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    Faber-Castell produz na Alemanha para 'não dar know-how para a China'

    JACK EWING
    DO "NEW YORK TIMES", EM STEIN, ALEMANHA

    06/02/2014 10h00

    O conde Anton-Wolfgang Von Faber-Castell, 76, é conhecido por lançar lápis da torre de seu castelo para o pátio de pedra lá embaixo.

    Não se trata de um ataque de petulância de um aristocrata bávaro maluco. O conde, oitavo em uma longa linhagem de fabricantes de lápis, quer só provar a durabilidade dos lápis que carregam o nome de sua família.

    A família Faber-Castell produz centenas de milhões de lápis na cidade de Stein, que parece saída de um conto de fadas; a cidade é cortada ao meio pelo veloz rio Rednitz, que no passado era a principal fonte de energia para a região. Uma torrente de lápis de cores brilhantes se despeja das ruidosas máquinas em uma fábrica secular dotada de telhado de telhas vermelhas e de janelas cujas molduras são pintadas em tons pastel.

    A Faber-Castell é a maior fabricante mundial de lápis, e também produz uma ampla gama de canetas, lápis de cera e suprimentos para arte e desenho, além de acessórios como borrachas e apontadores. Cerca de metade da produção da companhia alemã é exportada, principalmente para outros países na zona do euro.

    Isso significa que a Faber-Castell contribui, ainda que modestamente, para o grande e controverso superávit comercial da Alemanha –que hoje disputa com o da China a posição de maior do planeta.

    A Faber-Castell ilustra de que forma companhias médias –que respondem por cerca de 60% dos empregos do planeta– são capazes de se manter competitivas no mercado mundial. O seu foco é o design e a engenharia, e ela desenvolveu seu talento de transformar produtos cotidianos em objetos de luxo, sempre apegada à convicção de que continua a fazer sentido manter parte de sua produção na Alemanha.

    "Por que produzimos na Alemanha?", perguntou o conde durante nossa entrevista no castelo da família, perto da fábrica. "Dois motivos. Primeiro, para realmente fabricar o melhor aqui na Alemanha, e manter o know-how no país. Não quero dar o know-how de como fazer os melhores lápis de presente para a China, por exemplo."

    "Segundo, o rótulo 'made in Germany' continua a ser importante", acrescenta.

    Nem todas as fábricas da companhia ficam na Alemanha. Mas quando a Faber-Castell, uma empresa de capital fechado que faturou 590 milhões de euros (US$ 800 milhões) em seu mais recente ano fiscal, produz em lugares como a Indonésia ou o Brasil, o faz em fábricas próprias.

    Existem ameaças em toda parte, incluindo os concorrentes chineses cada vez mais sofisticados, a estagnação econômica na zona do euro e as viradas imprevisíveis da tecnologia. E quando até crianças de pré-primário sabem usar um iPad, não existe certeza de futuro para os lápis e canetas coloridos.

    "O maior desafio para a Faber-Castell será a maneira pela qual a escrita se desenvolverá com o advento da tecnologia digital", diz Hermann Simon, consultor de gestão que cunhou o termo "campeões ocultos" para descrever as companhias de porte médio e foco aguçado, como a Faber-Castell, que propelem a economia alemã.

    "As crianças continuarão a escrever? Mas a Faber-Castell reconhece esse desafio."

    Leticia Moreira - 30.AG.10/Folhapress
    O conde Anton-Wolfgang Von Faber-Castell, o 8º membro da família à frente da fábrica de lápis e canetas
    O conde Anton-Wolfgang Von Faber-Castell, o 8º membro da família à frente da fábrica de lápis e canetas

    TESTE

    O mercado está certamente testando a companhia. Embora suas vendas tenham crescido em 3,5% no ano passado, o lucro caiu em 27%, para € 24,2 milhões, em parte devido ao custo de construir novas operações na Ásia e América Latina.

    A companhia anunciou no mês passado que as vendas registram queda de 9% até agora no ano fiscal em curso, devido à depreciação cambial em países como o Brasil e às vendas fracas no sul da Europa.

