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    Condoleezza Rice aprovou afogamento simulado de suspeitos, mostra relatório

    colaboração para a Folha Online

    22/04/2009 22h35

    A então conselheira de Segurança Nacional Condoleezza Rice aprovou verbalmente o pedido da CIA para que o suposto terrorista da rede Al Qaeda Abu Zubaydah fosse submetido ao "waterboarding" -- afogamento simulado-- durante interrogatórios, em julho de 2002, revela um relatório do Congresso dos Estados Unidos divulgado nesta quarta-feira. Alguns dias depois da aprovação de Rice, o Departamento de Justiça aprovou a utilização de técnicas duras de interrogatório em um memorando secreto que a administração Obama divulgou na semana passada.

    O papel do então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld para que as técnicas fossem colocadas em prática nas zonas de combate e na base de Guantánamo também é destacado pelo documento de 263 páginas do Comitê de Serviços Armados do Legislativo. O relatório traz novos detalhes sobre o processo que levou à autorização de métodos coercitivos em interrogatórios de suspeitos de integrar a rede terrorista Al Qaeda.

    A participação de Rice, que posteriormente assumiu o cargo de secretária de Estado --responsável pela política externa-- foi detalhada em um relatório divulgado pelo Comitê de Inteligência do Senado. O documento fornece a mais detalhada sequência já disponível sobre o programa de interrogatório com técnicas consideradas formas de tortura pelo atual governo foi concebido e aprovado nos níveis mais elevados da Casa Branca durante o governo de George W. Bush (2001-2009).

    Segundo o novo relato, Rice desempenhou um papel mais importante do que havia admitido no ano passado, em depoimento por escrito ao Comitê de Serviços Armados do Senado.

    O documento mostra também que pontos de vista jurídicos divergentes sobre os métodos severos de interrogatório eram ignorados repetidamente.

    Mas, mesmo com a nova sequência de acontecimentos, ainda está em aberto a questão central sobre quem, dentro do governo Bush, levantou pela primeira vez a ideia de utilizar o waterboarding e outras táticas brutais contra os detidos por terrorismo nos meses que seguiram os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

    A nova sequência de acontecimentos foi revelada um dia depois que o Comitê de Serviços Armados do Senado divulgou um grande relatório detalhando ligações diretas entre o programa de interrogatórios duros da CIA e o abuso de prisioneiros na prisão americana na base de Guantánamo em Cuba, no Afeganistão e na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.

    Segundo o novo documento, que reúne pareceres jurídicos fornecidos pelo governo Bush à CIA, Rice pessoalmente encarregou-se da aprovação do governo ao então diretor da CIA, George Tenet, em julho 2002, para que Zubaydah, considerado então um detido de alto valor, fosse submetido ao waterboarding.

    Em 2008, Rice reconheceu ao Comitê de Serviços Armados do Senado apenas que tinha assistido a reuniões em que o pedido de interrogatório da CIA foi discutido. Ela disse que não se recordava de detalhes. Rice omitiu a sua participação ativa na aprovação do programa, na sua declaração escrita à comissão.

    Um porta-voz de Rice preferiu não comentar as revelações.

    Dias depois que Rice deu o sinal positivo para Tenet, o Departamento de Justiça aprovou a utilização do waterboarding em um memorando secreto de 1° de agosto de 2002. Zubaydah foi submetido ao waterboarding ao menos 83 vezes no mesmo mês.

    Rumsfeld

    A comitê do Congresso diz que "que membros do alto escalão do governo dos EUA solicitaram informação sobre como usar técnicas agressivas, redefiniram a lei para criar a aparência de legalidade e autorizaram sua aplicação aos presos". Entre os implicados está o então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

    Segundo o documento do Senado, o próprio Rumsfeld, aprovou o emprego de técnicas agressivas contra presos em Guantánamo.

    O documento lembra que, em 7 de fevereiro de 2002, George W. Bush assinou um memorando anulando o Artigo 3 do Convenção de Genebra, que se refere ao tratamento de prisioneiros de guerra, em relação a detidos da Al Qaeda e do grupo fundamentalista afegão Taleban.

    O governo classificou-os como "combatentes inimigos" e indicou que não lhes correspondiam as proteções da Convenção de Genebra, dado que não eram membros de organizações militares formais.

    Em dezembro de 2001, mais de um mês antes de Bush assinar este memorando, um escritório jurídico do Departamento de Defesa já havia pedido informação sobre "abuso" de presos à JPRA, agência do Pentágono que treina militares americanos para resistir a técnicas de interrogação ilegalizadas pela Convenção de Genebra.

    Este treino, conhecido como "Sobrevivência, Evasão, Resistência e Escape" (Sere), simula as pressões físicas e psicológicas às quais os soldados podem ser submetidos caso sejam capturados por inimigos que não se ajustam à Convenção de Genebra.

    Essa agência começou seu trabalho em 2002 e o continuou pelos dois anos seguintes.

    O relatório do Congresso também revela que, enquanto o governo preparava o processo legal para autorizar os interrogatórios "coercitivos", treinava agentes da prisão de Guantánamo sobre estas técnicas.

    Depois, os militares americanos na prisão naval de Cuba começaram a elaborar procedimentos operacionais para aplicar as técnicas do Sere nos interrogatórios. A autorização de Rumsfeld também chegou ao conhecimento de agentes no Afeganistão, para onde uma cópia do memorando foi enviada de Guantánamo.

    Ele anulou, em janeiro de 2003, sua decisão sobre Guantánamo, mas o documento seguiu influenciando os interrogatórios, segundo o Congresso.

    Por último, estas práticas passaram do Afeganistão ao Iraque e, com isso, à cadeia de Abu Ghraib, onde soldados americanos foram flagrados praticando maus-tratos contra prisioneiros.

    Pressões

    As duas revelações aconteceram após a liberação pelo governo Obama de memorandos legais internos do governo Bush que justificavam o uso de métodos severos pela CIA, um movimento que disparou reações vigorosas e movimentos de pressão dos lados opostos do espectro ideológico nos EUA.

    Enquanto políticos democratas e setores liberais pressionam o presidente para que leve os responsáveis à Justiça, republicanos, conservadores e membros do governo Bush acusam Obama de colocar em risco a segurança nacional com as revelações e de esconder os resultados positivos para a segurança nacional do uso das técnicas agora consideradas tortura.

    Entre aqueles que criticaram a decisão de Obama de publicar os documentos se encontra o ex-vice-presidente Dick Cheney, que qualificou de "um pouco inquietante" e ressaltou que o atual governo não divulgou outros documentos que mostram "os sucessos desses esforços".

    Cheney, um feroz crítico de Obama, pediu que os documentos sejam divulgados para que "o povo americano possa ver" o que foi conseguido e aprendido.

    O ex-diretor da CIA Michael Hayden acusou o presidente de ter comprometido a segurança nacional, já que, segundo ele, revelou em meio a uma guerra com inimigos dos EUA os limites dos agentes nos interrogatórios.

    Entre os que pedem justiça se encontram a ACLU e outras organizações defensoras de direitos humanos, assim como a ONU. No Congresso, se discute a abertura de uma investigação.

    Com Associated Press e Efe

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