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    'PSDB vive síndrome por abstinência de poder', diz economista

    ALEXA SALOMÃO
    EDITORA DE "MERCADO"

    03/12/2017 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros
    O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros

    Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, filiado há mais de 20 anos ao PSDB, existe apenas uma explicação para a posição dúbia que o partido adotou em relação à reforma da Previdência: "O PSDB viveu sem perspectiva de poder por uns 15 anos. Envelheceu. Perdeu lideranças".

    Mendonça de Barros acredita que o resgate da agenda poderá ser feito na campanha eleitoral de 2018, que será marcada pelo debate reformista. "Esta vai ser a campanha da responsabilidade da gestão da economia", diz ele.

    *

    Folha - Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, PSDB é sinônimo de reforma e Estado mínimo. Qual é a explicação para o partido querer enxugar a reforma da Previdência em pontos que favorecem servidores públicos?
    Luiz Carlos Mendonça de Barros - Não tem explicação. Nem me pergunte. Acho que vem da falta de lideranças. O PSDB sempre foi um partido complicado, mas tinha em seus quadros lideranças fortes, consolidadas, históricas. As lideranças agora são esparsas, jovens, cruas. Correntes menores brigam entre si. E houve esses anos todos de PT no governo. O PSDB viveu sem nenhuma perspectiva de poder por uns 15 anos. Envelheceu. Isso enfraquece qualquer partido do mundo. Podemos dizer que a crise que o PSDB sofre é uma espécie de síndrome de abstinência de poder.

    Como o sr. avalia as queixas de colegas economistas de partido, como Edmar Bacha, e a saída de Gustavo Franco?
    Eles representam a PUC do Rio. Têm muita importância na história do pensamento econômico do PSDB, mas sempre tiveram certa rigidez ideológica, um conflito com a dinâmica de partido, que precisa lidar com o dia a dia da política. O Fernando Henrique usou o conflito para extrair uma média em favor do PSDB. Agora é mais difícil.

    Eles também fizeram queixas em relação à atitude com as reformas e a permanência do PSDB na base de um governo com problemas éticos.
    O PSDB já saiu da base do governo.

    Está certo isso?
    Já saiu. A questão ética precisa ser separada. Sempre existiu essa coisa de caixa dois. Foi uma forma de financiar partidos por décadas. O que aconteceu é que isso passou a ser usado para o enriquecimento de partidos e pessoas. Quando o PT começou com isso, não era para ir para o bolso de ninguém. Era para ter um fluxo de recursos e consolidar uma estrutura de poder. Mas, quando você vai da contribuição voltada à atuação partidária para a contribuição voltada à compra de decisões, leis, medidas provisórias, está diante daquela linha sutil e, na hora em que você passou, virou bandido.

    O senador Aécio Neves passou essa linha?
    Infelizmente, acho que sim, se tomarmos como verdade tudo que apareceu. Foi uma decepção. Ele saiu da eleição de 2014 como a grande promessa do partido. Se tudo for verdade, vai pagar. Agora o PSDB precisa seguir adiante. Alckmin traz essa possibilidade. Pode se firmar nesse espaço. Será um desafio para ele, dada a sua característica pessoal de jogar parado -se bem que, agora, ele até se adiantou e fez diferente. Daqui para a frente, precisa se estabelecer como alternativa para unificar o partido e levá-lo a disputar a eleição, trabalhar uma agenda. Se vai ser aceito pelo eleitorado, lá na frente, veremos. Fernando Henrique enfrentou um teste de liderança parecido e conseguiu passar nele com o Plano Real [em 1994].

    Alckmin já adotou discurso ambíguo em relação a reformas e privatizações na pressão da campanha eleitoral. Isso pode se repetir?
    Isso foi lá atrás. Vai rever esse discurso e vai rever porque a sociedade mudou. A maioria é pró-privatização, quer Estado mínimo. As pessoas entendem que é preciso reconstruir as bases da economia em premissas muito diferentes das adotadas pelo PT. E a economia vai ser o tema da próxima eleição. Nosso ministro da Fazenda [Henrique Meirelles] sabe disso. Dizem que onde vai, fala em eleição.

