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    Bush queria ser libertador, mas acabou marcado por guerras e crise

    MÁRCIA SOMAN MORAES
    da Folha Online

    15/01/2009 06h03

    O presidente americano, George W. Bush, faz nesta quinta-feira o discurso de despedida da Casa Branca. Após oito anos, Bush mantém o bom humor característico, assume alguns dos erros de seu governo, mas parece não perceber o peso de ser o presidente mais impopular da história recente dos Estados Unidos.

    Em sua última entrevista coletiva, na segunda-feira passada (12), Bush afirmou que não vê a hostilidade dos americanos em suas viagens pelo país. Mas as pesquisas de opinião mostram índices recordes de impopularidade do presidente.

    AP-14dez.08
    Bush desvia de sapato lançado por jornalista iraquiano; cena simboliza na impopularidade do republicano após oito anos
    Bush desvia de sapato lançado por jornalista iraquiano; cena simboliza na impopularidade do republicano após oito anos

    Segundo pesquisa do instituto Gallup, realizada entre 9 e 11 de janeiro, apenas 34% dos americanos aprovam o trabalho do republicano em Washington, outros 61% desaprovam. Já uma pesquisa CNN, realizada no fim de dezembro de 2008, indica que 75% dos americanos estão felizes com a saída de Bush e 28% dizem que ele é o pior de todos os tempos.

    "Quando as pessoas chegam perto do presidente, elas acham muito difícil expressar qualquer coisa que não seja cordialidade e respeito. E o pouco que passa pela sua equipe, Bush ignora como poucos presidentes conseguiram", diz Roger Smith, professor de ciência política da Universidade da Pensilvânia.

    Bush afirmou recentemente que quer ser conhecido como "alguém que libertou 50 milhões de pessoas e que ajudou a alcançar a paz; que liderou um esforço para ajudar a combater HIV e malária no continente africano; e que ajudou os idosos a conseguir prescrições de remédios e plano de saúde como parte de um pacote básico". A lista inclui boa parte do que os analistas consideram o legado positivo do governo Bush, mas que não é o suficiente para libertá-lo do estigma de duas guerras e uma crise econômica.

    E, sob estes estigmas, parece fácil resumir o sentimento americano diante do governo Bush. "Fracasso", afirma sucinto Richard Parker, cientista político da Escola de Governo de Harvard. "Ele estabeleceu uma agenda de governo que incluía aumentar a segurança dos americanos no mundo e aumentar a prosperidade americana e não foi bem sucedido em nenhum dos dois."

    Embora haja um senso comum de que a imagem dos ex-presidentes americanos tende a melhorar com a passagem do tempo, Parker diz acreditar que Bush dificilmente passará de um presidente medíocre. "Sua reputação vai melhorar porque não tem como ficar pior. A questão é se vai aumentar o suficiente para torná-lo um presidente medíocre".

    Ironia

    Gary Hershorn19dez.00/Reuters
    Logo após vitória na eleição, Bush caminha ao lado do ex-rival Al Gore; sua popularidade chegaria a 90% em setembro de 2001
    Logo após vitória na eleição, Bush caminha ao lado do ex-rival Al Gore; sua popularidade chegaria a 90% em setembro de 2001

    Mas Bush não foi sempre impopular. Após uma campanha como "conservador com compaixão", Bush foi eleito em 2000 como um candidato de bom humor, conciliador e de posições moderadas em política econômica. E mesmo vencedor em uma eleição marcada pela polêmica da recontagem de votos na Flórida e de acusações de fraude, o republicano contava com cerca de 55% de aprovação poucos meses depois de chegar à Casa Branca.

    "Parece irônico agora, mas Bush era visto como o candidato que iria unir democratas e republicanos no governo e era extremamente popular por seu governo no Texas", lembra Kenneth Kollman, especialista em partidos políticos e campanha eleitoral.

    Em pouco tempo, o republicano viu sua popularidade alcançar níveis ainda mais altos. Ele estava há menos de um ano no poder quando os EUA sofreram os ataques terroristas de 11 de Setembro. Sua reação rápida no combate aos responsáveis levou sua popularidade aos 90%. "Ele foi visto como alguém que agiu com força e cautela na defesa dos americanos", afirma Kollman.

    E foi quando perdeu a cautela e invadiu o Iraque sob o pretexto de haver armas de destruição em massa no país --um de seus erros admitidos que Bush iniciou a decadência de sua popularidade não apenas nos EUA, mas também no cenário internacional.

