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    Contra disparidade, negros dos EUA são estimulados a comprar de negros

    TATIANA WALK-MORRIS
    DO "NEW YORK TIMES", EM CHICAGO

    18/11/2015 15h10

    Joshua Lott - 3.nov.2015/The New York Times
    Maggie Anderson, who spent a year buying only from black-owned businesses, in Chicago, Nov. 3, 2015. Blacks spend less money in black-owned businesses than other racial and ethnic groups spend in businesses owned by members of their groups. ÒIf we want to create jobs in the black community, we have to support black businesses,Ó said Anderson. (Joshua Lott/The New York Times)
    Maggie Anderson, que escreveu um livro sobre o ano em que comprou apenas em negócios de negros

    Será que os negros dos Estados Unidos deveriam ser fregueses mais constantes de empresas controladas por negros?

    Maggie Anderson diz que sim. Em 2008, com a economia em meio à sua pior desaceleração desde os anos 30, Anderson solicitou a colaboração do marido e das duas filhas em um plano de um ano de duração para que a família só consumisse produtos e serviços de empresas controladas por negros.

    A jornada se tornou base para "Our Black Year", livro que ela publicou em 2012, e de diversas palestras na conferência TED sobre como aumentar o patrimônio da comunidade negra dos Estados Unidos, e serve de base narrativa à turnê nacional em que ela está envolvida para difundir sua ideia.

    Os negros dos Estados Unidos gastam menos dinheiro adquirindo produtos e serviços de empresas de propriedade negra do que os demais grupos raciais —incluindo hispânicos e asiáticos— fazem com relação às empresas controladas por pessoas de sua etnia.

    Um relatório dos grupos de pesquisa Nielsen e Essence estima que o poder aquisitivo dos negros tenha atingido o US$ 1,13 trilhão nos últimos anos, mas apenas uma pequena fração desse dinheiro é gasta em empresas negras. A menos que os negros dediquem mais atenção a ampliar o patrimônio da comunidade negra, afirmam Anderson e outros, eles sempre ficarão para trás.

    Joshua Lott/The New York Times
    Eugene Mitchell, a corporate vice president and African-American market manager at New York Life, before speaking at Trinity United Church of Christ in Chicago, Nov. 3, 2015. Blacks spend less money in black-owned businesses than other racial and ethnic groups spend in businesses owned by members of their groups. (Joshua Lott/The New York Times)
    Eugene Mitchell, vice-presidente e gerente de marketing para negros da New York Life Insurance

    Para Anderson, comprar de empresas negras criou múltiplos desafios. Ela abastecia o carro em um pasto de gasolina Citgo cujos proprietários eram negros e ficava a 56 quilômetros de distância de sua casa no subúrbio de Oak Park, Illinois.

    Porque isso era inconveniente, começou a adquirir cartões de gasolina em uma loja controlada por negros, e os usava em um posto perto de casa. Encontrar mercearia, banco e outros estabelecimentos com proprietários negros foi mais complicado do que ela imaginava.

    "Quando recordo aquele ano, as distâncias que tive de dirigir nem foram o mais complicado", diz Anderson, advogada que também fez mestrado em administração de empresas. "O mais doloroso era que o West Side e o South Side [bairros de Chicago] costumavam ter muitos donos de empresas como moradores, mas a maior das empresas locais agora têm proprietários de fora da região".

    Críticos do livro de Anderson a acusam de discriminar ao se recusar a comprar em lojas de propriedade de brancos e asiáticos. E há quem argumente que promover que os negros comprem preferencialmente de empresas controladas por negros pode causar mais mal do que bem, se desencorajar os proprietários negros de tentarem atender a todos os consumidores.

    Mas Anderson diz que suas metas são inclusivas, e que ela também buscava encorajar empresas em setores como a moda, entretenimento e bebidas alcoólicas, que lucram com clientes negros, a fazer mais para apoiar as comunidades negras e a realizar mais negócios com fornecedores negros.

    "Quando pensamos sobre diversidade, continuamos a pensar em diversidade em termos de recursos humanos", disse Anderson em uma reunião pública em Chicago, comentando sobre processos de recrutamento para empregos. "Mas não é a diversidade nos recursos humanos que importa; é a diversidade de fornecedores. Se você quer que façamos negócios com você, precisa fazer negócios conosco."

    Ela apontou que as empresas controladas por negros empregam alta porcentagem de pessoal negro, o que multiplica os efeitos de adquirir seus produtos ou serviços.

    "No começo, eu levava para o lado pessoal quando as pessoas nos chamavam de racistas", disse Anderson. Mas "se queremos criar empregos na comunidade negra, temos de apoiar as empresas negras".

    Promover a criação de empregos na comunidade negra é um de seus objetivos. Um estudo pela Escola Kellogg de Administração de Empresas, da Universidade Northwestern, constatou que entre meio milhão e um milhão de empregos poderiam ser criados se os domicílios negros de maior renda orientassem 10% de seu consumo para lojas e outras empresas controladas por negros.

