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    Itamaraty quer mudar regra para fazer acordo sem países do Mercosul

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    24/06/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Presidente interino Michel Temer acompanhado do ministro das relações exteriores José Serra
    Presidente interino Michel Temer acompanhado do ministro das relações exteriores José Serra

    O Ministério das Relações Exteriores discute a possibilidade de revogar uma decisão do Mercosul, para permitir que o Brasil possa negociar acordos bilaterais de livre-comércio de forma independente, sem os outros membros do bloco.

    A decisão, de 2000, estabelece o compromisso dos membros do Mercosul de negociar de forma conjunta os acordos comerciais que incluem preferências tarifárias com terceiros países.

    O Brasil, por meio do Mercosul, assinou apenas três acordos bilaterais de livre-comércio –com Egito, Palestina e Israel, o único que está em vigor. O chanceler José Serra defende que o Brasil "flexibilize" o Mercosul para fechar acordos. "Vamos multiplicar desinibidamente os acordos bilaterais", afirmou.

    Existe a percepção de que a negociação com a UE (em discussão desde 1999) não avançou por causa de resistência da Argentina.

    "O ministro intensificou o debate [sobre a decisão 32 do Mercosul, que trata do tema] e a questão adquiriu nova urgência", diz uma fonte envolvida na discussão.

    Os alvos para possíveis acordos bilaterais são Canadá, Japão, Coreia e EFTA (bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).

    Filipe Campoi/Editoria de Arte
    Expansão brasileiraPaís quer fechar acordos para expandir comércio exterior

    Para revogar a decisão 32, é necessária aprovação dos quatro membros plenos do Mercosul. Paraguai e Uruguai são grandes defensores da iniciativa e sempre reivindicaram a possibilidade de fecharem acordos bilaterais de forma independente.

    Na semana passada, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, disse que Uruguai e China "estão trabalhando fortemente" para fechar um acordo de livre-comércio.

    "Nós preferiríamos negociar em conjunto [com o Mercosul], mas temos algumas dificuldades, inclusive porque o Paraguai tem relações diplomáticas com Taiwan."

    Já a Argentina resiste à ideia. Mas, na visão do governo brasileiro, caso o país, Uruguai e Paraguai se unam pela revogação da decisão 32, será politicamente insustentável para a Argentina se opor.

    RESISTÊNCIAS

    Há resistências no Ministério do Desenvolvimento e entre empresários. Caso a decisão seja revogada, outros países do Mercosul também poderão fechar acordos bilaterais de forma independente. Então, por exemplo, a Argentina poderia fechar um acordo com a China e reduzir ou zerar a tarifa para produtos que o Brasil também exporta. Setores como calçadista e de máquinas, grandes exportadores para a Argentina, poderiam perder mercado.

    A Fiesp se opõe à flexibilização do Mercosul. "Diferentemente do governo Kirchner, o novo governo [Mauricio Macri] é tão ambicioso em negociações quanto nós, não há necessidade de flexibilizar o Mercosul, isso vai apenas criar animosidade com a Argentina", diz Thomaz Zanotto, diretor de relações internacionais da Fiesp.

    A Argentina foi um obstáculo em muitos estágios da negociação entre União Europeia e Mercosul, embora, ultimamente, a resistência maior venha de países como Irlanda, França e Polônia, por causa de produtos agrícolas.

    Dentro do Itamaraty, há certo ceticismo sobre a real disposição da Argentina de abrir seu mercado em um momento delicado como o atual, mesmo depois de declarações positivas do presidente Macri

    A CNI (que reúne a indústria) é cautelosa. "É preciso entender exatamente como serão essa flexibilização e os impactos para o futuro da Tarifa Externa Comum, pois hoje ela nos garante uma reserva de mercado", diz o diretor da CNI Carlos Abijaodi.

    Para parte do empresariado, em vez de liberar os países para negociarem acordos individualmente, seria melhor que os membros do Mercosul pudessem negociar em conjunto mas com prazos diferentes para a eliminação de tarifas. "Se mexerem com a Tarifa Externa Comum, acabam com os únicos mercados cativos que temos no mundo", diz uma fonte da indústria.

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    SAÍDA PELO EXTERIOR

    Brasil pretende negociar acordos comerciais bilaterais sozinho, sem os outros parceiros do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai)

    O que o Brasil pretende com essa decisão?

    Ao revogar a decisão 32 do Mercosul, o país poderia negociar sozinho acordos bilaterais que envolvam tarifas, e não em conjunto com o bloco

    Qual a vantagem?

    Teoricamente, o Brasil poderia fechar com mais facilidade acordos comerciais com outros países. As negociações entre Mercosul e União Europeia, por exemplo, se arrastam desde 1999 –demandas do próprio Brasil e da Argentina foram alguns dos motivos para que um acordo ainda não tenha sido fechado

    Qual a desvantagem de negociar separadamente?

    Primeiro porque há uma implicação geopolítica: o Mercosul, com a autorização de acordos fora do bloco, poderia ser esvaziado. Além disso, em conjunto, o Mercosul tem mais força para conseguir suas demandas nas negociações, especialmente os países menores. Outra questão é que o Brasil também poderia ficar enfraquecido comercialmente nos países do Mercosul, onde hoje ainda é muito forte

    Como estão as exportações hoje?

    Elas estão praticamente estáveis em relação às do ano passado (comparando os períodos de janeiro a maio): com queda de 1,6%. Porém, acumulam quatro anos seguidos de declínio. Na comparação com os cinco primeiros meses de 2012, quando as vendas externas atingiram o seu pico, o recuo atual é de 25%

    Mas a culpa não é da China?

    Em parte. Na comparação com o seu auge, em 2014, as exportações brasileiras para a China estão, em valor, 18% menores (período de janeiro a maio). Porém, em relação ao ano passado, elas recuperaram parte das perdas: alta de 14%. Ou seja, o Brasil está diminuindo suas vendas para vários outros mercados (como EUA, Alemanha e Reino Unido)

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