• Mercado

    Sunday, 22-Dec-2024 01:53:23 -03

    Jovens do Vale do Silício usam LSD para aumentar produtividade

    HANNAH KUCHLER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    11/08/2017 16h51

    Reprodução/BBC
    Adeptos das microdoses de drogas costumam tomá-las com o chá matinal
    Adeptos das microdoses de drogas costumam tomá-las com o chá matinal

    Diane não parece ser o tipo de pessoa que drogaria meu chili de vitela. Sentada em um pátio em um restaurante de San Francisco, seus olhos azuis pálidos exibem lucidez, e seu cabelo loiro, sutilmente assimétrico, mostra sinais de uma visita recente ao salão de beleza. Ela usa jeans claros, impecáveis.

    É meio-dia, e me apanho imaginando se ela passou por diversas reuniões produtivas ao longo da manhã, e penso que agora chegou a hora de ela me explicar sobre o app de meditação que preserva sua serenidade.

    "Eu não tomo café. Uso ácido", diz Diane. A declaração de que consome um alucinógeno proibido não desvia sua atenção do taco de salmão que ela está comendo. Diane tem 29 anos e é fundadora de uma startup; começou em janeiro a consumir microdoses de LSD —quantidades minúsculas, em intervalos de alguns dias.

    Porque a dosagem que usa contém apenas um décimo do LSD necessário a uma viagem, ela diz não experimentar efeitos psicodélicos. Em lugar de flutuar em um universo mágico e ver elefantes cor de rosa, ela diz que as microdoses aumentaram sua produtividade e criatividade, e a ajudam a manter o foco. Sob o efeito do LSD, ela é capaz de se concentrar ao desenvolver a estratégia de sua empresa, participar com atenção das reuniões sobre experiências de uso, e de se sair muito bem na obtenção de novos contatos.

    "Quando vou a eventos de networking ou happy hours depois de uma microdose, as conversas que tenho são realmente boas, porque fico mais ligada, me concentro mais no que a pessoa está dizendo. Isso cria conexões mais profundas e me propicia mais empatia, diz Diane.

    Ela é parte de uma nova geração de usuários de LSD que veem a droga como uma forma útil e inofensiva de melhorar suas capacidades, semelhante à meditação ou ao café. Eles planejam meticulosamente seu regime de uso, com doses de entre 10 e 20 microgramas a cada três dias.

    Não há muitas pesquisas sobre o uso de microdoses, e por isso eles acompanham as respostas de seus corpos e mentes à droga, submetem relatórios a pesquisadores e discutem os efeitos com os cerca de 18 mil usuários de microdoses que se comunicam via Reddit.

    Reprodução/BBC
    Britânico diz que uso diário de microdoses de LSD o ajuda com seus problemas mentais, mas ciência ainda não corrobora
    Britânico diz que microdoses de LSD ajuda com problemas mentais, mas ciência ainda não corrobora

    Cinquenta anos depois do Verão do Amor, eles desprezam os "Testes de Ácido" de seus predecessores —na metade dos anos 60, os Merry Pranksters de Ken Kesey tomavam doses imensas de LSD e misturavam a droga a chili de vitela ou a sucos industrializado.

    A nova geração vê esse tipo de atitude como irresponsável e daninha. Afinal, estamos falando de uma geração obcecada por aproveitar ao máximo o tempo, maníaca por organização e que adotou as máximas para uma casa enxuta de Marie Kondo e o ideal de uma caixa de entrada de e-mail com zero mensagens não respondidas, e seus integrantes agora estão recorrendo a drogas psicodélicas para ajudá-los nessas missões.

    "É um sinal dos tempos", disse Diane. "O LSD é uma substância muito flexível. Amplifica o que quer que esteja acontecendo em seu cérebro. E está amplificando o que quer que esteja acontecendo em nossa sociedade. A produtividade nos obceca, e por isso usamos o ácido dessa maneira".

    Os adeptos das microdoses no Vale do Silício querem deixar para trás a notoriedade da droga e tirar vantagem do talento do setor de tecnologia na transformação de hábitos, com o objetivo de tornar o LSD tão aceitável quanto o café.