    "Esse milhão de empregos só será criado se a comunidade coletivamente trabalhar para investir porção maior de seu consumo em empresas controladas por negros", disse Anderson na reunião, um dos eventos de sua US$ 50 Billion Empowerment Tour, uma turnê por 20 cidades em companhia de Eugene Mitchell, vice-presidente encarregado do mercado afro-americano na seguradora New York Life. "Há muito que podemos fazer se nos dispusermos a realizar pequenos sacrifícios".

    Mas essa é apenas uma parte do desafio. Ainda que estatísticas demonstrem que a renda e o nível educacional dos negros norte-americanos estejam em alta, o trabalho árduo e a elevação do investimento na comunidade negra não bastará para nivelar o terreno, de acordo com Darrick Hamilton, professor associado de Economia e política urbana e diretor do programa Milano de doutorado na New School, de Nova York.

    A relativa escassez de empresas com proprietários negros deriva em larga medida da falta de patrimônio acumulado ao longo de gerações, e do acesso limitado ao capital, disse Hamilton. "Muitas vezes pensamos na escravidão como o único ponto de partida, quando na verdade foram muitas políticas adotadas depois da Grande Depressão e dos sacrifícios da Segunda Guerra Mundial que criaram uma classe média branca com base em ativos", ele disse.

    "Foram intervenções governamentais que criaram uma classe média branca baseada em ativos", ele afirmou, "e serão necessárias intervenções governamentais para criar uma classe média negra baseada em ativos".

    Constatações do Pew Research Center demonstram que o avanço da renda dos domicílios negros não reduziu a disparidade patrimonial.

    Ainda que o crescimento da renda dos negros tenha superado o dos brancos, o patrimônio líquido médio dos domicílios negros em 2011 era de apenas US$ 6.466, um declínio de quase 10% ante 1984, quando ele era de US$ 7.150 em valores ajustados pela inflação. Em contraste, o patrimônio médio líquido dos brancos, já muito mais alto que o dos negros, subiu em 11%, para US$ 91.405, no mesmo período.

    Em média, o capital investido em empresas representa a segunda maior categoria de ativo para os brancos, depois das residências, mas é a categoria mais baixa entre os negros, respondendo por menos de 4% de seu patrimônio líquido médio.

    Práticas de empréstimo discriminatórias e políticas mal concebidas levaram muitos negros a desconfiar das instituições financeiras convencionais, disse Mitchell. "Por 250 anos, não tivemos oportunidade de criar riqueza; criamos riqueza para os outros", ele disse. "Havia muita desconfiança, muita deseducação."

    Entre os proprietários negros de empresas, gerar capital requer criatividade e iniciativa incomuns. Chris Brown, empreendedor que dirige uma academia de ginástica, um site de criação de camisetas online e um serviço online de aluguel de barcos, disse que comandar múltiplos empreendimentos permitia que ele gerasse renda suficiente para criar seu próprio "banco", ou reserva de capital para investimento, em lugar de ter de buscar recursos em outros lugares. E para buscar sucesso, ele disse que tinha de olhar para além da comunidade negra.

    Brown foi fuzileiro naval e começou com a Boot Camp Guy, uma academia de ginástica no South Side de Chicago. Além de seu serviço militar, Brown atribui sua capacidade de se relacionar com clientes de variadas origens às suas experiências de infância, quando viajou pelo mundo com o pai adotivo, dirigente do Peace Corps, uma organização do governo norte-americano que promove o desenvolvimento em países pobres.

    "Encontrei uma maneira de romper a barreira e as pessoas não pensam em mim como homem negro", disse Brown. "Elas me veem como alguém que viveu em um país muito semelhante culturalmente àqueles que elas talvez conheçam."

    Ainda assim, distorções sutis podem impedir que clientes não negros se tornem frequentadores de empresas negras. Em um estudo de 2010, intitulado "a mão visível: raça e resultados no mercado on-line", anúncios de um iPod novo foram postados online, e os anúncios mostravam as mãos de uma pessoa negra, uma pessoa branca sem tatuagem e uma pessoa branca tatuada segurando o iPod oferecido.

    O estudo constatou que a discriminação era maior em mercados nos quais os moradores brancos e negros viviam geograficamente isolados uns dos outros. Os vendedores negros recebiam ofertas mais baixas, e as respostas a vendedores negros exibiam menor confiança.

    Para as comunidades negras, o apoio dos negros a empresas negras é crítico para sua sobrevivência, diz Veranda Dickens, presidente do conselho do Seaway Bank, sediado em Chicago, fundado em 1965, e hoje o terceiro maior dos bancos negros dos Estados Unidos, atrás do Liberty Bank & Trust e do One United Bank.

    "Essa missão continua tão importante para nós quanto era há 50 anos", disse Dickens.

    Anderson disse que estava desenvolvendo o Maggie's List, um guia online para ajudar consumidores a encontrar empresas controladas por negros, e que espera tê-lo em operação dentro de seis a oito meses.

    Seu ano de consumo negro "foi difícil, porque tentei comprar 100% em empresas negras, mas há pequenas coisas que podemos fazer para aumentar nossos gastos em companhias controladas por negros", disse Anderson. "Depois que você começa, fica mais e mais fácil".


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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