O Brasil é exportador líquido de água. Ela não sai do país em granéis líquidos ou contêineres, mas está contida nos grãos, carnes e até nos produtos industrializados que o país vende ao exterior.
O volume de água potável utilizado para produzir um alimento ou mercadoria é conhecido como "pegada da água" ou "pegada hídrica".
Segundo o criador desse conceito, o pesquisador Arjen Hoekstra, da Universidade de Twente, na Holanda, o Brasil é o quinto país com maior exportação líquida de "água virtual", ou seja, incorporada no processo produtivo.
Apesar da atual crise hídrica, Hoekstra diz que o país não deve mudar o seu perfil comercial, mas tornar o uso da água mais eficiente.
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Folha - O que é o conceito da pegada da água?
Arjen Hoekstra - A pegada da água mede a água potável usada para produzir determinado produto. É uma métrica que considera tanto o consumo como a poluição da água utilizada em toda a cadeia de produção. Calculamos o consumo pelo volume de água que evapora ou é incorporado a determinado produto.
Os exportadores de commodities tendem a ser exportadores líquidos de água?
Quando a água é usada para a produção de produtos de exportação, podemos dizer que o país exporta essa água. Falamos de "exportação de água virtual", porque é água virtualmente incorporada nos produtos de exportação.
Como é feito esse cálculo?
Nós quantificamos os fluxos de "água virtual" entre os países ao multiplicar o volume de vendas de determinada mercadoria pela pegada de água dela, no local em que foi produzida.
Calcula-se o fluxo de água virtual do Brasil para a Europa relativo às exportações de soja, por exemplo, com a multiplicação das toneladas exportadas pelo volume de água consumido e poluído no Brasil a cada tonelada de soja produzida no país.
O Brasil é um exportador líquido de água?
O Brasil é um exportador líquido de água virtual. Isso significa que uma grande quantidade de recursos hídricos nacionais são consumidos e poluídos para produzir os itens de exportação. Por outro lado, também é utilizada água em outras partes do mundo para fazer os produtos importados pelo Brasil.
Mas a importação de água virtual é muito pequena em comparação com as exportações. O Brasil ocupa o número 5 na lista de países com maior exportação líquida de água virtual, depois da Índia, Argentina, EUA e Austrália.
Qual é a importância de se olhar o consumo e a demanda globais de água ao formular políticas de gestão hídrica?
Muitos países não têm recursos de água doce o suficiente para produzir seu próprio alimento. Os países do Oriente Médio e Norte da África, por exemplo, importam uma grande quantidade de alimentos e, assim, exteriorizam a sua pegada de água para outras partes do mundo.
Países como China e Índia também estão exteriorizando rapidamente sua demanda por água. A Europa é um caso especial: embora o continente como um todo não seja muito seco, cerca de 40% da pegada de água dos consumidores europeus está fora da Europa. Isso ocorre porque as importações são normalmente mais baratas do que produzir na Europa.
A exportação de água virtual é um problema para o Brasil?
O Brasil é um dos principais fornecedores mundiais de commodities com uso intensivo de água. Isso cria boas oportunidades de exportação para o país, mas também leva a uma pressão crescente sobre os recursos hídricos para produzir as commodities para a exportação.
Isso é sustentável?
É o quadro total de consumo de água e da poluição que não é sustentável. O uso da água para fazer produtos para exportação é parte disso.
A redução das exportações pode ser vista como uma solução para a crise da água?
A primeira coisa a fazer é aumentar a eficiência do uso da água, ou seja, produzir os mesmos alimentos com menos água. Isso pode ser feito com melhor tecnologia de irrigação e boas práticas. A poluição pode ser reduzida com a prática da agricultura orgânica [sem agrotóxicos].
Como esse conceito pode ajudar a gerenciar a crise?
As autoridades devem entender que, em momentos como este, a disponibilidade de água é limitada. Os usuários não devem receber mais água do que é razoavelmente necessário. Com esse propósito, as autoridades devem desenvolver "benchmarks" para a pegada da água de cada tipo de uso, o que deve indicar o uso máximo de água em cada processo produtivo.
As autoridades deveriam indicar um "teto pegada de água" por bacia. Isso significa que o governo não deveria emitir licenças de captação de água além desse limite. A pergunta é: para onde a água deveria ir, se ela é limitada?
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