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    Escombros do terremoto viram moeda de sobrevivência no Haiti

    NATUZA NERY
    da Reuters, em Porto Príncipe (Haiti)

    21/01/2010 09h59

    As vendas de caixões aumentaram muito no Haiti, mas Yvon Louchart passou a cobrar mais barato desde o terremoto de magnitude 7 que matou alguns de seus amigos e familiares, no último dia 12 de janeiro.

    Como o dinheiro, gourde ou dólar, sumiu de circulação imediatamente após o tremor que atingiu mais de 3 milhões de pessoas, o dono da marcenaria FYB Enterprise alterou rapidamente a natureza de seu trabalho.

    Trocou a fabricação e reforma de móveis --foco de suas encomendas mensais-- para se dedicar exclusivamente à confecção de ataúdes.

    Antes do sismo, vendia um caixão a 2 mil dólares haitianos, o equivalente a US$ 400. Depois do desastre, reduziu o preço à metade. A depender das dificuldades do cliente, chega a cobrar 200 dólares locais (US$ 50). Essa é sua maneira de ajudar e, ao mesmo tempo, refazer a vida financeira.

    "Como as pessoas não têm dinheiro, vendo por qualquer preço", afirmou o comerciante.

    Nos últimos dias, ficou comum ver homens carregando urnas funerárias sobre a cabeça. O terremoto elevou os já estratosféricos índices de desemprego. Na capital e nas cidades do interior mais próximas a Porto Príncipe, cada um se vira como pode.

    Os escombros agora são produtos comerciáveis. A madeira e as vigas de aço das casas destruídas transformaram-se em matéria-prima da catástrofe. Pessoas roubam material dos escombros para vendê-lo ao ferro-velho. Mais tarde, serão revendidos à população para que reconstrua seus imóveis.

    Um grupo de homens que arrancava as vigas de um prédio desmoronado contou que recebe o equivalente a R$ 15, divido entre seis ou sete colegas, para vender aos ferros-velhos na região metropolitana de Porto Príncipe.

    Depois de um dia inteiro separando o concreto das vigas com ferramentas caseiras, colocam o material em caçambas e andam sob um sol escaldante por mais de 20 quilômetros. A sucata dá lucro.

    Nas feiras livres, há um aglomerado de comida e lixo a céu aberto, desabrigados compram esteios arrancados de árvores para elevar suas tendas no meio da rua. Fazem isso usando lençol e toda qualidade de plástico que sobrou o terremoto.

    Produtos inflacionados

    A escassa gasolina passou a ser vendida no mercado paralelo a preços 200 % mais caros que antes do terremoto. Donos de caminhonetes que transportam a população --as famosas tap-taps-- deixaram de conduzir passageiros por centavos de dólar para faturar com a venda de galões de combustível.

    Nos postos, o preço quase não aumentou, mas conseguir abastecer é um desafio para quem não tem dinheiro sobrando. Muitos recorrem à propina para furar a fila. Com isso, o litro, que sairia em tempos normais por R$ 0,40, chega a custar R$ 2.

    Como boa parte dos haitianos arranha bem o inglês e o espanhol, o mercado da catástrofe inclui também o serviço de guia. Jornalistas do mundo inteiro que vieram cobrir o tremor de magnitude 7 se utilizaram desses serviços em suas coberturas. Pagam em média US$ 10 por ele. Se o guia tiver carro, o valor sobe para US$ 50, às vezes o triplo disso. De moto, é barato, mas também mais perigoso.

    Enquanto poucos têm sorte, a maioria depende da ajuda humanitária para sobreviver.

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