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    Morre Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, aos 91 anos

    OSCAR PILAGALLO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/11/2014 11h38 Erramos: o texto foi alterado

    O fundador da Casas Bahia, Samuel Klein, morreu na manhã desta quinta-feira (20) aos 91 anos em São Paulo. O empresário estava internado havia 15 dias no Hospital Albert Einstein por insuficiência respiratória.

    O enterro, que ocorreu às 14h, foi restrito para amigos e familiares.

    Nascido em 1923 no vilarejo polonês de Zakilikof, próximo de Lublin, onde cresceu, Samuel Klein teve uma infância de privação numa Europa ainda em reconstrução depois da Primeira Guerra Mundial. Os pais, sem posses, tiveram nove filhos, e Samuel só pôde cursar os primeiros quatro anos do ensino fundamental.

    Com o início da Segunda Guerra, a família judia sofreu com a perseguição nazista. Pouco depois, em 1942, pais e filhos foram presos. A família foi separada. Samuel, o irmão mais novo e o pai foram levados a um campo de trabalho forçado; a mãe e os outros irmãos, encaminhados ao campo de extermínio de Treblinka, onde ela e a maioria deles morreu.

    Samuel esteve dois anos no campo de concentração de Majdanek. Conseguiu fugir em 1944 e, terminado o conflito, passou a morar na Alemanha. Aprendeu o ofício do pai marceneiro, mas logo percebeu que ganharia mais atendendo às necessidades das tropas aliadas: vendia vodca a russos e cigarros a americanos.

    Foi assim que juntou algum dinheiro para deixar a Alemanha, onde não via perspectiva de melhorar de vida. Em 1952, partiu em definitivo, com a mulher, Anna, e um filho de dois anos, Michael. No fim do ano, depois de uma breve experiência fracassada na Bolívia, chegaram ao Brasil. Samuel tinha uma tia no Rio de Janeiro, mas preferiu morar em São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo.

    O dinheiro, cerca de US$ 6 mil, deu para comprar uma casa e uma carroça. O meio de transporte veio junto com um cavalo e, mais importante, com uma lista com 200 fregueses do mascate que passou o negócio adiante.

    Com essa estrutura precária e sem falar português, começou a revender cobertores e toalhas aos nordestinos imigrantes que chegavam aos milhares à região do ABC para trabalhar na nascente indústria automobilística. Foi só em 1957, quando multiplicou por dez a clientela inicial, que Klein decidiu abrir "o primeiro loja", como dizia, trocando o gênero dos substantivos com um sotaque carregado e inconfundível.

    Os fregueses, chamados de "baianos" pelos paulistas, deram o mote para o estabelecimento: Casa Bahia. O singular logo teria que ser corrigido para refletir o número crescente de lojas. Ao longo das décadas seguintes, as Casas Bahia se espalhariam por 15 Estados e mais o DF, somando mais de 500 lojas e cerca de 56 mil colaboradores.

    COMÉRCIO POPULAR

    Samuel Klein se tornou o rei do comércio varejista popular, sobretudo de móveis e de eletrodomésticos, área em que foi líder. A grande maioria dos 15 milhões de clientes que atendia por mês comprava a prazo, pagando carnês. A cadeia se expandiu com mais velocidade a partir do Plano Real, em 1994, que, ao controlar a inflação, aumentou o poder aquisitivo dos clientes em potencial das Casas Bahia. No ano seguinte, sintomaticamente, o grupo de rock Mamonas Assassinas fez enorme sucesso com uma música cujo refrão repetia: "A minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia".

    Samuel Klein acreditava que seus clientes deveriam estar diariamente expostos ao conhecido bordão: "Dedicação total a você". Por isso investia pesadamente em publicidade, algo em torno de 3% do faturamento, o que o colocava com frequência em primeiro lugar no ranking dos anunciantes. No final dos anos 80, teve Pelé como garoto-propaganda.

    Depois da forte expansão nos anos 90, com várias aquisições seguidas, as Casas Bahia, em 2009, já então sob a gestão do primogênito de Samuel Klein, venderam o controle da empresa para o Pão de Açúcar.

    Samuel Klein gostava do mar, de que desfrutava a bordo de um iate de 61 pés. Salvo essa extravagância, era um homem de hábitos simples, que costumava trabalhar de sandálias franciscanas, quando não tinha compromissos fora da empresa. Por mais de cinco décadas, teve dedicação total às Casas Bahia.

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    VEJA FRASES DE SAMUEL KLEIN

    "Acredito no ser humano. Caso contrário, não abriria as portas das minhas lojas todos os dias. O que ajuda a me manter vivo é a confiança que tenho no próximo"

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    "Um bom comerciante só não vai para trás se olhar e seguir sempre em frente. E preciso entender o que o outro precisa para viver. Ganhar e deixar ganhar. O sol nasceu para todos"

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    "Em nossa vida profissional, não podemos falhar. São justamente nossos erros que estragam nossos acertos"

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    "Um mais um é igual a dois. Mas a soma de uma ideia mais uma ideia não são duas ideias, e sim milhares de ideias"

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    "Ontem foi ontem, já passou. Hoje é hoje e é o que nos importa. Amanhã, o futuro, a Deus pertence"

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    "Que país abençoado esse Brasil. O povo também é; pacato e acolhedor. O Brasil é um país que dá oportunidades para quem quer trabalhar e crescer na vida. Cresci junto com o Brasil. Não fiquei parado vendo o país crescer"

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    "De um bom namoro sai um bom casamento. Da boa conversa, sai um bom negócio."

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    "O segredo é comprar bem comprado e vender bem vendido"

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    "A riqueza do pobre é o nome. O crédito é uma ciência humana, não exata. Não importa se o cliente é um faxineiro ou um pedreiro, se ele for bom pagador, a Casas Bahia dará crédito para que ele resgate a cidadania e realize seus sonhos".

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    "Temos que amar o País em que vivemos. A palavra crise não existe no meu dicionário. Eu sempre comprei por 100 e vendi por 200".

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    "Meu lema é confiar. Confiar no freguês, nos fornecedores, nos funcionários, nos amigos e, principalmente, em mim"

    Oscar Pilagallo é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).

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