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    EUA viam Nelson Jobim como um aliado em contraposição ao Itamaraty; leia telegrama

    DE SÃO PAULO

    30/11/2010 22h00

    Telegramas confidenciais de diplomatas dos EUA indicam que o governo daquele país considera o Ministério das Relações Exteriores do Brasil como um adversário que adota uma "inclinação antinorte-americana".

    Esses mesmos documentos mostram que os EUA enxergam o ministro da Defesa, Nelson Jobim, como um aliado em contraposição ao quase inimigo Itamaraty. Mantido no cargo no governo de Dilma Rousseff, o ministro é elogiado e descrito como "talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil".

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    A Folha leu com exclusividade seis telegramas de um lote de 1.947 documentos elaborados pela Embaixada dos EUA em Brasília, sobretudo na última década. Os despachos foram obtidos pela organização não governamental WikiLeaks.

    Veja um destes telegramas traduzido

    147944 3/31/2008 18h43 08BRASILIA429 Embaixada Brasília CONFIDENCIAL

    C O N F I D E N C I A L SEÇÃO 01 DE 02 BRASILIA 000429 SIPDIS SIPDIS DEPARTAMENTO PARA WHA E PM E.O. 12958: DECL: 03/26/2018 TAGS: PREL, BR, MARR, OVIP

    ASSUNTO: REFLEXÕES SOBRE A VISITA DO MINISTRO DA DEFESA JOBIM A WASHINGTON

    REF: A. A) BRASILIA 236 B. B) OSD RELATÓRIO DTG 251847Z MAR 08 C. C) BRASILIA 175
    Classificado por: Embaixador Clifford Sobel. Razão: 1.5 d

    1. (C) SUMÁRIO: A visita do ministro da Defesa Jobim a Washington entre 18 e 21 de março focalizou os esforços do Brasil para modernizar suas instituições de defesa e também possíveis vias de cooperação bilateral, tendo identificado várias áreas para trabalho futuro, particularmente completar o Acordo Geral sobre Segurança da Informação (GSOIA) e um possível Diálogo de Segurança de Tecnologia da Defesa. Jobim também aproveitou a visita para argumentar que o Brasil busca uma modernização da defesa que beneficie suas indústrias nacionais, ao mesmo tempo mantendo aberta a possibilidade de comprar aeronaves de combate dos EUA. A cobertura brasileira da visita, contudo, vem em grande medida ignorando as reais possibilidades de cooperação e focando a defesa feita por Jobim de um Conselho de Defesa Sul-Americano (SADC). Em reuniões com os secretários Rice e Gates e o assessor de Segurança Nacional SIPDIS Hadley, Jobim permaneceu cauteloso em relação ao incremento da cooperação bilateral na defesa, refletindo a abordagem mais negativa do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que buscou encurtar a visita de Jobim e inibir o diálogo EUA-Brasil sobre questões de defesa. Embora existam boas perspectivas de aprimorar nosso relacionamento de defesa com o Brasil, a obstrução feita pelo MRE vai continuar a ser um problema. Nossas melhores opções para obter avanços serão completar o GSOIA (ao qual o MRE não faz objeções), buscar oportunidades para ressaltar que o Brasil terá o mesmo acesso à tecnologia militar americana quanto têm outras nações amigáveis, e procurar conseguir apoio no alto escalão do governo brasileiro para o Acordo de Cooperação na Defesa (DCA), que permitiria que o Ministério da Defesa buscasse a cooperação com as forças militares dos EUA sem o atual veto do MRE. FIM DO SUMÁRIO.

    2. (C) Conforme o relatado na ref b, a visita a Washington feita pelo ministro brasileiro da Defesa Nelson Jobim focou os esforços do Brasil para modernizar suas instituições de defesa e as possibilidades de cooperação bilateral. Saindo das reuniões com Jobim, a Missão identificou várias prioridades para o relacionamento bilateral de defesa, incluindo o DCA, o GSOIA, o Diálogo de Segurança de Tecnologia de Defesa, uma possível visita de representantes científicos da Força Aérea e um engajamento mais estreito em questões conjuntas. Contudo, Jobim não expressou otimismo quanto ao DCA, apesar de o Ministério da Defesa ter aprovado a versão preliminar atual do texto. A versão preliminar atual do DCA está com o MRE, que não parece ter pressa de tomar uma atitude em relação a isso. Em separado, o assessor militar político do MRE Marcos Pinta Gama expressou a opinião de que o DCA vai exigir intervenções de alto nível e deve ser possível de ser acordado em uma reunião futura em nível ministerial. Com relação à modernização da defesa, a mensagem de Jobim foi clara: a prioridade do Brasil será beneficiar suas indústrias de defesa domésticas. As aquisições feitas de fornecedores dos EUA serão mais competitivas quando possibilitarem a produção brasileira de sistemas militares futuros. Jobim compreende a necessidade de melhorar as capacidades militares do Brasil, mas vai procurar fazê-lo dentro do contexto da produção doméstica independente.

