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    Há 60 anos, Partido Comunista Chinês vencia Chiang Kai-shek

    da Folha Online

    07/12/2009 12h13

    Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a China foi obrigada a aceitar a entrega de territórios que estavam ocupados pela Alemanha para os japoneses. Estudantes, revoltados com essa situação, criaram em 1921 o PCC (Partido Comunista Chinês) sob influência da Revolução Russa.

    Neste período, o PCC e Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês) eram aliados contra os senhores da guerra e as grandes potências. Em 1927, Chiang Kai-shek assume a liderança do Partido Nacionalista e rompe com essa aliança. Comunistas passam a ser perseguidos e são obrigados a refugiarem-se nos campos, onde dão início a luta armada. Esta guerra civil manteve-se até o início da Segunda Guerra Mundial.

    Andrew Wong/Reuters
    Mao Tsé-tung liderou o exército vermelho que expulsou Chiang Kai-shek da China
    Mao Tsé-tung liderou o exército vermelho que expulsou Chiang Kai-shek da China

    Durante o conflito a aliança foi retomada, e a confiança da população no PCC ascendeu. Com o fim da Guerra, Mao Tsé-tung, liderando o partido vermelho, proclamou a República Popular da China com o apoio da União Soviética.

    No dia 7 de dezembro de 1949, Chiang Kai-shek e suas forças derrotadas são obrigados a refugiar-se na ilha de Formosa, com a proteção naval dos Estados Unidos, e instalando-se no local que daria origem à república de Taiwan.

    A derrota do líder do Kuomintang não encerrou por completo as disputas. Os grandes latifundiários não gostavam da perspectiva divulgada pelos comunistas de ter de entregar suas posses. Por conta disso, muitas disputas foram travadas no interior e membros do PCC peregrinavam em busca desses caudilhos.

    O livro "Cisnes Selvagens" traz um relato das revoluções ocorridas na sociedade chinesa ao longo de três gerações de mulheres. Contado pela mais nova delas, apresenta a condição da mulher neste mundo em transformação e as dificuldades enfrentadas por todo o povo chinês.

    Leia abaixo trecho em que a autora relata a peregrinação de sua mãe pelas províncias chinesas em busca de alimento para a população e os perigos que enfrentou diante dos partidários do Kuomintang.

    *

    Deram à minha mãe um emprego no Departamento de Assuntos Públicos do governo do município de Yibin. Ela passava muito pouco tempo no escritório. A primeira prioridade era alimentar a população - e isso começava a ser difícil.

    O sudoeste era o último reduto da liderança do Kuomintang, e 250 mil soldados achavam-se encalhados em Sichuan quando Chang Kai-chek fugiu da província para Taiwan, em dezembro de 1949. Sichuan era, além disso, um dos poucos lugares onde os comunistas não haviam ocupado os campos antes de tomar as cidades. Unidades do Kuomintang, desorganizadas mas muitas vezes bem armadas, ainda controlavam grande parte da área rural no sul de Sichuan, e a maior parte do abastecimento de alimentos estava nas mãos dos latifundiários pró-Kuomintang. Os comunistas precisavam urgentemente conseguir comida para alimentar as cidades, além de suas próprias forças e o grande número de soldados do Kuomintang que se haviam rendido.

    Divulgação
    História chinesa é contata através da vida das mulheres de uma família
    História chinesa é contata através da vida das mulheres de uma família

    A princípio, mandaram pessoas tentar comprar alimentos. Muitos dos grandes latifundiários tinham tradicionalmente seus exércitos particulares, que agora se juntavam com os bandos dos soldados do Kuomintang. Poucos dias depois da chegada de minha mãe a Yibin, essas forças lançaram um levante geral no sul de Sichuan. Yibin corria o risco de passar fome.

    Os comunistas passaram a enviar equipes armadas, compostas de oficiais escoltados por guardas do exército, para coletar alimentos. Quase todo mundo foi mobilizado. Os escritórios do governo ficaram vazios. De todo o governo municipal de Yibin, só duas mulheres foram deixadas para trás: uma era recepcionista e a outra tinha um bebê recém-nascido.

    Minha mãe saiu em várias dessas expedições, que duravam muitos dias seguidos. Havia treze pessoas em sua equipe: sete civis e seis soldados. O equipamento de minha mãe consistia de um colchão, uma mochila de arroz e uma pesada sombrinha feita de tela pintada com óleo de tung, e tinha de levar tudo nas costas. A equipe caminhava dias e dias por regiões agrestes e pelo que os chineses chamavam de "trilhas tripa de carneiro" - traiçoeiras trilhas nas montanhas, serpeando à beira de profundos precipícios e ravinas. Quando chegavam a uma aldeia, iam aos barracos mais miseráveis e tentavam estabelecer uma relação com os camponeses muito pobres, dizendo-lhes que os comunistas iam dar a pessoas como eles sua própria terra e uma vida feliz, e depois perguntando-lhes que latifundiários tinham arroz estocado. A maioria dos camponeses herdara um medo e uma suspeita tradicionais de qualquer autoridade. Muitos só muito vagamente tinham ouvido falar dos comunistas, e tudo que tinham ouvido era ruim; mas minha mãe, tendo trocado rapidamente seu sotaque nortista por um sotaque local, era muito bem-falante e persuasiva. Explicar a nova política revelou-se o seu forte. Se a equipe conseguia obter informações sobre os latifundiários, tentava convencê-los a vender em pontos de coleta designados, onde seriam pagos contra-entrega. Alguns tinham medo e entregavam sem muita confusão. Outros informavam o paradeiro da equipe a um dos bandos armados. Minha mãe e seus camaradas foram alvejados muitas vezes, e passavam toda a noite em alerta, às vezes tendo de mudar-se de um lugar para outro a fim de evitar ataques.

