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    Minha História

    Paralisado em queda de cavalo, ex-presidente da Azul recria sua carreira

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    20/04/2014 03h00

    Executivo com experiência à frente de grandes empresas, Pedro Janot trouxe a Zara para o Brasil, fortaleceu a Richards e ajudou a criar a Azul.

    Em 2011, quando presidia a companhia aérea, caiu do cavalo e perdeu os movimentos dos braços e das pernas.

    Tentando recriar sua carreira, ele se elegeu "presidente da própria cura", que chama de sua quarta start-up. Janot acaba de lançar um livro sobre seus tempos de Azul e planeja o futuro.

    *

    Era o início do feriado de 15 de novembro de 2011. Eu tinha quase quatro anos de Azul e a empresa já havia atingido 10% do mercado.

    Naquela época, eu estava exausto, acima do peso, e falei para a Débora, minha mulher, que eu queria dedicar o fim de semana para conversar sobre o meu volume de trabalho, que eu estava trabalhando para caramba.

    Fomos para o sítio, em Joanópolis, andar a cavalo.

    Fabio Braga/Folhapress
    Pedro Janot, ex-executivo de Zara, Azul, Richards e Pão de Açúcar
    Pedro Janot, ex-executivo de Zara, Azul, Richards e Pão de Açúcar

    Eu tinha feito uma programação intensa, quase executiva, porém, para o lazer: acordei cedo, montei a cavalo, ia voltar para almoçar, descansar, sair de bicicleta e fazer fogueira à noite.

    Estava tudo certo, com segurança. Eu e o Celso, meu vizinho de sítio, fomos devagar, aquecendo os cavalos. Quando eu já ia voltar para casa, vi que a barbela [tira que fica sob o queixo do cavalo] estava solta e resolvi parar. Desci para arrumar e montei de novo.

    Nesse momento, por algum motivo, tive um apagão. Foi uma queda sem nenhuma defesa. Caí sem rodar o corpo, sem apoiar a mão, não segurei no cavalo nem na rédea. Caí estatelado de cabeça no chão.

    Lembro que disse: "Quebrei meu pescoço". A perna foi para um lado, braço para o outro, e minha cachorra, uma boxer chamada Zara, estava me olhando de cima. Eu desmaiava e acordava. Foi dramático, a família e os amigos ajudaram no resgate.

    Todo mundo diz que cavalo é perigoso, mas o pobre do cavalo ficou parado, era manso como um cachorro. Não foi ele que me jogou no chão. Eu tive um apagão e caí.

    Assim começa a história do acidente, uma história que teve lances terríveis, pois não sabia o que estava ocorrendo.

    Eu era um executivo em minha terceira start-up, um projeto difícil, pois a aviação é intensiva em capital, tecnologia, segurança, regulação pelo governo e mão de obra.

    Havíamos entrado num setor em que duas empresas tinham 98% do mercado e existiam ainda muitas lacunas, como voar em Viracopos, que era um aeroporto sem movimento, e estimular o mercado do interior de São Paulo.

    Era um gasto energético enorme. Eu saía de casa às 6h para fazer ginástica, voltava, tomava banho e fazia a barba em poucos minutos, pulava no carro, ia para o compromisso, voltava depois das 21h.

    Foi quando parei. Saí de 1.000 km/h para zero.

    Fiquei 45 dias no hospital. Aí meu vizinho, Mário Pena, me disse que nenhum médico, aparelho ou terapeuta iria resolver o meu problema.

    "Quem vai resolver é você mesmo." Falou isso num tom muito solene, na beira da minha cama. Foi quando começou minha quarta start-up.

    Eu pensei: "Pois é... agora sou de novo presidente. Acabei de me eleger CEO da minha cura". E comecei ali uma empresa. Eu e aquela equipe de enfermeiros em vários turnos. Minha família passou a fazer parte da minha equipe.

    Quando vim para casa, não tinha movimento da clavícula para baixo. Nada. Era uma geleia. Aí eu vi: "Caramba, não sou mais o mesmo". Quando você sai do hospital e volta para a vida, sente que está num mundo novo.

    Depois do acidente, começamos a fazer a reunião semanal da direção da Azul na sala da minha casa. A fusão com a Trip foi discutida aqui.

    Quando a carga de fisioterapia cresceu, fui para o conselho da companhia.

    Nesse período todo eu chorei duas vezes. Não pela má sorte, mas pela dificuldade da adaptação, pela dor na musculatura... E a única vez que me lamentei de verdade foi com minha tia Cristina. Perguntei a ela: "Por que comigo?". E disse: "Não vou falar isso a ninguém mais".

    Fora isso, era cabeça para a frente, mantendo a tropa unida em torno do objetivo. E comecei a montar a equipe de fisioterapeutas, que é o que eu tenho de mais precioso. Desenvolvemos uma nova companhia chamada "Recuperação do Pedro". Eu consegui, como CEO da minha cura, trazer todos os que me cercam para ajudar.

    Tenho de fazer muita coisa, mas não são 12 horas de desespero, depressão e reclamação. O resultado positivo é que eu já tenho movimento e recrutamento muscular.

    A neurologia não pode afirmar que vou andar em 2014 ou chutar uma bola em 2016, mas os médicos dizem que estou muito bem, dada a gravidade do acidente.

    O joelho não afrouxa mais.

    Mas, para quem está dentro, é muito lento. Para quem andava a mil por hora...

    Hoje, enquanto eu lia o jornal, o Henrique [seu enfermeiro] teve de ir fazer outra coisa. Aí a página ficou aberta e eu li três vezes. É doloroso acostumar-se a isso.

    Não tive o problema da perda de poder, pois sempre fui o Pedro, independentemente de hierarquia. Nunca assinei Pedro da Mesbla, Pedro da Americanas, Pedro da Richards, Pedro da Zara, Pedro do Pão de Açúcar ou Pedro da Azul. Não foi um problema para mim, pode ser para outras pessoas.

    Fiz reservas financeiras pensando na velhice, porque a gente nunca pensa que pode ter um acidente. Mas por acaso fiz uns bons seguros e botei na gaveta.
    Sempre pensamos que jamais vai acontecer.

    Quando acontece, você aprende que há coisas muito piores ao redor. Eu penso: "Pô, tô amarradão, sentindo menos dor. Vou em frente".

    Em maio vou comemorar meu aniversário em Paraty, num barco com amigos. Nem sei como vai ser.

    Velejei a vida toda, mas não sei como o novo Pedro vai se sair nessa. Vou assim mesmo, porque o novo Pedro é isso aqui. Não adianta, tem de tocar a vida.

    Fui para a Bahia no Carnaval e tive a primeira experiência no mar, que me trouxe novas informações para o cérebro e o corpo reconhecerem texturas e temperaturas.

    Quando o vento bate, não sinto uniformemente. O fato é que nessa nova empresa tem de experimentar.

    Em maio de 2012, eu consegui ficar em pé pela primeira vez sem desmaiar, e isso mudou tudo.

    Comecei a bolar uma nova carreira. Nesse tipo de lesão, você não é mais a mesma pessoa, nem será. Terá de dar outra contribuição para a sociedade. Aí veio a ideia de fazer esse livro que acabamos de lançar ["Maestro de Voo - Pedro Janot e Azul - Uma vida em Desafios", por Edvaldo Lima, Editora Manole].

    O futuro é muito interessante. Há muitas oportunidades. Tenho grandes projetos e eles estão se aproximando.

    Folhainvest

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