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    Paquistão financia atividades do Taleban

    IGOR GIELOW
    ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

    05/09/2011 18h07

    Membros do serviço secreto do Paquistão são os principais financiadores de atividades do Taleban no Afeganistão, pagando salários e bônus de quase R$ 1.300 para os comandantes locais em caso de ataques espetaculares bem-sucedidos.

    A acusação é corrente entre políticos e analistas ocidentais e afegãos, e sempre negada de maneira não muito enfática em Islamabad. Mas a Folha a ouviu na fonte, entrevistando dois comandantes talebans que se entregaram no leste do Afeganistão no fim de julho.

    "Recebi US$ 800 (R$ 1.280) após destruirmos quatro caminhões-tanque que levavam combustível para os americanos. O pagamento meu superior, o mulá Hazrat, pegou com o ISI em Peshawar", disse Ali Shawali, 40.

    ISI é a sigla do principal serviço secreto paquistanês, e Peshawar é a principal cidade das áreas tribais do país vizinho.

    Shawali e Yari Mohammad, 35, entregaram-se às forças do governo em Saroubi, vila estratégica que fica entre Cabul e Jalalabad, maior cidade do leste afegão. O local ganhou notoriedade em 2001, quando quatro jornalistas que viajavam para escrever sobre a queda do Taleban do poder foram mortos lá.

    "Eu me uni ao Taleban há três anos porque era contra os americanos, e eles pagam bem. Mas, quando meu superior nos mandou destruir um hospital, achei que havia algo de errado", conta Mohammad, que tem os olhos azuis típicos de sua etnia, a pashai, da região de Langham.

    REMUNERAÇÃO

    De fato, o salário do Taleban é tentador para os padrões locais. Enquanto um governador de província ganha US$ 130 (R$ 208) mensais, cada insurgente leva US$ 320 (R$ 512).
    "Era um agente que dava ao meu chefe, mas não sei se essa pessoa tinha ordens de Islamabad", conta, reforçando a visão de que o ISI não é monolítico, dificultando o indiciamento puro e simples de sua liderança, como fazem analistas ocidentais.

    Mohammad entregou-se em Usbin com 23 de seus soldados ao chefe da shura (conselho) dos pashais, xeque Shahzad.

    Cada um recebeu 9.000 afeganis (R$ 306) e eles estão hospedados em duas construções rudimentares de alvenaria em Saroubi, impregnadas de cheiro nauseante de lixo, mas com vista para um lago formado pelo rio Cabul.

    O comandante Shawali, por sua vez, depôs armas com oito subordinados da sua tribo pashtun da região de Lakhman. "Há uns dois meses, o Exército paquistanês atacou posições nossas, aí desistimos."

    Shawali não desconsidera tentar voltar ao Taleban ou a seu antigo grupo, o Hizb-i-Islami do "senhor da guerra" Gulbuddin Hekmatiar.

    "Olhe à sua volta. Até a semana passada nem luz a gente tinha na casa. Isso aqui não é vida, o que essa gente vai fazer?", disse, apontando para alguns dos seus comandados no quarto.

    Até aqui, o governo local não conseguiu cumprir sua promessa a esses ex-talebans de entregar um lote de terra, pagar compensação pelos fuzis entregues e arrumar um emprego que lhes pague US$ 220 (R$ 352) mensais.

    "A segunda parcela de ajuda aos combatentes nós estamos pagando do nosso bolso, mas emprego? Não há emprego nem para as 22 mil pessoas que moram nessa cidade direito", resume o governador do distrito de Saroubi, Azrat Mohammad Hakim, 60.

    Saroubi é o único dos 14 distritos da província de Cabul que não teve a segurança passada para mãos afegãs -franceses dão as ordens lá. "Somos uma das portas para chegar a Cabul", diz Hakim.

    Shawali tem duas filhas, e Mohammad, uma tropa de dez crianças e duas mulheres. "Eles não estão seguros nas cidades, temos que trazê-los para cá", dizem.
    "Posso tentar virar agricultor, mas a verdade é que desde os dez anos eu só sei mesmo é usar um [fuzil] Kalashnikov", diz Shawali. "Agora nem isso tenho."

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