Localizado em uma milenar rota comercial e militar, o Afeganistão foi alvo de invasões de Alexandre, o Grande e Gengis Khan, berço de dinastias fugazes e, embora sem grandes recursos e neutro nas duas guerras mundiais, sofreu campanhas militares das três maiores potências dos últimos 150 anos: o Império Britânico, a União Soviética e os Estados Unidos.
O relevo de montanhas, desertos e estepes e um arraigado sentimento de insubmissão da fragmentada população local foram determinantes para o fracasso de tentativas de dominação estrangeira e, também, um obstáculo para o estabelecimento de governos próprios estáveis.
A mistura de grupos étnicos foi aos poucos amalgamada em uma identidade comum pelo islã e por traços da cultura tribal, especialmente pashtu, em uma dinâmica entre poder central e lealdades regionais que marcou o país nos últimos três séculos e permanece um desafio para a coesão interna e os planos americanos de "construção de nação".
"Morei quatro anos no Afeganistão, durante a guerra civil dos anos 90, em um tempo de violência interna muito maior do que agora, e nunca, nunca, eu ouvi qualquer proposta de divisão do país", conta Alexander Thier, especialista em Afeganistão do Institute of Peace, dos Estados Unidos. "Eles se sentem como afegãos, têm uma unidade."
Esses traços se manifestam, por exemplo, na marcante ausência de ataques com características sectárias entre a população, ao contrário do que acontece no Iraque, ao mesmo tempo em que muitos senhores locais ignoram o frágil governo de Cabul, como fizeram por séculos.
O marco da unidade afegã, após períodos de dominação por persas, árabes, turcos, mongóis e hindus, foi a reunião das tribos pashtus sob Ahmad Shah Durrani (1747-72), que servira de chefe dos guarda-costas ao xá da Pérsia e fundou em 1747 o Império Durrani. Ele expandiu seus domínios até o mar arábico e a Índia. Nas gerações posteriores, a dimensão do império, que passou a ser chamado de Afeganistão (terra dos afeganes, a denominação persa dos pashtus), reduziu-se, em meio a disputas com chefes locais e à pressão dos países vizinhos.
Os britânicos, que colonizavam a Índia (incluindo o atual território do Paquistão), não se interessaram pelo Afeganistão senão como um anteparo para manter o Império Russo distante de seus domínios. Esse foi o motivo para as duas primeiras guerras Anglo-Afegãs (1839-42 e 1878-80), nas quais a resistência da população local ao domínio estrangeiro tornou o custo da ocupação alto demais para o Exército colonial britânico, o que ajudou a forjar a imagem do país como "túmulo dos impérios".
Embora não formalmente colonizado, o país aceitou a tutela britânica em assuntos diplomáticos e assinou um tratado que definiu suas fronteiras com os domínios britânicos --o que dividiu as áreas pashtus--, durante o reinado de Abdel Rahman Khan (1880-1901), que internamente lutou duas dezenas de pequenas guerras para impor seu domínio sobre as diversas regiões do país.
A total independência veio na terceira guerra Anglo-Afegã, em 1919, quando o país assumiu controle sobre a própria política externa.
União Soviética
Enquanto negociava os termos de paz com os britânicos, o rei Amanollah (1919-29) assinou um tratado de amizade com o recém instalado regime bolchevique russo, tornando o Afeganistão um dos primeiros países a reconhecer o governo soviético. Essa circunstância deu início a uma relação de proximidade entre os dois países que teria consequências duradouras.
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O rei Mohammad Zahir Shah (1933-73) manteve o país neutro na Segunda Guerra (1939-45) e tentou fazer o mesmo na Guerra Fria. Tentativas de abertura democrática tiveram oposição nos setores religiosos e conservadores, que apoiaram a subida do general Mohammad Daud Khan, primo e cunhado do rei, ao cargo de primeiro-ministro.
Daud Khan aproximou-se dos soviéticos, conseguindo largos investimentos em infraestrutura, enquanto manteve a porta aberta para a ajuda americana. Conflitos com o Paquistão, referentes à situação dos pashtus que viviam naquele território, levaram o governo paquistanês a fechar a fronteira, aumentando a dependência em relação aos soviéticos e precipitando a queda de Daud Khan.
Uma breve experiência democrática, marcada pela disputa entre partidos comunistas e conservadores religiosos, levou o país a um impasse institucional, e, em 1973, Daud Khan derrubou a monarquia em um golpe com ajuda de militares esquerdistas e assumiu o poder, banindo muitos dos militantes religiosos.
