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    EUA de hoje têm traços do macartismo, diz filho do casal Rosenberg

    CLAUDIA ANTUNES
    DO RIO

    21/06/2012 05h00

    Robert Meeropol, nascido Rosenberg, tinha 6 anos quando seus pais, o engenheiro Julius e a sindicalista Ethel, foram executados nos EUA em 1953, no auge do macartismo -a caça às bruxas anticomunista que marcou o início da Guerra Fria.

    Divulgação
    Robert Meeropol, filho dos americanos Julius e Ethel Rosenberg, executados nos anos 50 pelos EUA
    Robert Meeropol, filho dos americanos Julius e Ethel Rosenberg, executados nos anos 50 pelos EUA

    Hoje, o antropólogo e advogado Meeropol -- sobrenome adotado do casal que o criou e ao seu irmão, Michael, depois da morte dos pais - acha que há traços do macartismo no pânico antiterrorista que tomou os EUA depois dos atentados do 11 de Setembro.

    "Você justifica tudo pelo medo. As pessoas vão abrir mão da liberdade pela segurança", diz ele, que está no Brasil a convite do Centro Cultural Midrash, do Rio, dirigido pelo rabino Nilton Bonder.

    Meeropol, autor de "Uma Execução na Família" (editora Casa Amarela), fez ontem e faz hoje, quinta, palestras em São Paulo, na Livraria da Vila. Ele diz que, embora de fato Julius Rosenberg tenha espionado para a União Soviética durante a Segunda Guerra, nem ele nem Ethel passaram segredos da bomba atômica, crime pelo qual foram condenados.

    " Eles eram jovens idealistas que queriam um mundo melhor. Cometeram alguns erros e pagaram um preço alto."

    Folha - Em 2008, Morton Sobell, que foi réu junto com o casal Rosenberg, admitiu que ele e Julius de fato espionavam para a URSS. Isso mudou alguma coisa para você?
    Meeropol - Confirmou o que suspeitávamos. O importante de entender é que eles foram executados por terem roubado o segredo da bomba atômica, e Sobell disse que eles não tiveram nada a ver com a bomba atômica, mas que Julius teve envolvimento com outras atividades de espionagem menos importantes. Não se podia dizer que meu pai era inocente, mas ele não fez aquilo pelo qual foi morto. Morgan também disse que Ethel não estava envolvida.

    O julgamento foi um dos marcos do macartismo. O sr. ainda identifica na sociedade americana elementos da caça às bruxas da época?
    A base do macartismo é que havia uma conspiração comunista internacional que destruiria nosso modo de vida. Portanto, a segurança nacional tinha que se transformar na maior preocupação. Questões de direitos constitucionais, civis e humanos ficavam em segundo lugar.
    Nos dias de hoje, você só tem que trocar a palavra terrorista por comunista e terá a mesma equação. O governo diz que, porque a conspiração terrorista vai destruir nosso modo de vida, a segurança nacional tem que ser número um. Isso é a justificativa para tortura, para Guantánamo, para ataques de aviões não tripulados. Não é igual, mas é bem parecido. O paralelo mais impactante é o medo. Você justifica tudo pelo medo. As pessoas vão abrir mão da liberdade pela segurança.

    Quando se fala no caso hoje, muitos esquecem que, na 2ª Guerra, a esquerda americana era mais forte e a relação dos EUA com a URSS era amistosa, não é?
    Havia na época um Partido Comunista relativamente grande nos EUA, com cerca de 100 mil integrantes. Os EUA e a URSS eram aliados. A esquerda era participante do processo político. O que o macartismo foi alijar a esquerda de participação legítima no processo político.
    As pessoas de centro-esquerda, chamadas liberais nos EUA, deveriam escolher. Se apoiassem os Rosenberg, fossem contra a Guerra da Coreia, seriam acusados de ser comunistas, iam perder o trabalho. A opção era ser um liberal anticomunista, apoiar a Guerra Fria e o crescimento do aparato de defesa, e aí ser parte do processo político. Antes do macartismo havia intercâmbio entre a esquerda e a centro-esquerda. Depois, um segmento do corpo político foi empurrado para fora do discurso aceitável. Hoje achamos que sempre foi assim, mas não era. Foi uma mudança muito grande, e que tem impacto até hoje.

    Por isso era inevitável que Barack Obama fosse uma decepção nesse aspecto da guerra ao terror?
    Se Obama não mantivesse o que Bush fez, ele seria percebido como fraco. Hoje ele pode reivindicar a morte de Bin Laden, a destruição da Al Qaeda. Mas não é só uma questão de ele manter as políticas do governo Bush, é pior.
    Quando era só Bush, podíamos dizer que era uma aberração, não a norma. Mas quando vem um presidente democrata que tem como slogan a mudança e faz o mesmo, é muito mais perigoso. Em certo sentido, é uma prova de fraqueza, porque se você é de fato forte não precisa provar.

