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    Depoimento: fabricar pênis é parecido com fazer pão

    PAULA SPERB
    DE CAXIAS DO SUL

    08/03/2015 02h00

    Depois que me apresentei -"Prazer, Paula"-, fiquei com vergonha dos meus novos colegas. É como se a palavra ganhasse conotação erótica por estarmos em uma fábrica de próteses de pênis e vagina.

    O constrangimento foi substituído pela preocupação em aprender o ofício.

    "Aqui está escrito se é frutado, de morango, maçã verde, uva. Alguns são cor de pele, outros são marrom ou rosinha", explicou-me um funcionário enquanto apontava para a sequência de números e letras que indicavam o que deveria produzir.

    Às 8h40, nossa primeira fornada já estava assando, e uma hora depois estaria pronta para esfriar em um tanque com água.

    O processo é realmente parecido com fazer pão. "Não pode preencher todo o molde, porque, com o calor, cresce", disse o rapaz. A mistura que se transforma em brinquedo erótico e que despejei com cuidado nos moldes pequenos, grandes e muito grandes parece milk-shake.

    Se uma prótese normal permanece 60 minutos no forno, o Big Jow leva uma hora e 20 minutos. Big, como é carinhosamente chamado pelas funcionárias, é o maior pênis fabricado ali, com 3,5 kg, 40 cm de "altura" e 10 cm de diâmetro.

    Os homens não deram muita chance para que eu continuasse o serviço, por isso fui para a área dominada pelas mulheres. Elas retiram imperfeições, limpam e embalam as próteses.

    Senti-me útil. Aquele foi um dia com mais volume de pedidos do que o normal, e a fábrica ganhou o reforço das funcionárias que trabalham com calcinhas comestíveis ou costuram fantasias.

    Retirei sobras de borracha com tesoura, arranquei pintas escuras com alicate e até "cauterizei" imperfeições de centenas de pênis. Também inseri vibradores e colei ventosas. Em alguns poucos, encaixei um tipo de cinto que prende o brinquedo.

    A única coisa que não me arrisquei a fazer, por temer errar, foi emparelhar as bases das próteses para juntá-las com cola e formar um pênis realístico duplo.

    "Rá! Pegou um gatinho preto?", brincou minha colega, enquanto eu passava álcool e secava uma prótese que imita a pele negra. A mesma colega, antes do intervalo para almoço, encostou uma prótese que vibrava no meu braço: "Sente que tentação". Eu ri alto.

    Na pausa para o café, descobri que as minhas colegas usam os produtos que fabricam. Conquistaram recentemente, inclusive, o direito de desconto na folha de pagamento pelas compras.

    Elas usam os vibradores, os géis e até as fantasias. Uma delas tem todos os modelos (como a bombeira, enfermeira e diabinha) e já fez um book de fotografias com elas.

    "Na primeira vez usei a de diabinha, coloquei uma música em inglês e preparei uma iluminação especial enquanto meu marido tomava banho. Quando ele saiu, disse que se ele desse risada seria a última vez. Ele ficou bem louco!", conta uma delas.

    "Nossa vida mudou depois que a sexóloga [contratada pela empresa para fazer palestras pelo país] veio aqui conversar", contou outra.

    O atual objeto de desejo das trabalhadoras -casadas, com idades entre 28 e 48- é a "Ferrari". "Chamamos assim porque é importado e faz tudo. Tem pérolas que giram, um coelhinho que estimula o clitóris e também lá atrás", conta uma delas.

    As próteses são embaladas de acordo com o pedido. As vaginas normalmente são colocadas em caixas. Os pênis podem ser ensacados ou colocados em embalagens personalizadas.

    Meu primeiro puxão de orelha no dia foi enquanto embalava. "A cabecinha tem que ficar sempre para a frente para o cliente ver", explicou-me uma colega.
    Perto das 17h, o clima estava agitado. O fim de expediente daquela sexta estava chegando, e os funcionários pareciam animados. Como em qualquer empresa.

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