    3. (C) A apresentação sobre o F35 feita pela Força Aérea causou boa impressão à delegação brasileira, tanto com relação às capacidades da aeronave quanto à abordagem cooperativa que está sendo adotada em sua produção. Mas Jobim manifestou reservas quanto ao custo do avião e o grau em que indústrias brasileiras se beneficiariam. Isto será o fator determinante para o Brasil. Se houver uma possibilidade de integração com equipamentos ou armas de fabricação brasileira, o F35 será um dos candidatos favoritos a ser o caça de próxima geração do Brasil. Pinta Gama destacou que o Brasil não vai tomar uma decisão a esse respeito imediatamente, mas dentro do contexto das exigências decorrente do Plano de Modernização da Defesa, a ser concluído em setembro. Ao mesmo tempo, ele expressou uma falta de confiança na liderança do ministro do Planejamento Unger no planejamento de defesa, indicando que Jobim faria melhor.

    4. (C) A cobertura brasileira da visita focou a defesa feita por Jobim do proposto SADC, baseada na premissa de que os EUA se oporiam a tal organização. A Folha de S. Paulo comentou que o SADC não faz sentido, já que seu objetivo parece ser excluir os EUA. Membros de nível profissional da equipe brasileira que acompanhou Jobim expressaram surpresa pelo fato de a reação dos EUA à proposta do SADC ser positiva, devido a uma divergência de visões quanto ao que o SADC poderia fazer. Enquanto os EUA veem o SADC como maneira de aprimorar a cooperação militar sul-americana e facilitar a manutenção da paz, seguindo o molde da União Africana, os brasileiros enxergam seu valor mais em termos de reforçar a liderança brasileira, moderar o presidente venezuelano Chávez e facilitar a produção militar comum (principalmente no Brasil).

    5. (C) Enquanto a visita de Jobim serviu para esclarecer as perspectivas de cooperação militar futura EUA-Brasil, Jobim se manteve reservado sobre esse assunto. Embora tenha dito ao secretário da Defesa Gates que queria fortalecer o relacionamento de defesa, ele também se ateve a argumentos um tanto quanto gastos sobre o porquê de os EUA dificultarem isso. Ele reapresentou a queixa de que a recusa dos EUA em permitir que o avião Super Tucano a ser vendido à Venezuela contivesse componentes de origem americana levou Chávez a comprar caças russos muito mais high-tech. Em suas declarações públicas no CSIS, Jobim evitou tratar da cooperação na defesa e se ateve à história recente e à proposta do SADC. É provável que, se estivesse sozinho, Jobim teria falado mais abertamente sobre a cooperação na defesa, mas que estivesse um tanto quanto constrito pelo MRE (que enviou um 'controlador' para acompanhá-lo na visita). Como Jobim disse ao embaixador Sobel em fevereiro (ref a), ele impulsionou o SOFA Brasil-França, passando por cima das objeções do MRE. Em consequência disso, o MRE está ficando mais atento para Jobim, conforme pôde ser visto pela demora da embaixada brasileira em programar a visita de Jobim. Enquanto Jobim dizia ao embaixador Sobel que queria uma programação completa, incluindo a visita a Norfolk e encontros com representantes de indústrias de defesa americanas, a embaixada brasileira em Washington nos dizia que a visita seria encurtada. O chefe-de-gabinete de Jobim, Murilo Barboza, disse a funcionários da embaixada que a embaixada brasileira tinha feito várias tentativas de mudar a programação do ministro em favor de uma visita mais curta e menos substantiva.

    6. (C) COMENTÁRIO DA EMBAIXADA: Em vista da resistência do MRE ao desenvolvimento do relacionamento bilateral de defesa, a maneira mais eficaz de avançar será colher os frutos dos galhos inferiores da árvore, ou seja, avançar com as áreas de cooperação que o MRE se dispõe a apoiar. Especificamente, um GSOIA e o início de um Diálogo sobre a Segurança da Tecnologia de Defesa devem constituir os primeiros passos. Os brasileiros estão interessados no Diálogo de Segurança como maneira de melhorar sua eficácia em conseguir acesso à tecnologia americana por meio de obediência melhor às normas de controle de exportação americanas. Ao mesmo tempo em que avançamos nessas questões, devemos também continuar a incentivar o completamento do DCA, buscando oportunidades de apresentar os argumentos em favor disso junto ao alto escalão. A principal vantagem do DCA será permitir que o Ministério da Defesa e o Departamento de Defesa trabalhem juntos sobre protocolos suplementares que possam aprimorar a cooperação já boa ao nível das forças, sem precisar recorrer a aprovações pontuais do MRE em cada caso. FIM DO COMENTÁRIO. SOBEL

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