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    Cifras & Letras

    CRÍTICA

    Autora subestima drama humano da fraude de Madoff

    DANIELLE BRANT
    DE SÃO PAULO

    07/10/2017 02h00

    Timothy A. Clary/AFP
    Bernard Madoff deixa tribunal em Nova York em 2009 antes de ser condenado à prisão
    Bernard Madoff deixa tribunal em Nova York em 2009 antes de ser condenado à prisão

    Contar as histórias e dramas dos envolvidos no maior esquema de pirâmide já registrado no mundo não é tarefa trivial, ainda mais em uma história com elementos dignos de Hollywood.

    Mas haveria espaço para romance, suspense e tragédia nas mais de 500 páginas de "O Mago das Mentiras", livro que narra vida e obra de Bernard Madoff.

    Diana Henriques, que cobriu o escândalo para o jornal "The New York Times", se propõe a destrinchar como a fraude de US$ 65 bilhões tramada por Madoff mudou não só a sua vida, de sua família e de seus amigos –também vítimas do esquema–, mas também alterou a regulação do mercado financeiro dos Estados Unidos.

    O resultado, porém, é irregular. Há mais lacunas do que certezas no livro, que originou a produção homônima da HBO estrelada por Robert De Niro e Michelle Pfeiffer.

    No esquema, o executivo basicamente despia um santo para cobrir outro. Ou seja, depósitos de novos clientes eram usados para remunerar investidores mais antigos, em um estratagema que funciona enquanto houver dinheiro novo entrando.

    Buscando uma explicação mais detalhada, a autora dedica páginas e mais páginas aos fundos que captavam recursos de clientes e a tecnicalidades da farsa do dinheiro que não era aplicado.

    O esforço gera um texto burocrático, cheio de termos de difícil compreensão para o leitor leigo.

    Mesmo assim, a forma exata como as coisas aconteciam é apenas esboçada. O início do esquema, por exemplo, é localizado vagamente em algum ponto entre os anos 80 e começo dos 90.

    VISTA GROSSA

    O golpe funcionou por pelo menos 25 anos antes de ser revelado. Nesse período, Madoff atribuía a baixa volatilidade de seus investimentos e os retornos consistentes, mesmo em períodos de crise, a uma estratégia que não esmiuçava –citava vagamente arbitragem (quando o investidor aproveita diferença de preços de um mesmo ativo em mercados distintos para lucrar) e opções (contratos que dão direito de compra ou venda de um ativo). Também dizia que conseguia "sentir o mercado".

    Henriques aborda, em vários capítulos, episódios que indicavam que algo de incomum acontecia no 17º andar dos escritórios de Madoff, onde era feita a contabilidade e forjados os comprovantes de investimento. Sinais esses ignorados pela SEC (equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira).

    Já em 1992, investidores questionaram o regulador a respeito do fundo "sem riscos" e com juros três vezes maiores que os oferecidos por produtos conservadores nos Estados Unidos. A ação não foi adiante.

    O alerta mais insistente veio de Harry Markopolos. Entre 2000 e 2005, o analista enviou à SEC ao menos três relatórios questionando os retornos oferecidos por Madoff, mas não conseguiu que uma investigação fosse aberta.

    Depois que o esquema veio à tona, a supervisão frouxa da SEC foi exposta e o órgão reforçou seus procedimentos para evitar novos Madoffs.

    A autora relativiza o aparente descaso da SEC, ao indicar que Madoff escapava do escrutínio com a ajuda de dois de seus principais ativos: sua aura de honestidade e a reputação que construiu –ele foi quatro vezes membro do conselho do embrionário mercado eletrônico que se tornaria a Nasdaq (Bolsa de empresas de tecnologia).

    A RUINA

    O fim da fraude foi desencadeado pela crise de 2008, que derrubou mercados, causou estragos nas Bolsas mundiais e aumentou a aversão a risco de investidores. O dinheiro passou a sair dos fundos, sem que novos recursos entrassem. O sistema ruiu.

    Ao ver que não conseguiria manter o esquema, Madoff teria confessado a fraude para o irmão, Peter, e aos dois filhos, Mark e Andrew –que entregaram o pai ao FBI.

    Até que ponto a família desconhecia a pirâmide –o irmão e os filhos trabalhavam com Madoff– fica em aberto.

    Se a autora dedica a maior parte do livro para destrinchar as ramificações do esquema nos Estados Unidos e no mundo, deixa em segundo plano o drama humano de quem viu investimentos da vida inteira virarem pó.

    O suicídio do filho mais velho de Madoff, Mark –que já tinha mudado o nome para Morgan para evitar associação com o pai–, ganha pouco espaço (entre as páginas 407 e 409).

    O Mago das Mentiras
    Diana B. Henriques
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    A impressão que fica é que o livro poderia ter umas cem páginas a menos, ou mais espaço para o leitor conseguir capturar como a fraude de Madoff impactou vidas de famílias inteiras. O fator humano, que é o mais importante nesses episódios, deveria ter mais peso do que questões mais abstratas, como o funcionamento da pirâmide.

    O Mago das Mentiras
    QUANTO: R$ 59,90 (560 PÁGS.)
    AUTOR: DIANA B. HENRIQUES
    EDITORA: RECORD

    Edição impressa
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