Aos poucos, ele se afastou das políticas de inspiração comunista e buscou aliança com outros países islâmicos, o que levou à sua deposição e assassinato.
Domínio soviético
Os comunistas assumiram o poder tentando convencer a população de que eram verdadeiros muçulmanos e não marionetes da ateia União Soviética, mas o programa de reformas, que incluía reforma agrária e direitos iguais para as mulheres, despertou uma revolta generalizada e aparentemente sem coordenação, que deu início a uma guerra civil.
A União Soviética invadiu o país 1979 para apoiar o regime comunista afegão, em grande parte para não estimular revoltas similares entre a população de suas repúblicas muçulmanas, e para mostrar força no contexto da Guerra Fria.
A invasão com mais de 100 mil homens e pesado equipamento militar acabou se provando insustentável a longo prazo à medida que as forças do governo local se diluíram sem apoio popular e os revoltosos passaram a receber ajuda em dinheiro e armas ao mesmo tempo dos EUA e de países muçulmanos.
O influxo de fiéis muçulmanos de vários países, que se sentiram convocados para uma guerra santa, ajudou a radicalizar as táticas de guerrilha, e a chegada de armamento eficiente contra tanques e helicópteros tornou a pressão insuportável para a União Soviética, que se retirou totalmente em 1989.
A guerra continuou no Afeganistão, contra um remanescente governo comunista, derrubado em 1992 por uma aliança de guerrilheiros mujahedins, que entrou em disputas pelo poder em um país em ruínas.
Taleban
Em 1996, um grupo fundamentalista de estudantes islâmicos, apoiado pelo Paquistão, tomou o poder. O Taleban impôs uma severa observância da lei islâmica, mesclada a tradições tribais, e expandiu seu controle a 90% do país. Apesar de sua violência, o grupo ganhou respeito interno por colocar fim ao caos e foi reconhecido pelos governos da Arábia Saudita, do Paquistão e dos Emirados Árabes Unidos.
A maior parte da comunidade internacional se opôs ao que considerou repetidos desrespeitos aos direitos humanos e ao vilipêndio de bens culturais da humanidade, como a destruição dos Budas de Mamyan, estátuas monumentais de pedra do século 6, dinamitadas em março de 2001.
Seis meses depois, os atentados de 11 de Setembro, que mataram 3.000 pessoas nos EUA, foram atribuídos à rede Al Qaeda, grupo extremista liderado pelo saudita Osama Bin Laden, um bilionário veterano da guerra contra os comunistas, que estava abrigado no Afeganistão.
O Taleban recusou-se a entregá-lo aos EUA e acabou derrubado por uma coalizão internacional liderada pelos americanos, com a ajuda da Aliança do Norte, grupo afegão que reunia muitos veteranos da luta contra os soviéticos.
Uma conferência patrocinada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Bonn em 2001 estabeleceu um processo de reconstrução política, que incluiu a adoção de nova Constituição, uma eleição presidencial em 2004, e da Assembleia Nacional em 2005.
Em dezembro de 2004, o pashtu Hamid Karzai, anteriormente escolhido como presidente interino, tornou-se o primeiro presidente democraticamente eleito do Afeganistão. A Assembleia foi inaugurada em dezembro do ano seguinte.
Depositário de muitas esperanças, Karzai fracassou em expandir o controle do governo para todo o país e enfraqueceu-se em meio a acusações de corrupção, enquanto as plantações de papoula para produção de ópio voltaram ao campo, financiando os insurgentes. Mais uma vez, as forças históricas do Afeganistão tornaram altos os custos de uma ocupação estrangeira e ficaram no caminho de um governo central efetivo.
Após oito anos de invasão, sem conseguir derrotar o Taleban, capturar Bin Laden, ou transferir responsabilidades para o governo local, os americanos decidiram adotar uma nova estratégia, visando a uma abordagem regional, diante de sinais claros de que o Taleban passou a ameaçar tanto o Afeganistão quanto o Paquistão.
O aumento de tropas e a expansão da ajuda para reconstrução no Afeganistão serão acompanhados, de acordo com o plano do governo Obama, de apoio para a formação e treinamento de pessoal civil e militar no Afeganistão e pelo suporte, em dinheiro, treinamento e equipamento, para que o Paquistão destrua os refúgios a partir dos quais o Taleban reagrupou-se e onde, segundo os EUA, ainda pode estar Bin Laden.