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    Análise: Thatcher, o legado da revolucionária liberal

    OSCAR PILAGALLO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/04/2013 11h12

    Margaret Thatcher foi um dos poucos políticos contemporâneos a quem se pode aplicar, sem exagero, o rótulo de revolucionário. O mundo em 22 de novembro de 1990, quando ela deixou o poder, não era o mesmo de 4 de maio de 1979, data do discurso de posse como primeira-ministra britânica --e a transformação se deveu em grande parte a seu governo.

    O nome da líder dos conservadores britânicos --posto que assumiu quatro anos antes da eleição-- estará para sempre ligado ao neoliberalismo que, mais tarde, seria praticamente hegemônico no Ocidente. Foi ela quem, depois de colocar de joelhos o poderoso sindicalismo britânico, implantou uma série de políticas que liberou as forças do mercado.

    Ao longo dos 11 anos à frente do governo, Thatcher levou a cabo um ambicioso programa de privatização, desregulamentou o mercado financeiro, adotou um rígido monetarismo e desmantelou em grande parte o Estado do bem-estar social implantado depois da Segunda Guerra.

    O ideário de Thatcher foi seguido em muitos países. No Brasil, o presidente Collor, eleito em 1989, quando a gestão de Thatcher completava dez anos, adotou seus pontos ortodoxos, numa orientação que, após o hiato Itamar Franco, seria retomada por Fernando Henrique Cardoso e mantida por Lula e Dilma.

    Do ponto de vista ideológico, Thatcher foi mais importante que Ronald Reagan, que governou os EUA na mesma época. Os dois se baseavam na mesma cartilha liberal, mas, enquanto o presidente americano tinha um enfoque mais pragmático (basicamente, reduziu o peso do Estado cortando impostos), a premiê britânica estava empenhada em fundar um capitalismo popular, pulverizando o controle das estatais e viabilizando o acesso da classe média à casa própria.

    O programa econômico de Thatcher sempre foi atacado pelas esquerdas, obviamente, mas as críticas não ideológicas só ganhariam maior repercussão nas crises econômicas mundiais recentes, uma vez que uma de suas causas foi a excessiva desregulamentação do setor financeiro.

    De resto, o mundo ocidental ainda tem algo da cara que Thatcher lhe deu. No próprio Reino Unido --embora os yuppies, símbolos do individualismo que ela tanto incentivou, tenham perdido prestígio--, o thatcherismo resistiu mesmo sob o governo trabalhista que o substituiu.

    A influência de Thatcher, no entanto, vai além do campo econômico. Na política internacional, a vitória do livre mercado sobre a economia de planejamento central ajudou a minar as bases da União Soviética, que se desmancharia em 1991, um ano depois da queda de Thatcher.

    Na América Latina, sua influência também não foi pequena --embora tenha sido involuntária. Logo depois da vitória militar britânica na reconquista das ilhas Falklands (Malvinas para os argentinos), em 1982, a desgastada ditadura argentina chegou ao fim. A influência foi involuntária porque evidentemente ela não estava preocupada com o destino do regime argentino. Em relação a ditaduras de direita, aliás, Thatcher apoiou até o fim o general Pinochet, do Chile.

    O legado político de Thatcher é realçado pela marcante trajetória pessoal. Líder estudantil conservadora, a filha de um quitandeiro tentou uma vaga no Parlamento em 1950, aos 25 anos, mas só se elegeria em 1959, na terceira tentativa.

    A partir daí, a carreira decolou: ela foi a primeira mulher a governar um país na Europa e o político britânico que ocupou por mais tempo o cargo desde o início do século 19, tendo sido reeleita duas vezes, um recorde que só seria igualado pelo trabalhista Tony Blair.

    A firmeza com que defendia suas ideias lhe valeu o apelido de Dama de Ferro, que ela adotou e reforçou com um penteado austero. Centralizadora, a governante impunha sua vontade sobre seus ministros, que dispunham de limitada autonomia.

    Após deixar o poder --ela foi forçada a renunciar depois de um racha entre conservadores devido à sua posição contrária à integração europeia--, Thatcher ganhou o título de baronesa e passou a ser uma das mais requisitadas (e bem remuneradas) conferencistas do mundo.

    No início dos anos 2000, uma série de pequenos derrames e a morte do marido fizeram com que ela se afastasse da vida pública.

    OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor, entre outros livros, de "A Aventura do Dinheiro" e "A História do Brasil no Século 20". Viveu em Londres durante metade do mandato de Thatcher.

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