pode atrofiar o desenvolvimento do mercado de capitais.

    Estamos chegando a um ponto em que o mercado de capitais pode começar a substituir um pouco o BNDES, deixá-lo mais focado em grandes projetos de infraestrutura, prazos mais longos ou projetos mais estruturantes, que demandam um volume de capital, prazo, maturação para os quais o setor privado ainda não está pronto.

    Mas, para a maior parte dos projetos de investimento, o setor privado deve começar a assumir um pouco da responsabilidade que o BNDES carregou sozinho nas costas até agora.

    Como tudo de bom na vida, não se pode exagerar, para não criar mais efeitos colaterais que benefícios.

    Foi bom a humanidade ter inventado os antibióticos, mas tomar oito vezes por dia durante dez anos não vai fazer bem. O BNDES é o nosso antibiótico. Criamos, mas não vamos abusar.

    Há uma concorrência difícil com os juros subsidiados do BNDES.

    Até nisso a queda de juros favorece, porque os juros nunca foram tão pouco subsidiados. Como o spread de risco corporativo no Brasil é o internacional, e a taxa de juros caiu muito, o próprio financiamento do BNDES não é mais tão subsidiado assim, é um gap que fechou.

    O BTG é um banco que se expandiu rápido, criou produtos novos, entrou em vários investimentos. O que está no horizonte de vocês no futuro?

    O horizonte financeiro global será de muito poucos bancos globais competindo com alguns líderes regionais, de igual para igual. Estamos bem posicionados para ser um desses líderes regionais na América Latina. Olhando para a frente, vamos competir de igual para igual com quem quer que seja na nossa economia.

    Um dado importante é nosso investimento no setor real. Banco de investimento deve investir. Não acreditamos no nosso negócios se não for para também apoiar o crescimento das empresas com capital.

    Nossa função social deve ser dar bom aconselhamento, estender crédito e também estender capital permanente, capital de risco para o crescimento das companhias.

    Esse é o nosso papel. Somos o óleo da engrenagem na economia. Se formos um pouco agentes dessa transformação do Brasil e da América Latina, não só é um business muito rentável, mas um que nos deixa satisfeitos.

    O sr. se imaginava à frente de uma empresa desse tamanho, com patrimônio de bilhões, crescendo para o mundo todo, com atividades nos EUA, na China?

    Não, as coisas foram se desenvolvendo naturalmente. Para mim e para todos os sócios principais. Somos sujeitos de classe média que gostamos do que fazemos, acreditamos no Brasil, achamos que temos os princípios certos de negócio e, acima de tudo, nos divertimos todo dia vindo aqui trabalhar. Gostamos muito do que construímos aqui. Isso já deixou de ser sobre dinheiro há muito tempo, é muito mais para poder contar essa história e ser um agente de transformação do Brasil na direção certa.

    Já pensou em participar da política?

    Não tenho essa ambição. Acho que podemos ser um transformador político sendo bons empresários. Nossa demanda de transformação da sociedade se exerce no dia-a-dia da empresa.

    Estamos sempre dispostos a expressar nossas opiniões, levar o resultado das nossas análises, somos opinativos e participantes independentemente de quem estiver sentado lá, mas não exercemos a política partidária. Exercemos a política a partir da nossa atividade empresarial.

    Há um pouco de ideologia... não é bem ideologia, mas crença..., e queremos continuar assim.

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