    HIPPIES

    San Francisco se tornou a capital mundial do ácido nos anos 1960, quando os hippies, inspirados a alterar suas consciências por ensinamentos budistas e dos indígenas americanos, escaparam completamente ao controle. Agora a cidade é o polo do movimento das microdoses, e os trabalhadores da tecnologia estão seguindo o exemplo de Steve Jobs, cofundador da Apple, que disse que LSD foi "uma das duas ou três coisas mais importantes" que fez na vida.

    Embora alguns usuários façam como Jobs e consumam doses plenas, hoje em dia é cada vez mais comum que o LSD seja consumido em doses cujos efeitos são sutis, e não interferem com a vida cotidiana. Diversos dos amigos de Diane aderiram às microdoses, neste ano. Tim Ferriss, investidor em tecnologia e autor de "Four Hour Work Week", disse que quase todos os bilionários que conhece consomem alucinógenos regularmente.

    O "Financial Times" conversou com muitos usuários de microdoses, e todos eles pediram que seus nomes reais não fossem mencionados porque o consumo de LSD é ilegal. Todos são profissionais altamente motivados e a maioria deles trabalha no setor de tecnologia.

    Muitos comandam startups. Todos afirmam usar o LSD como forma de estimular sua produtividade quando estão pressionados, para promover a cascata de ideias que é esperada dos trabalhadores do conhecimento e intensificar seu foco, em um mundo repleto de distrações (a maioria das quais criadas pela tecnologia).

    "Ser presidente-executivo é incrivelmente desgastante, é preciso ser mais que humano", disse Gail, 31, fundadora de uma startup, com quem conversei em um banco do South Park, uma elegante praça de San Francisco que serve como ponto de encontro para os profissionais de capital para empreendimentos. Usar LSD a ajuda a manter a calma.

    "Como empreendedor, você passa o tempo todo sofrendo rejeição dos investidores. Coisas saem errado o tempo todo", ela diz.

    Paul, fundador de uma startup em Nova York, diz que ele e seus funcionários sentiram uma redução no estresse quando começaram a usar microdoses de LSD. Mas ele não tem certeza absoluta quanto ao nexo causal —pode ser que a melhora se deva ao app de gerenciamento de projetos Asana, que eles começaram a usar na mesma época a fim de se manterem organizados.

    Outras pessoas usam LSD para combater problemas de saúde mental como a depressão. Chantelle, 35, empreendedora no ramo da comida, relutava em recorrer a antidepressivos convencionais.

    Em um clube fechado em San Francisco, ela revelou, sussurrando, que sentia um nível "maravilhoso" de conscientização depois de uma microdose —"quase como se eu fosse minha própria terapeuta". Mesmo quando passa diversas semanas sem usar microdoses, seu humor se mantém "extremamente estável". Ela acrescentou que "mesmo quando eu tinha uma crise, durava só cinco minutos. Antes, eu teria de passar dois ou três dias sem sair da cama".

    OUTRAS DROGAS

    O LSD não é a única droga que está ressurgindo. Há estudos para investigar se a psilocibina, ingrediente ativo dos cogumelos mágicos, pode ser usada para aliviar a ansiedade de pacientes terminais, e se a metilenodioximetanfetamina (MDMA) pode ser usada para combater o distúrbio de estresse pós-traumático.

    Alguns trabalhadores do setor de tecnologia estão realizando peregrinações à América do Sul para tomar ayahuasca, uma droga que, além de causar vômito profuso, aparentemente também propicia percepções profundas.

    Reprodução/BBC
    As pessoas que costumam tomar LSD ou cogumelos no café da manhã -
    As pessoas que costumam tomar LSD ou cogumelos no café da manhã

    Muitos dos usuários das microdoses encaram com desaprovação a maneira pela qual os hippies usavam o LSD. Na opinião dessas pessoas, o Verão do Amor na verdade retardou a compreensão da droga, porque poucas pesquisas sobre seus efeitos foram conduzidas desde então. Diane diz que era "eticamente errado" e "uma verdadeira violência" drogar pessoas sem sua permissão, como acontecia em alguns dos testes de ácido. Paul Austin, 26, fundou a organização Third Wave para encorajar a aceitação cultural do uso de drogas psicodélicas.

    A primeira onda de drogas psicodélicas, em sua interpretação, se relaciona ao seu uso tradicional por povos nativos, da Grécia antiga à Índia.

