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    Turcos-cipriotas do norte da ilha observam crise com preocupação

    DA EFE, EM NICÓSIA

    28/03/2013 08h32

    Do outro lado do muro que separa o Chipre e sua capital, Nicósia, em duas partes, a comunidade turco-cipriota observa com preocupação o desdobramento da crise financeira que atinge seus vizinhos do sul.

    "Pode pagar com cartão?", pergunta a reportagem em um bar da parte norte de Nicósia. "Sim, com certeza", responde a garçonete. "Por que não poderia?"

    Na parte sul da capital cipriota, muitos estabelecimentos se negam a aceitar pagamentos com cartão devido ao fechamento dos bancos, que durava 13 dias.

    Essa diferença é uma pequena amostra da divisão estabelecida em 1974, quando, após uma década de conflitos étnicos entre as comunidades grega e turco-cipriota da ilha, uma tentativa de golpe de Estado que pretendia anexar o Chipre à Grécia motivou uma invasão turca na parte norte da ilha.

    A partir de então, os turco-cipriotas passaram a se organizar em um Estado, a República Turca do Norte do Chipre (RTNC), que só é reconhecido internacionalmente pela Turquia. As duas nações cipriotas estão separadas pela chamada Linha Verde, que é controlada pela ONU (Organização das Nações Unidas).

    Ambas as economias permaneceram totalmente isoladas uma da outra, e a RTNC, além das receitas por sua produção agrícola, turismo e cassinos, sobrevive apenas graças à transferência periódica de dinheiro do governo turco.

    "Durante anos a economia do sul era muito mais forte do que a do norte. Agora, a Turquia tem uma maior prosperidade econômica e nós estamos em uma situação melhor, apesar de não sabermos o que vai acontecer com o sul", explicou um funcionário estatal da RTNC.

    Em 2003, as fronteiras entre as duas áreas do país foram abertas para permitir a circulação de pessoas e de mercadorias: os greco-cipriotas iam à parte norte para comprar produtos mais baratos, e os turco-cipriotas iam ao sul em busca de trabalho.

    "Ultimamente, muitos greco-cipriotas tem cruzado a fronteira", disse um guarda da RTNC, que trabalha no "check-point" da rua Ledra. Além disso, cada vez mais turistas atravessam a Linha Verde para visitar a parte norte de Nicósia.

    No entanto, Melis, funcionária de uma livraria, explica que a maioria dos greco-cipriotas só cruza a "Linha Verde" para apostar nos cassinos da RTNC: "Os donos dos cassinos são investidores turcos, e por isso nada do que se gasta neles fica no país".

    Agora, por causa da crise bancária do Chipre, ninguém sabe como esse intercâmbio entre as etnias grega e turca no país vai se configurar daqui para frente.

    "Tememos perder parte dos nossos clientes", admite Dogan Ertug, proprietário de um bar na parte norte do Chipre. "Além disso, alguns turco-cipriotas investiram em bancos da parte grega, pensando que eram mais sólidos que os nossos e agora vão perder o dinheiro", acrescentou Ertug.

    Para Melis existem "muitos riscos" derivados da crise do Chipre. "Talvez não tenha um impacto econômico direto, mas estamos preocupados porque tudo o que acontece no sul nos afeta".

    GOVERNO

    No entanto, o ministro da Fazenda da RTNC, Ersin Tatar, acredita que não existe nenhum perigo de contágio da crise. "É claro que a situação do sul nos entristece, não queremos que nossos vizinhos sofram. Mas o Chipre é dividido em dois países, e nossas economias estão separadas", declarou.

    Tatar garante ainda que o sistema bancário turco-cipriota está em perfeito estado, pois já que suas entidades financeiras não são reconhecidas no mercado tradicional, só podem se dedicar às atividades bancárias mais básicas: atualmente dispõem de 9 bilhões de liras turcas em depósitos e concederam 6 bilhões em empréstimos. "Temos muita liquidez, e a Turquia nos apoia economicamente", afirmou o ministro.

    Editoria de Arte/Folhapress

    No hotel-cassino Saray, que ainda tem marcas dos disparos feitos durante a guerra de 1974, um grupo de três búlgaras descansa e saboreia um café turco. As três se mudaram para a parte greco-cipriota do Chipre há dez anos, apesar de uma delas trabalhar agora como garçonete na RTNC.

    "Era ótimo quando existia a libra cipriota, mas após a entrada do euro tudo subiu de preço. Agora, com a crise dos bancos, a loja de móveis em que trabalho vai perder todos os seus investimentos e falir, e eu ficarei sem emprego", disse Ayten Smail. "Não posso voltar para a Bulgária porque não há trabalho. Terei que voltar a emigrar, para o norte do Chipre ou para Alemanha", contou.

    Pelo menos nem os conflitos políticos no Chipre e a reestruturação bancária poderão tirar dela os três dentes de ouro que a búlgara adquiriu.

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