    A princípio ficavam com camponeses pobres. Mas quando os bandidos descobriam que alguém os tinha ajudado, matavam a família inteira. Após vários massacres, a equipe decidiu que não podia pôr em perigo a vida de pessoas inocentes. Por isso dormiam ao ar livre, ou em templos abandonados.

    Em sua terceira expedição, minha mãe começou a vomitar e a ter ataques de tontura. Estava grávida de novo. Voltou para Yibin exausta e desesperada por um descanso, mas sua equipe teve de partir imediatamente em outra expedição. Não ficara claro o que uma mulher grávida podia fazer, e ela se viu dividida entre ir ou não. Queria ir, e o clima da época era muito de auto-sacrifício; considerava-se vergonhoso alguém se queixar de qualquer coisa. Mas ela estava assustada pela lembrança do aborto apenas cinco meses antes, e pela idéia de sofrer outro no meio do agreste, onde não havia médicos nem transporte. Além disso, as expedições envolviam batalhas quase diárias com os bandidos, e era importante poder correr - e depressa. Até andar a deixava tonta.

    Contudo, decidiu ir. Ia outra jovem que também estava grávida. Uma tarde, a equipe instalou-se para almoçar num pátio deserto. Presumiram que o dono da casa tinha fugido, provavelmente deles. Os muros de barro, que chegavam à altura dos ombros e contornavam o pátio coberto de mato, haviam desmoronado em vários pontos. O portão de madeira, aberto, rangia à brisa da primavera. O cozinheiro deles preparava o arroz da equipe numa cozinha abandonada, quando apareceu um homem de meia-idade. Parecia camponês: usava sandálias de palha e calças frouxas, com um grande pedaço de pano, parecendo um avental, enfiado num lado da faixa de algodão da cintura, e tinha um turbante branco sujo na cabeça. Disse-lhes que um bando de homens pertencentes a um notório grupo de bandidos conhecidos como a Brigada do Montante dirigia-se para ali, e estavam especialmente interessados em capturar minha mãe e a outra mulher da equipe, porque sabiam que elas eram esposas de altas autoridades comunistas.

    Esse homem não era um camponês comum. Sob o Kuomintang, tinha sido o potentado da sede do município, que dominava vários outros vilarejos, inclusive aquele. A Brigada do Montante tentara obter sua cooperação, como fazia com todos os antigos homens e latifundiários do Kuomintang. Ele se juntara à Brigada, mas queria manter abertas as suas opções, e estava avisando os comunistas para comprar segurança. Disse-lhes que a melhor saída era fugir.

    A equipe saltou e correu imediatamente. Mas minha mãe e a outra mulher não podiam se deslocar muito depressa, por isso o potentado levou-as por uma brecha no muro e ajudou-as a esconder-se num monte de feno próximo. O cozinheiro demorou-se na cozinha, embrulhando o arroz cozido e jogando água fria no wok, para esfriá-lo e poder levá-lo consigo. Arroz e wok eram preciosos demais para ser abandonados; era difícil obter um wok de ferro, sobretudo em tempo de guerra. Dois dos soldados focaram na cozinha ajudando-o e tentando apressá-lo. Finalmente o cozinheiro pegou o arroz e o wok e os três saíram correndo pela porta dos fundos. Mas os bandidos já entravam pela porta da frente, e alcançaram-nos após alguns metros. Caíram sobre eles e os esfaquearam até a morte. O bando não tinha muitas armas de fogo nem munição para atirar no resto da equipe, que eles podiam ver não muito longe. Não descobriram minha mãe e a outra mulher no monte de feno.

    Não muito depois o bando foi capturado, junto com o caudilho. Ele era ao mesmo tempo chefe do bando e uma das "serpentes em suas velhas tocas", o que o tornava candidato à execução. Mas tinha avisado a equipe e salvo a vida das duas mulheres. Na época, as sentenças de morte tinham de ser endossadas por um conselho de revisão composto por três homens. Acontece que o presidente do tribunal era meu pai. O segundo membro era o marido da outra grávida, e o terceiro o chefe de polícia local.

    O tribunal dividiu-se em dois a um. O marido da outra mulher votou que poupassem a vida do caudilho. Meu pai e o chefe de polícia votaram que se mantivesse a pena de morte. Minha mãe solicitou ao tribunal que deixasse o homem viver, mas meu pai se manteve inflexível. Era exatamente com isso que o homem contava, ele disse à minha mãe: escolhera aquela equipe em particular pois sabia que dela faziam parte as esposas de duas autoridades importantes. "Ele tem muito sangue nas mãos", disse meu pai. O marido da outra mulher discordou veementemente. "Mas", reagiu meu pai, esmurrando a mesa, "não podemos ser clementes, precisamente porque nossas esposas estão envolvidas. Se deixássemos sentimentos pessoais influenciarem, qual seria a diferença entre a nova China e a velha?" O caudilho foi executado.

    Cisnes Selvagens
    Autora: Jung Chang
    Editora: Companhia das letras
    Páginas: 648
    Quanto: R$ 32,00
    Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

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