Da infância eu nem lembro. Pertencia a uma classe social que não era paupérrima, mas não era classe média. Aos 14 anos, repeti de ano e meu pai me colocou para trabalhar e estudar.
Trabalhei numa loja de zíper, depois como contínuo na Philips. Aos 18, fiz estágio na IBM, ganhei uma graninha e fui para a Europa. Voltei diferente. Era a revolução jovem: cabelo comprido e barba. Ganhei apelido de Jesus porque meu segundo nome é Jesus.
Na volta, passei no teste para trabalhar numa empresa, mas me mandaram cortar o cabelo. Fui embora.
Karime Xavier/Folhapress | ||
O empresário Guilherme Jesus Paulus, um dos fundadores da agência de viagens CVC |
Foi quando consegui emprego na Casa Faro Turismo.
Um dia fui acompanhar um grupo numa viagem de navio. Nesse grupo tinha um deputado de Santo André, que estava viajando com a mulher.
Era um navio com muitos europeus. O jantar era cedo, depois tinha um filme francês sem legenda. No segundo dia, estava tedioso. Então inventei de fazer bingo, criei gincanas, brincadeiras...
O deputado voltou encantado do passeio. Dizia: "Quero montar uma agência de viagem em Santo André."
Passa um tempo e ele me liga convidando para trabalhar com ele. Respondi que não, agradeci. Disse que Santo André era longe.
Num outro dia, liga de novo e me chama para conhecer a Assembleia Legislativa. Foi a primeira vez que tomei leite tipo A. Era caro, chique, mais forte, concentrado. Só na Assembleia... Parecia um clube, tinha até engraxate.
No dia seguinte, ele liga outra vez: "Vamos tomar um uísque?" E veio com uma oferta: "Vamos montar a agência: eu, minha esposa e você, com 33% cada um. Você me paga com seu trabalho." Respondi: "Legal."
Eu tinha 23 anos. Minha mãe disse: "É político? Meu filho, você já está empregado. Vai arriscar. Quem é esse homem?" Estava quase noivo e fui falar com a Luiza. E ela: "Está maluco?"
Falei com o dr. Mário, da Casa Faro. Pedi para ele deixar a porta aberta, para eu voltar se desse errado. Mas ele negou. Aí pensei: "Agora estou sem emprego." E liguei para o deputado.
Quando começamos a criar o nome da agência, eu disse ao deputado que eu gostava de sigla e que, dos três sócios, quem era conhecido era ele. Foi deputado, ia ser candidato a prefeito. Então CVC, de Carlos Vicente Cerchiari, ficou legal. Todos nós somos vaidosos, não só o deputado. Ele era um pouquinho mais.
A agência era mais voltada ao mercado corporativo, porque o ABC era rico com a indústria automobilística.
Carlos foi candidato, mas perdeu e entrou em depressão. Depois da eleição, eu disse a ele que a CVC estava cheia de dívidas por causa da campanha e que ficaria difícil vivermos dela.
Mas ele quis que eu ficasse no negócio. Ele falou: "Quando você casou, eu nem dei presente. Vou te dar a CVC de presente!" E eu pensei: "Meu Deus! Como vou explicar isso para a Luiza? Ela, grávida, e eu pego uma agência toda endividada!"
Respondi: "Não precisa, você me deu o colchão!"
Expliquei a ele que as dívidas da CVC eram dele e que eu não podia responder por elas. Acabamos acertando a dívida e eu aceitei ficar. Mas mesmo assim tinha que fazer milagre e começou do nada.
Eu dei sorte. Logo consegui o contrato para fazer uma viagem para a Mercedes, de três ônibus, para o vale do Itajaí. Fiz as mesmas gincanas. Apresentávamos o motorista. Naquela época, não se fazia isso. Era legal porque as pessoas se conheciam.
Me falaram para procurar o departamento de lazer de outras empresas. Fui à Ford.
Comecei a queimar a cabeça! Passeio para onde? Santos? Bertioga? Era difícil brigar com outras empresas que tinham ônibus próprios. Então, fiz o passeio de Barra Bonita com as eclusas do rio Tietê. Tinha almoço a bordo com nhoque frito, delicioso. Todo mundo dançava, ficava alegre. Peguei essa exclusividade e fui inovando no roteiro.
Eu pesquisava e começava a fazer excursão. Eu queria coisa diferente. As pessoas que viajavam comigo pediam mais roteiros: Bahia. Eu pensava: "Mas Bahia de ônibus?"
Depois partimos para o avião. Quase não existia turismo aéreo. Foi Manaus, Buenos Aires... Na Bahia, pedi um pessoal vestido de índio para recepcionar os turistas. Era a época do axé. Porto Seguro virou sucesso.
Também começamos a fazer viagens da terceira idade. Essas velhinhas viajam! Para ver o Roberto Carlos, no Canecão, chegamos a levar 30 ônibus num final de semana.
A CVC cresceu porque tinha viagens para todos os bolsos. Eu calculava que o fim de semana no Rio não podia custar mais do que uma fatia do salário.
Em 2007, criamos o conselho para preparar a sucessão e perpetuar a marca. A venda da CVC para o Carlyle aconteceu em 2010. Sou hoje presidente do conselho da CVC e tenho 25% da companhia.
Agora estou em hotelaria, fundei a GJP [Guilherme Jesus Paulus]. Comecei com dois hotéis e hoje são 13. Até 2015, a meta é ter 19 e chegar ao exterior. É o desafio.