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    Cifras & Letras

    Obra mostra corrida do ouro criada pelo aquecimento global

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/08/2016 02h00

    Quem abre um livro sobre o potencial de negócios da mudança climática global provavelmente espera ler sobre o crescimento das matrizes eólica e solar nos portfólios energéticos da Dinamarca e da Espanha, sobre biocombustíveis de segunda geração (aqueles que almejam transformar celulose em etanol) ou sobre pagamento de serviços ambientais a fazendeiros que deixam a floresta de suas propriedades em pé.

    Essa, ao menos, era a expectativa deste escriba ao começar a leitura de "Caiu do Céu", do jornalista americano McKenzie Funk, lançado pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha. O comentário que fiz a mim mesmo depois de avançar apenas algumas páginas só podia mesmo ser um sonoro "tolinho!".

    Em vez de reproduzir o discurso otimista do tipo "seja um empreendedor inovador e fique milionário salvando o mundo", Funk passou anos rodando o planeta, da Groenlândia ao Sudão do Sul, documentando uma reação muito menos cor-de-rosa das grandes empresas ao desafio representado pelo aquecimento global.

    Poucas vozes ainda têm a temeridade de negar a realidade do fenômeno ou o papel majoritário do ser humano em seu surgimento (apesar da ascensão de Donald Trump na corrida eleitoral americana). Mas a maioria parece ter concluído que o custo das ações mais ousadas contra o problema é alto demais, dado o atual clima (sem trocadilho) político e econômico, e que o melhor a fazer é enxergar oportunidades em meio ao possível caos futuro.

    Como Funk escreve: "Existe outra resposta possível ao derretimento das calotas polares e à elevação do nível do mar –uma resposta tribal, primal, movida pelo lucro, de curto prazo. Cada um por si. Cada negócio por si. Cada país por si".

    Na prática, isso significa que, em vez de apostarem na inevitabilidade da "descarbonização", deixando de ser empresas de petróleo para virar empresas de energia, companhias como a Shell passaram a ficar de olho nas oportunidades de obter petróleo nas águas do Ártico, cada vez mais abertas à navegação internacional e à exploração de recursos minerais graças ao recuo acentuado do gelo marinho.

    Significa que países como a Rússia e o Canadá parecem contentes com a oportunidade de aumentar suas terras aráveis com a chegada de invernos menos rigorosos e que um dos comentários mais significativos do presidente russo, Vladimir Putin, sobre a questão tenha sido: "Bem, pelo menos vamos economizar nos casacos de pele".

    Ou que empresas israelenses especializadas em dessalinização de água estejam conquistando o mercado de neve artificial nos Alpes, cujas geleiras cada vez mais encolhidas são péssima notícia para o turismo de esqui.

    GANHADORES

    Em seu livro, Funk não se limita a conduzir um exercício de demonização de grandes multinacionais ou de nações poderosas.

    A mesma reação –salivar diante da perspectiva de lucros no curto prazo, sem grande preocupação com os estragos futuros– foi constatada pelo autor ao acompanhar a movimentação política da população inuíte (esquimó) nativa da Groenlândia, animada com a chance de bancar sua autonomia em relação ao governo dinamarquês com os royalties da exploração de petróleo e minérios em seu território agora não tão coberto pelas neves eternas.

    A chave para compreender o que está acontecendo, argumenta o autor, é parar de esconder o fato de que, como em quase todos os demais fenômenos da história humana, no caso da mudança climática também haverá ganhadores e perdedores. As consequências não serão apocalípticas para todo o mundo o tempo todo –mas elas tenderão a acirrar desigualdades regionais, um sério problema atual.

    Um dos investidores entrevistados pelo autor nega contribuir para o problema com suas decisões de negócios: "É como se eu tivesse comprado maconha de um cara que comprou de outro cara que comprou de outro cara que comprou de um cara na Guatemala que matou alguém por causa dela", comparou.

    Tradução: "Não é problema meu". Que o leitor julgue se esse tipo de argumento é persuasivo.

    CAIU DO CÉU: O PROMISSOR NEGÓCIO DO AQUECIMENTO GLOBAL
    AUTOR McKenzie Funk; tradução de Pedro Sette-Câmera
    EDITORA Três Estrelas
    QUANTO R$ 47,70 (360 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

    Edição impressa
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