    Depois da segunda onda, nos anos 1960, esse uso foi tornado ilegal, porque os pais entraram em pânico diante das viagens psicodélicas de seus filhos.

    Agora, na terceira onda, ele acredita que o uso de drogas em microdoses possa desfazer os estragos causados pela geração baby boom (americanos nascidos entre 1946 e 1964) e resultar em nova legalização do uso do LSD.

    Molly Maloof, jovem médica que tem muitos executivos do Vale do Silício como pacientes, diz ter observado interesse crescente em "biohacking" —a ideia de que as pessoas podem desenvolver a melhor versão possível delas mesmas por meio de uma combinação de vitaminas, exercícios e drogas. Maloof não tem direito de receitar drogas ilegais, mas aconselha os pacientes adeptos das microdoses sobre como minimizar os danos.

    Ela acredita que o futuro das drogas psicodélicas seja "brilhante" e que elas possam ser legalizadas dentro de cinco a 10 anos. "A geração hippie 2.0 está levando pessoas que estão em busca de seus propósitos e de seu maior potencial a usar LSD, quando antes quem usava ácido só queria enlouquecer e se divertir", ela diz.

    Há 50 anos, Boots Hughston tinha 18 anos e estava perdido. Dirigindo em círculos em torno do Panhandle, um gramado na região de Haight Ashbury, o coração da psicodelia em San Francisco, ele e os amigos estavam procurando o "Human Be In", um evento que estava acontecendo a 1,5 quilômetro dali, no Golden Gate Park. Era o começo de 1967, meses antes que imagens de hippies de San Francisco, usando colares de flores e chapados de LSD enquanto desfrutavam do Verão do Amor, se espalhassem pelo planeta.

    Timothy Leary, o pioneiro das drogas psicodélicas, reuniu milhares de pessoas no evento, com sua hoje famosa recomendação "turn on, tune in, drop out" (faça a cabeça, se ligue, largue tudo). Hughston chegou atrasado, e seguiu a multidão no caminho da praia, ao crepúsculo. Lá, eles fumaram um baseado com Leary, antigo professor de psicologia na Universidade Harvard descrito certa vez pelo presidente Richard Nixon como "o homem mais perigoso dos Estados Unidos".

    "Na época., [Leary] estava alardeando o ácido", Hughston me contou. "Ele disse que aquele era um belo por do sol, muito louco. 'Vocês não percebem que hoje é a única vez que o verão?'" Hughston depois disso usou LSD 20 ou 30 vezes —e aprendeu da maneira mais difícil a importância de medir doses.

    "Em uma dessas ocasiões, tudo estava derretendo ao meu redor", ele diz, descrevendo um show do Grateful Dead em uma véspera de Ano-Novo. "Um dos artistas tinha uma garrafa de vinho, com não sei quantas doses de LSD diluído. As pastilhas de ácido ficavam no fundo da garrafa, e assim, quando virei o vinho, o que bebi foi quase tudo ácido. Fiquei muito mais chapado do que provavelmente deveria... Demorei três, quatro dias, ou uma semana, para me recuperar".

    MUDANÇAS

    A cultura das microdoses atual ilustra de que maneira os moradores de San Francisco trocaram a ideia de largar tudo pela de galgar a hierarquia profissional; uma transformação que deprime os velhos hippies da cidade. Os Diggers, um grupo de artistas performáticos que faziam trabalho assistencial, distribuíam comida gratuita na rua Haight, onde hoje profissionais da tecnologia correm em busca de opções de ações que lhes permitam pagar por torradas de US$ 10 e apartamentos de US$ 1 milhão. Onde as artes, música e moda um dia floresceram, hoje academias de ginástica caríssimas e casas de sucos ecológicas tentam preencher o vazio cultural.

    "Era possível ganhar a vida, trabalhando como artista", disse Hughston. "Nada nos faltava". Os amigos dele dividiam apartamentos pelos quais pagavam US$ 20 ao mês por cabeça, e comiam legumes, frutas e arroz orgânico oferecidos pelos Diggers. "Hoje, o aluguel de um apartamento de um quarto é de US$ 4 mil por mês. É uma loucura, não há como sair e ficar com os amigos, fazer arte. É preciso ganhar a vida, encontrar um emprego que pague bem —e é preciso que você se enquadre".