    Ainda assim, a Faber-Castell, fundada em 1761 quando os lápis de grafite eram novidade, já superou viradas tecnológicas no passado. Quando o conde Anton assumiu o comando do negócio, em 1978, depois da morte de seu pai, o conde Roland von Faber-Castell, a empresa era uma das maiores fabricantes de réguas de cálculo. Esse ramo foi logo eliminado pelo surgimento das calculadoras eletrônicas.

    Depois, nos anos 80, o advento dos programas de projeto assistido por computador pôs fim ao seu mercado de produtos mecânicos para desenho.

    Com ajuda do Boston Consulting Group e dos designers da própria empresa, o conde reformulou a linha de produtos e colocou mais ênfase em produtos mais caros, de lápis coloridos para arte a canetas tinteiro vendidas por milhares de dólares. Os produtos de luxo respondem por 10% do faturamento da companhia.

    "É preciso mudar continuamente", disse o conde Anton, que no dia de nossa conversa usava um jaquetão risca de giz com uma camisa branca, gravata vermelha, e um lenço branco visível no bolso superior do paletó. "Se você se recosta e acredita que será feliz com os produtos que já tem, terá dado seu primeiro passo para o inferno".

    A Faber-Castell foi fundada por Kaspar Faber, aprendiz de carpinteiro. Seu neto, Lothar Faber, foi elevado à nobreza em 1861 pelo rei Maximiliano 2º da Baviera, depois de transformar a empresa na maior fabricante de lápis do planeta. Mais tarde, descendentes dos Faber se casaram com membros da aristocrática família Castell, criando o nome Faber-Castell.

    (Os lápis Eberhard Faber, conhecidos por gerações de estudantes norte-americanos, eram fabricados pelo irmão mais jovem de Lothar, que montou uma empresa em Brooklyn)

    LUXO

    E no entanto, ser conde continua a valer alguma coisa. Os produtos de luxo da empresa são conhecidos como linha Graf von Faber-Castell - "Graf" quer dizer "conde" em alemão. A empresa recentemente lançou uma caneta tinteiro Graf von Faber-Castell feita de jaspe, quartzo e ouro, com preço de quase US$ 10 mil,

    Mesmo as caixas de lápis e de cor e crayons Faber-Castell de melhor qualidade podem custar centenas de dólares. É esse foco no extremo mais sofisticado do mercado que permitiu às companhias alemãs sobreviver em mercados nos quais as alternativas asiáticas de baixo preço estão abundantemente disponíveis.

    Os carros da Mercedes e Audi são bons exemplos disso, mas as companhias alemãs também conquistaram sucesso semelhante em segmentos mais corriqueiros de produtos, como os acessórios de cozinha Rösle, os bichos de pelúcia Steiff e as meias Falke.

    "O extremo mais sofisticado do mercado ainda se preocupa com a qualidade, e está disposto a pagar ágio por produtos de boa qualidade", diz Daniel Berch, diretor da Pell Research, empresa de pesquisa de mercado que estudou o setor de lápis dos Estados Unidos.

    O conde Anton, embora ciente da ameaça digital, sustenta que escrever à mão nunca desaparecerá. As pessoas continuam a usar canetas, lápis e marcadores, para bilhetes e para anotar documentos impressos, ele argumenta. E mesmo nos países ricos, diz, as crianças ainda usam lápis e canetas para aprender a desenvolver a coordenação motora necessária a ler e escrever.

    "O lápis é de certa forma um produto muito arcaico mas ainda assim indispensável", ele disse. "O lápis continuará vivo por muito mais tempo do que acreditamos".

    Para garantir que isso continue verdade na próxima geração, o conde Charles Faber-Castell, 33, filho do conde Anton, formado pela escola de administração de empresas da Universidade Colúmbia, recentemente começou a trabalhar no departamento de marketing da empresa.

    "Primeiro ele precisa aprender o negócio", disse o conde Anton.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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