A maior parte dos Estados destina mais dinheiro à guerra fiscal do que ao investimento público.
Ao todo, para cada R$ 100 que os Estados investem --para aprimorar a infraestrutura local, por exemplo--, R$ 217 são dados em incentivos tributários destinados a trazer empresas de outros Estados.
Os dados foram levantados pelo economista José Roberto Afonso, da FGV, que os apresentou em seminário no Tribunal de Contas da União.
Ele lembra que na maior parte do mundo se atrai investimentos melhorando o capital humano e físico --com educação e justamente melhorando rodovias, ferrovias, oferecendo energia--, e não através do arsenal tributário.
"É óbvio. O ganho é permanente e sai mais barato. É inevitável, mais dia menos dia, que a guerra fiscal seja substituída por uma outra forma mais inteligente de promover desenvolvimento regional."
A guerra fiscal ganhou força nos anos 90. Hoje, todos os Estados participam, apesar de os incentivos serem ilegais.
Os secretários de Fazenda dizem que é impossível não entrar no jogo: se um Estado não dá incentivos, o vizinho dá e leva suas empresas.
Isso criou o que o sociólogo Glauco Arbix chamou de "política do desperdício".
Para ele, a guerra fiscal beneficia as empresas privadas em detrimento das finanças estaduais, pois o investidor tem uma posição privilegiada de barganha: a potencial fábrica é uma, os Estados em guerra por ela são vários.
Em evento recente na Folha, o secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, contou, sem citar a empresa, que uma montadora exigiu 130% do valor da fábrica em incentivos para vir ao Estado.
Como São Paulo tem a melhor logística e o maior mercado consumidor do país, outros Estados teriam ainda de oferecer "lances" maiores.
POLÍTICA
O Programa de Desenvolvimento de Pernambuco, por exemplo, abate 95% do imposto devido por até 24 anos em setores escolhidos.
Assim, a guerra fiscal é um campo interessante tanto para a ciência econômica -manipular a tributação é uma boa ferramentas de desenvolvimento?- quanto para a ciência política: como se decide quem ganha subsídios?
O consultor da Câmara dos Deputados Marcelo Maciel dedicou um mestrado em ciência política a isso.
Concluiu que, como muitas vezes a concessão de incentivos é decidida pelo Executivo estadual autocraticamente sem aval do Legislativo, "facilita-se a combinação de interesses entre o segmento político, que detém o poder local, e o empresarial".
"Beneficiários de incentivos são eventuais financiadores de campanha eleitoral."
Outros autores apontam que governadores não fazem um cálculo "frio" do custo-benefício de um incentivo, pois se motivam pelo ganho eleitoral vindo da instalação de grandes empresas
no Estado. O eleitor, afinal, apoia quem "traz indústrias", em geral sem ponderar custo.
Assim, se educação e infraestrutura costumam levar tempo para dar frutos, o tiroteio fiscal dá resultados antes de o mandato acabar.
Maciel é pessimista. "A política tributária desenvolvimentista, adotada historicamente no Brasil e pautada pela concessão de incentivos, envolve interesses difíceis de reverter", afirma.
Mas as propostas de reforma tendem a validar incentivos já concedidos, levando a um ciclo vicioso.