    Hughston continua a não querer se enquadrar. Ele vem batalhando pelo direito de celebrar o 50º aniversário do Verão do Amor no Golden Gate Park —plano que já foi rejeitado três vezes. Certa manhã de junho, acompanhado por seu séquito de hippies grisalhos, que operam sob o nome de "Conselho da Luz", ele foi à prefeitura de San Francisco para pleitear junto ao departamento de parques o direito de comemorar o apogeu do movimento hippie.

    O departamento afirmou que os planos do grupo eram precários (entre outras objeções, eles planejavam colocar banheiros portáteis em canteiros de flores), embora o grupo tenha organizado shows para comemorar o 40º aniversário do Verão do Amor e o do festival de Woodstock.

    A turma de hippies vê a intransigência do departamento como rejeição aos seus valores, em favor de eventos organizados por grandes empresas. Hughston está convicto de que o responsável pelas licenças "não gosta de eventos hippies".

    "Já organizamos muitos shows e nunca houve problemas, e por isso eles não podem dizer que o evento vai ser um monte de gente chapada em público", ele diz. "Temos 60, 70 e 80 anos —sabemos como comer um brownie de maconha sem que terminemos no hospital".

    Mas a frustração dos hippies vai bem além da efeméride deste ano. Eles se preocupam que a San Francisco que tornaram famosa esteja perdendo seus valores. David Talbot, autor do livro "Season of the Witch" (2012), que relata a revolução de San Francisco nos anos 1960 e 1970, lamenta que a cidade tenha sido conquistada pelo pessoal da tecnologia.

    "A invasão social anterior que a cidade sofreu girava em torno de expandir a ideia de humanidade, de compaixão, das coisas que vieram a se tornar os valores de San Francisco", ele diz. "Agora estamos de volta à corrida do ouro da década de 1840. O que motiva as pessoas é basicamente a cobiça. As pessoas vêm a esta cidade nem tanto por seus ideais —esclarecidos, benévolos e até revolucionários—, mas para enriquecer o mais rápido possível".

    Talbot descreve a cidade como um "playground" para empresas como a Uber e Lyft, cujos carros tomaram as ruas, e para o Airbnb, que está colonizando os bairros. Todo mundo vai dormir às 22h. "Não há coisa alguma de vibrante", diz. "Eles dormem cedo. Só o trabalho importa".

    Hughston abandonou seus planos para uma reunião de antigos líderes hippies no começo de julho. "O evento teria sido algo de que nossa velha cidade se orgulharia", ele escreveu em carta à prefeitura. "Aos olhos do mundo, San Francisco voltaria a parecer a cidade progressista que um dia foi".

    Enquanto os hippies colonizavam o Golden State Park, nos anos 1960, Jim Fadiman era parte de um pequeno grupo de pesquisadores que já estavam estudando de que maneira o LSD poderia ajudar as pessoas a se tornarem mais produtivas.

    Reprodução/BBC
    Universidade britânica investigou uso de cogumelos contra depressão, mas em doses normais
    Universidade britânica investigou uso de cogumelos contra depressão, mas em doses normais

    Em abril deste ano, ele falou diante de 600 espectadores em uma movimentada conferência sobre drogas psicodélicas, na região da baía de San Francisco. Começou perguntando quem entre os espectadores já havia usado microdoses. Muitas mãos se ergueram. Apenas três ou quatro pessoas não haviam experimentando LSD. Leary no passado era descrito como o arauto das drogas psicodélicas.

    Agora, Fadiman é o arauto das microdoses. Ele criou o regime usado por muitos dos adeptos da microdoses —10 microgramas de LSD a cada três dias—, em seu "Psychedelic Explorer's Guide", de 2011. Agora, recebe resultados de pesquisas diárias e relatórios mensais de mais de 1.800 mil usuários de microdoses.

    IMPACTO

    Essas pesquisas são o que temos de mais preciso sobre os efeitos das microdoses de LSD. Fadiman se empolga ao descrever uma longa lista de impactos positivos, incomuns para uma só droga: de eliminar a tendência a procrastinar a facilitar o convívio com dores.

    Mas a escala do estudo é insuficiente, e ele não tem grupo de controle. Fadiman não pode realizar testes comparativos usando um placebo, e não há como determinar a dosagem e potência exata do LSD consumido pelos usuários.