    Há quem critique ministro da Fazenda em campanha, com o argumento de que pode atrair oposição à candidatura e comprometer a aprovação de medidas importantes para a recuperação das contas públicas. Qual a sua opinião?
    Não tem problema nenhum fazer campanha em mandato. Fernando Henrique fez isso. É legítimo. A melhora que vemos nos índices de confiança reflete como Meirelles é visto. As pessoas confiam nele porque tem uma boa equipe econômica. O que precisar ser feito ela fará até onde for possível. Mas Meirelles vai depender de como a recuperação andar lá na frente. Essa recuperação, por ser cíclica, tem características próprias.

    O que é recuperação cíclica?
    É a recuperação que vem depois da uma recessão como a que vimos: a economia cai tanto que, chega uma hora, sobe de qualquer jeito. Mas essa recuperação tem força para ir até um certo ponto. Depois, serão necessárias medidas que resolvam o estrutural, como a Previdência.

    Na sua opinião, a reforma tem condições de ser aprovada?
    Neste ano? Não sei. Ninguém sabe. Normalmente, não se faz uma mudança dessas em fim de mandato, ainda mais em um mandato curto. Uma reforma dessas exige energia política que só um presidente recém-eleito tem. E uma reforma da Previdência não é homogênea. Dá para construir em blocos. Fizeram um diagnóstico fabuloso da Previdência. Todo o mundo sabe o que tem lá. Você pode escolher o menu de mudanças pela força política que tem no Congresso.

    O mercado tem reagido mal à possibilidade de não aprovação agora. Isso não preocupa?
    A gente precisa separar fato de ruído. A Bolsa cai. O dólar sobe. Essa reação é normal. É ruído. Depois se ajeita. Colocaram essa reforma para ser a marca do governo Temer. Mas, se fizer apenas um pedaço agora, tudo bem. Completa lá na frente. Se não fizer, volta à pauta num momento até mais correto. O importante daqui para a frente é garantir a eleição de um presidente que seja comprometido com essa e outras reformas.

    Campanhas têm inauguração de obras, promessas de gastos. Como vai ser o palanque com o Estado sem dinheiro?
    Esta vai ser a campanha da responsabilidade da gestão da economia. O Brasil é um país com um mercado consumidor grande, uma dinâmica econômica forte. Mas não pode ser administrado da forma irresponsável, como fez a Dilma. Eu acho que esse é o discurso, e ele é comum. Vai prevalecer. Abriu-se espaço para o discurso de centro-direita, de responsabilidade, diferente do discurso irresponsável da maioria da esquerda.

    Por que irresponsável?
    Exatamente por não considerar as questões de ordem prática da economia. Acham que tudo é possível. Não entendem que a economia vive de ciclos. Quando o ciclo é positivo, é hora de poupar. A esquerda aproveita esses momentos para gastar mais. Quando vem o período de vacas magras, não só não guardou nada como empenhou o que poderia ter no futuro. Isso é clássico da esquerda.

    Como o sr. vê, então, a liderança de Lula nas pesquisas?
    É uma vantagem. Lula monopoliza o eleitorado de esquerda. Ninguém sabe como vai se desenrolar a candidatura dele, se vai concorrer. Mas, enquanto estiver aí, não nasce grama de esquerda embaixo.
    Jair Bolsonaro faz o mesmo com a direita. A nossa tese é que ele não resiste. Tem se encontrado com vários grupo e decepcionado. Não tem preparo. Não tem estrutura partidária. Agora não faz diferença, mas na campanha faz. Bolsonaro não resiste a um ano de exposição pública. A única coisa que preocupa nele é a atração que exerce sobre os jovens. Isso acontece porque os jovens não viveram a ditadura. Não sabem o que é a extrema direita. Mas a presença de Lula e Bolsonaro na disputa tira muita gente dos extremos e abre espaço para o crescimento de um candidato de centro.

    Há quanto tempo o sr. é filiado ao PSDB?
    Sei lá. Mais de 20 anos. Cheguei a ir para a executiva do partido, mas não fiquei nem quatro meses. Me colocaram para fora porque sou assim, falo o que penso. Mas convivi com muita gente que entende a política, e uma coisa eu aprendi: para os partidos, vale a analogia da escola de samba. Dez minutos antes de entrar na avenida, é uma zorra. Tem um chutando, outro bebendo. Quando vem aquele apito, todo o mundo se arruma e entra na avenida. Sabe que, se não tiver disciplina, não vai para a frente. Vai ser assim com o PSDB na próxima eleição. Agora ele tem expectativa de poder para se reorganizar. E Alckmin está com o apito.

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