    O sr. tem uma associação, o Rosenburg Fund for Children, para proteger filhos de pais progressistas que são perseguidos. Há muitas casos desse tipo?
    Os casos são pouco relatados, e é de fato um número relativamente pequeno. Isso cria duas situações para nós. Se o número não é grande, o projeto é administrável. No lado negativo, se você é um dos poucos perseguidos, é mais difícil para sua família enfrentar isso porque você está mais isolado. Nós temos casos como o de um pai processado por levar os filhos a um protesto e que pode perder a guarda deles, uma mãe ativista demitida. Ajudamos de 200 a 300 crianças por ano agora.

    O quão importante o antissemitismo foi para condenação de seus pais e como a comunidade judaica dos EUA mudou desde então?
    A maneira como o antissemitismo funcionou no caso dos meus pais não é simples. O juiz era judeu, o promotor e os advogados eram judeus. O juiz tinha que demonstrar sua lealdade ao país com uma sentença dura. O antissemitismo funcionou ao contrário.
    Quando houve um grande movimento para impedir a execução dos meus pais, a comunidade judaica estava dividida. Muitas pessoas do movimento eram judeus, mas tendiam a ser relativamente pobres e com pouco poder. Quanto mais poderoso você era na comunidade judaica, maior era a possibilidade de você apoiar o governo, porque você queria provar sua lealdade. O julgamento ocorreu apenas cinco, seis anos depois do Holocausto, e temia-se que ele se repetisse nos EUA. Então o setor mais poderoso da comunidade judaica tendeu a apoiar o governo, e continuou sendo assim até a queda do Muro de Berlim.
    Nos anos 1970, eu e meu irmão começamos um esforço para limpar os nomes de meus pais, e o setor mais poderoso da comunidade judaica não nos apoiou, temendo ser visto como pró-soviético. Quando a URSS acabou, a comunidade começou a repensar a situação. Mas isso foi compensado pelo fato de que nos últimos 20 anos a comunidade judaica se tornou em geral mais conservadora. Agora temos pessoas mais abertas a explorar o antissemitismo e a injustiça do caso. Ao mesmo tempo, temos uma atitude mais conservadora que levará outros a dizer que não se importam com isso.

    O senhor e seu irmão avaliam que conseguiu limpar o nome dos seus pais?
    Desde o começo, e tenho muito orgulho disso, nossa primeira atitude foi entrar com um processado baseado na Lei de Liberdade de Informação. Perguntavam: e se as informações desclassificadas mostrarem que eles eram culpados? Nossa resposta era, não queremos isso, mas a coisa mais importante é que a verdade venha à tona.
    Se ela provar que estamos total ou parcialmente errados, isso é melhor do que manter tudo em segredo. Nosso sucesso em obter a desclassificação de cada vez mais material conseguiu mostrar o que de fato aconteceu.

    Como resume o caso 60 anos depois?
    Para mim, apesar de Julius Rosenberg ter estado envolvido em ajudar a URSS nos anos 1940, durante a 2ª Guerra, o governo manufaturou este caso contra eles baseado no segredo da bomba atômica, para seu proveito político, e acabou executando duas pessoas por algo que não fizeram.
    No caso da minha mãe, acredito que ela sabia o que meu pai estava fazendo, que dava apoio a ele, mas não que estivesse diretamente envolvida. A prenderam para coagir o meu pai, como uma refém. Quando meu pai se recusou a capitular, eles a mataram.

    Queriam que seu pai delatasse outras pessoas, não?
    Meu pai era importante para eles porque recrutou outras pessoas. Ele não era um grande cientista. Era formado em engenharia. Trouxe outras pessoas com treinamento técnico para o grupo, e por isso conhecia muita gente. Representava quantidade, não qualidade.
    Era um espião amador. Eram pessoas que apoiavam ideologicamente a União Soviética e que acreditavam que esse era o caminho de trazer progresso ao mundo e combater os nazistas. Eles eram jovens idealistas que queriam um mundo melhor. Cometeram alguns erros e pagaram um preço alto.

    Como o sr. vê o movimento Ocupe Wall Street?
    Acho que o que eles fizeram de brilhante foi divulgar esse conceito de que há os 99% e há o 1%, que aqueles no topo do poder e da riqueza governam todo mundo. Acho que muita gente entendeu isso.
    Eu não posso mais, na minha idade, acampar numa praça. Não quero ser aquele velho dizendo aos jovens o que fazer. Lembro que nos anos 1960, quando eu era jovem, todos da geração de 1930 nos diziam o que fazer. Eu pensava que eles deviam escutar mais e falar menos. Não quero repetir isso.
    Então aprecio o movimento, mas não sei para onde vai. Tenho esperança de que continue a se expandir, porque nossa sociedade tem sérios problemas econômicos, ecológicos, e eles devem ser combatidos. A atual ordem social os está tornando pior.

    SERVIÇO

    Robert Meeropol
    Local: Livraria da Vila no Shopping Cidade Jardim
    Quando: 20/6 e 21/6
    Hora: 19h30
    Inscrição: R$ 115 um dia e R$ 190 dois dias, no site

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