    Guerra do Iraque

    Larry Downing1ºmai.08/Reuters
    Bush discursa sobre Guerra do Iraque a frente de faixa com frase "Missão Cumprida"; um dos erros admitidos pelo presidente
    Bush discursa sobre Guerra do Iraque a frente de faixa com frase "Missão Cumprida"; um dos erros admitidos pelo presidente

    Em 23 de março de 2003, o Exército da coalizão americana invadiu o Iraque para caçar e destituir Saddam Hussein (1979-2003) em uma empreitada que afastou parceiros dos EUA e fez sua popularidade voltar para cerca de 60%.

    Com o passar dos anos, os americanos se convenciam cada vez mais de que o conflito, que deixou mais de 4.000 soldados americanos mortos e causou um rombo no Orçamento americano, simplesmente não valia o custo de cerca de US$ 1 trilhão.

    Sem apoio popular, Bush perdeu poder dentro do Partido Republicano. Os legisladores se sentiram livres para votar contra as propostas mais moderadas de Bush --e que poderiam recuperar sua imagem--, como a reforma na imigração. "É um ciclo vicioso entre perda de popularidade e de liderança no Congresso. Antes mesmo do final de seu mandato, ele já havia perdido a liderança moral entre seus partidários".

    Katrina

    Lawrence Jackson05set.09/AP
    Bush conversa com casal afetado pela passagem do furacão Katrina; reação lenta prejudicou a popularidade do presidente
    Bush conversa com casal afetado pela passagem do furacão Katrina; reação lenta prejudicou a popularidade do presidente

    Bush sofreu outro forte golpe em sua popularidade após a passagem devastadora do furacão Katrina, no dia 29 de agosto de 2005, pelo sul dos EUA. A devastação nos Estados da Louisiana, Mississippi e Alabama deixou mais de 1.800 mortos e prejuízos de mais de US$ 80 bilhões.

    Em vez da reação rápida e eficaz de 2001, Bush esperou dois dias antes de sobrevoar as zonas afetadas e fez sua primeira visita em terra somente em 2 de setembro de 2005, após dias de imagens na televisão de americanos desesperados, pedindo abrigo, água e alimentos. "Katrina foi a confirmação de que Bush vive numa bolha e simplesmente não entende a gravidade dos eventos e a opinião pública. Ele não diferencia sua banheira transbordando do furacão", avalia Parker.

    Para Kollman, o dano maior à imagem de Bush foi a revelação de que o fracasso no gerenciamento da crise foi resultado também da escolha de Bush de colocar seus aliados políticos mais próximos em cargos de comando, sem que eles tivessem competência para ocupá-los.

    Crise econômica

    Embora tenham marcado a queda de Bush, nem a Guerra do Iraque, nem o furacão Katrina, tiveram o efeito devastador da crise econômica na sua popularidade. A crise financeira --que ganhou proporções globais, agravou a recessão dos EUA e tornou a recuperação econômica muito mais difícil-- foi associada diretamente à desregulamentação excessiva do mercado financeiro defendida pelo presidente.

    Entenda a evolução da crise que afeta os EUA

    Assim como aconteceu com Herbet Hoover (1929-1933), presidente americano durante os anos da Grande Depressão, os americanos personalizaram em Bush a culpa pela queda do nível de vida. "A crise econômica feriu mais pessoas que a guerra ou o Katrina e Bush sofreu as consequências por ter mexido diretamente no bolso dos americanos", avalia Parker.

    Charles Dharapak28mai.08/AP
    Bush mostra seu bom humor em cumprimento informal a um cadete da Força Aérea durante formatura em Colorado Springs, EUA.
    Bush cumprimenta cadete da Força Aérea durante formatura em Colorado Springs, EUA, o bom humor foi o mesmo nos oito anos

    Para Kollman, os americanos esperavam de Bush a mesma firmeza e cautela dos tempos pós-ataques de 11 de Setembro. "Em uma situação que pode levar à crise, o povo americano tende a aprovar medidas de maior intervenção. Bush seguiu o caminho oposto e, mesmo sabendo do prenúncio da crise anos antes, permitiu que o mercado financeiro chegasse ao colapso."

    Com mais cabelos brancos e o mesmo bom humor dos tempos de campanha, Bush disse aos jornalistas que fez o que achava certo e que, de volta ao Texas, poderá se olhar tranquilamente no espelho. "Bush marca o fim de uma era na política americana. Ele será visto como o presidente mal sucedido que abriu espaço para a criação de uma nova era política nos EUA. E, se essa era fracassar, Bush poderá então parecer melhor do que agora", conclui Smith.

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