    No começo dos anos 1960, ele trabalhava na Fundação Internacional de Estudo Avançado, com Myron Stolaroff, e pesquisava para determinar se o LSD era capaz de ajudar a gerar novas ideias. Stolaroff, engenheiro da Ampex, uma empresa que produzia gravadores, havia descoberto que o LSD aguçava sua inteligência e o tornava mais inventivo. Mas a Ampex se recusou a incorporar o LSD ao seu processo de design de produtos, e por isso ele saiu da empresa e criou a fundação.

    Entre 1961 e 1965, os dois cientistas conduziram experiências envolvendo centenas de cientistas, pesquisadores, engenheiros e arquitetos, para determinar se eles eram capaz de resolver problemas difíceis sob o efeito da droga.

    Muitos dos participantes jamais haviam ouvido falar de drogas psicodélicas. Foram informados de que havia a chance de "criatividade ampliada", e que o uso era completamente seguro. Eles eram convidados a tomar doses plenas de LSD pela manhã, e em seguida se deitavam e ouviam música.

    "Um arquiteto contou que se conduziu em uma turnê mental de arquitetura. Visitou as pirâmides, a Grande Muralha da China, a Torre Eiffel... ele pôde viajar e contemplar as coisas mais nitidamente do que imaginava possível", diz Fadiman. De tarde, começava o trabalho. "Quando chegou a hora de tocar seu projeto, que era um pequeno shopping center, ele disse que estava muito, muito empolgado com a arquitetura".

    Depois de decepcionar seu cliente durante meses, o arquiteto teve uma visão tão completa do projeto que foi capaz de calcular o número de vagas de estacionamento e o tamanho dos tarugos que fixariam as vigas, reporta Fadiman. E quando ele colocou o projeto no papel, o cliente enfim aprovou.

    Em outros casos, um cientista escreveu um estudo teórico sobre fótons, e um projetista de circuitos para semicondutores disse ser capaz de visualizar a placa de circuito em sua mente, e ver a eletricidade que a percorria, para determinar o que havia de errado em seus planos.

    ILEGALIDADE

    A Fundação Internacional de Estudo Avançado fechou as portas quando o consumo de LSD se tornou ilegal na Califórnia, em 1966, o mesmo ano em que o governo estadual proibiu a fabricação e venda da droga. Dois anos depois, o governo federal dos Estados Unidos também proibiu o LSD.

    John Markoff, antigo correspondente de tecnologia do "New York Times", escreveu sobre as experiências iniciais com LSD em "What the Dormouse Said", seu livro sobre o elo entre a contracultura dos anos 60 e a indústria dos computadores pessoais. Ele encara a história com ceticismo, e não acredita que o LSD fosse uma "pílula mágica" que tenha tornado a era criativa.

    Em lugar disso, acredita que a criatividade se devesse a "viver à beira do caos" dos anos 1960. O Vale do Silício atual está muito longe de qualquer abismo, e ele acredita que já não seja capaz de realizar saltos criativos como os que deu ao criar os blocos básicos da computação. "As coisas são bem chochas hoje", diz Markoff.

    Se o setor de tecnologia sente a necessidade de algo que estimule a criatividade, o que se pode dizer sobre os setores cujos negócios estão sendo desordenados pela tecnologia? Será que os profissionais das finanças poderiam recorrer ao LSD para recuperar o terreno perdido?

    EFEITOS COLATERAIS

    Antes de incluirmos LSD em nosso café da manhã, é preciso que os cientistas aprendam mais sobre a droga. Faz mais de 70 anos que Albert Hofmann, um químico suíço, descobriu por acidente as virtudes psicodélicas do LSD, uma droga desenvolvida com base em compostos encontrados na Claviceps purpurea, uma forma de fungo que ataca o arroz. Mas porque o uso da droga se tornou crime, temos poucos indícios sobre como ela afeta o cérebro, quais são seus efeitos colaterais, e qual é seu potencial de dano em longo prazo.

    A Agência de Combate às Drogas (DEA) americana diz que o LSD tem "forte potencial de abuso", mas não trata especificamente das microdoses. A DEA adverte que o LSD prejudica a capacidade do usuário para realizar julgamentos sensatos, e o torna suscetível a ferimentos. Os usuários podem sofrer de "ansiedade aguda e depressão" nos dias e até meses posteriores ao uso. Os efeitos de doses excessivas incluem psicose e até risco de morte.

    A DrugWise, uma organização sem fins lucrativos britânica que oferece consultoria sobre drogas, diz que não existem provas de overdose de LSD, mas que pessoas podem ter sofrido acidentes fatais quando estavam sob efeito da droga. Também adverte que seu uso pode ter implicações para pessoas com um histórico de problemas de saúde mental.

    O avanço mais significativo para nossa compreensão do LSD veio do primeiro estudo por ressonância magnética sobre cérebros de pessoas que estavam sob o efeito do ácido. O estudo foi comandado pelo professor David Nutt, do Imperial College de Londres, que foi demitido de seu posto como consultor do governo britânico, em 2009, por discordar da política oficial de classificação de drogas.

    O estudo constatou que o LSD torna o cérebro muito mais conectado e flexível, e que o córtex visual se conecta a todas as partes do cérebro. O estudo também mostrou que o fluxo de sangue para "o modo rotineiro de rede" se reduz, o que significa menos atividade na área ativada quando a mente está vagando, sem tarefa, e a pessoa pensa sobre si mesma e seu estado emocional. Barbara Sahakian, professora de neurociência na Universidade de Cambridge, diz que existem indícios que sustentam a asserção dos adeptos das microdoses quanto ao efeito do LSD sobre a criatividade.

    "O LSD em baixa dosagem melhora o humor e a criatividade, primariamente ao imitar os efeitos da serotonina, o composto químico cerebral que regula o nosso humor", diz ela. E seu uso também eleva o nível de glutamatos, que afeta o aprendizado e a memória.

    Reprodução/BBC
    Especialista diz que, sem pesquisas, não é possível saber os possíveis riscos ou benefícios dessa prática
    Especialista diz que, sem pesquisas, não é possível saber riscos ou benefícios dessa prática

    Mas ela alerta contra comprar a droga no mercado negro, já que nesse caso os usuários não terão informações sobre seu grau de concentração ou sobre possíveis misturas.

    Sahakian estuda o impacto das chamadas "drogas inteligentes", como o Modafinil, usado na melhoria de desempenho, e se preocupa por as pessoas estarem recorrendo cada vez mais a drogas para melhorar seu desempenho, dê preferência a estímulos naturais como o exercício. "Qual é a pressão que leva todo mundo a precisar fazer algo assim? As pessoas estão preocupadas com perder seus empregos, preocupadas com a concorrência", ela diz.

    PENA

    Um dos grandes riscos associados ao LSD é o de prisão, claro. Nos Estados Unidos, o LSD é considerado droga perigosa. A posse de LSD em quantidade equivalente a 100 microdoses porta sentença mínima de cinco anos de prisão e multa de até US$ 2 milhões. No Reino Unido, a posse pode resultar em até sete anos de prisão e multa de valor ilimitado. Muitos dos usuários de microdoses com quem conversei obtêm a droga de traficantes que a adquirem diretamente dos químicos que a fabricam. Há quem se arrisque mais e recorra à dark web, encomendando a droga de uma fonte desconhecida, para entrega em casa.

    A cultura do Vale do Silício encoraja a experimentação, mesmo que isso ultrapasse as fronteiras da lei. Os libertários do Vale do Silício veem o processo como parte de sua busca por "liberdade cognitiva". "As empresas mais bem sucedidas, como o Airbnb e a Uber, estão sempre em confronto com as autoridades regulatórias. A sensação por aqui é de que a regulamentação terá de mudar", diz Gail, com otimismo.

    Mesmo que o Vale do Silício torne o LSD culturalmente aceitável, é duvidoso que o presidente Donald Trump, com sua base conservadora, legalize a droga. Como no caso da maconha, pode caber aos Estados promover a legalização, e outros países podem seguir o exemplo de Portugal, onde o uso de drogas não é mais crime.

    Em um abrigo de caça saxão protegido por três fossos, sentei-me a uma mesa de jardim, sob a sombra de uma grande árvore, para conversar com Amanda Feilding. Em Oxfordshire, bem longe do Vale do Silício, a condessa de Wemyss e March estava planejando o futuro das microdoses. Feilding parecia entusiasmada ao me mostrar imagens de um cérebro sob o efeito de LSD —as mesmas imagens que empolgaram muitos adeptos das microdoses com quem conversei em San Francisco.

    Ela apontou para a explosão de cores em um cérebro sob efeito do LSD, em comparação com os trechos alaranjados esparsos em um cérebro sob efeito de um placebo.

    "Há muito mais comunicação", explicou Feilding, 74. "Isso explica porque há mais sentimentos, mais memórias associadas à comunicação, mais riqueza de cores, mais riqueza auditiva, um tipo mais profundo de percepção".
    Feilding vem experimentando maneiras de expandir a consciência desde os 16 anos de idade, quando deixou a escola para estudar misticismo.

    Sua tentativa mais ousada e radical envolveu uma trepanação: abrir um furo em seu próprio crânio. Feilding começou a usar LSD nos anos 1960. Ela descobriu que a droga ajudava sua concentração. Usando doses diárias pesadas, ela leu rapidamente as obras completas de Nietzsche e Freud, "como se estivesse em uma parte mais alta da montanha".

    PESQUISAS

    Desde os anos 1990, Feilding vem trabalhando com cientistas envolvidos em pesquisas sobre drogas, por meio da Fundação Beckley, que ela dirige, e que colaborou com o Nutt, do Imperial College, no estudo do cérebro sob efeito de LSD.

    IStock
    Pesquisadores avançam na investigação sobre uso terapêutico de psicodélicos
    Pesquisadores avançam na investigação sobre uso terapêutico de psicodélicos

    Agora, ela quer liderar um estudo sobre o efeito das microdoses de LSD, de novo trabalhando com Nutt e os colegas dele, e talvez com outras instituições, entre as quais a Universidade de Nova York. Nutt começará em breve o processo de aprovação ética do estudo, no Reino Unido.

    Os participantes farão testes cognitivos usados para identificar depressão e ansiedade, e suas capacidades estratégicas serão testadas por meio do Go, um complexo jogo chinês que o Google está usando para programar inteligência artificial.

    "Será que o LSD poderá elevar capacidades humanas como a criatividade, enquanto a inteligência artificial cuida de tarefas mais robóticas?", perguntei, pensando em outra obsessão do Vale do Silício "Com certeza. Concordo totalmente com isso", ela respondeu.

    Se for possível demonstrar resultados positivos para pacientes de depressão, Feilding gostaria de começar a pressionar pela legalização —e no futuro por acesso regulamentado ao LSD, para usos não médicos. "Perdemos 50 anos porque o uso foi criminalizado. Foi uma reação ignorante e rancorosa, com base não em provas científicas, mas em preconceitos, cobertura noticiosa e histórias falsas", ela diz.

    "Quando por fim chegarmos ao outro lado e o uso for regulamentado, ninguém jamais acreditará que ele um dia foi proibido; será ridículo demais".

    O maior problema para Feilding é o dinheiro. Muitas instituições de pesquisa médica encaram com cautela o financiamento de um estudo sobre os efeitos positivos de drogas ilegais. Testes com drogas ilegais também são mais caros porque sua armazenagem e a forma pela qual são ministradas é rigorosamente controlada.

    Por isso, Feilding está buscando a ajuda do Vale do Silício. Em 2011, sua fundação recebeu uma doação de Sean Parker, criador do Napster e um dos primeiros investidores no Facebook, para seu trabalho quanto à política oficial sobre o uso de drogas (mas não para pesquisas sobre drogas psicodélicas).

    Agora Feilding está criando uma divisão com fins lucrativos em sua fundação. Ela espera que os empreendedores da tecnologia invistam, para fazer o bem e ganhar dinheiro, e acredita que seja possível começar um negócio produzindo "medicamentos maravilhosos de cannabis", e criando clínicas.

    Quando Feilding descreve a ciência por trás do LSD, ela fala como os inventores do Vale do Silício ao descrever seus projetos mais ambiciosos, —carros autoguiados ou viagens espaciais operadas por empresas privadas. Mas as microdoses, ela acredita, podem fazer mais pelo mundo do que muitas tecnologias transformadoras.

    "Uma espécie mais feliz e equilibrada seria um bem maior do que nos levar a Marte", disse Feilding. "Que bem maior pode haver do que tentar solucionar alguns dos problemas da psique humana?"

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024