A renegociação de quase US$ 800 milhões (R$ 1,8 bi) em dívidas de nove países africanos, levada adiante pelo governo Dilma Rousseff neste ano, já tem rendido frutos para empresas brasileiras.
Bastante criticada no campo político por beneficiar governos de legitimidade questionável, a decisão de perdoar parte dos valores devidos por países africanos já abriu caminho para vendas brasileiras que superam em mais de 20 vezes os valores perdoados ao país comprador.
É o caso do Senegal, que, em março, teve descontados US$ 3 milhões dos US$ 6,5 milhões (R$ 14,8 mi) devidos ao Brasil. No mês seguinte, o governo do país comprou três aviões Super Tucano, da Embraer, e dois navios-patrulha, da Emgepron (vinculada ao Ministério da Defesa).
As duas compras envolverão um financiamento de US$ 120 milhões (R$ 273 mi) do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) --sendo US$ 67 milhões para os aviões e US$ 53 milhões para os navios.
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A concessão de financiamentos pelo BNDES não era possível enquanto o país possuía dívidas com o Brasil.
Nesta semana, em nota, o Itamaraty defendeu o perdão, destacando que a ação "não é um voluntarismo brasileiro", mas uma prática para impedir que o peso da dívida "se transforme em impedimento do crescimento econômico e da superação da pobreza" desses países.
Diplomatas ouvidos pela Folha foram unânimes em dizer que o perdão dos valores devidos vai impulsionar investimentos brasileiros nesses países, que são cortejados, em especial, pela China.
"Vários países sérios já fizeram isso para alavancar novos negócios: você zera o passado para abrir novas perspectivas. Se o Brasil não fizer isso, está dando um tiro no pé, porque outros países vêm e fazem negócios", disse o embaixador do Brasil no Gabão, Bruno Cobuccio.
Nas últimas semanas, duas missões do Gabão --país que obteve em maio um "desconto" de 15% da dívida de US$ 24 milhões-- estiveram no Brasil para estudar a compra de 200 ônibus da empresa Marcopolo e de até 30 caminhões de lixo da empresa Planalto.
Uma missão da Embraer também esteve no país africano para negociar a venda de aviões executivos, e o ministro da Indústria e das Minas do Gabão, Regis Immongault, veio ao Brasil em julho para encontros com a Vale.
HIDRELÉTRICAS
Na Tanzânia, onde a dívida a ser renegociada é de US$ 237 milhões (R$ 620 mi), empreiteiras como a Odebrecht e a Queiroz Galvão miram projetos de construção de duas hidrelétricas e dois aeroportos --inclusive o da capital, Dodoma --que podem somar mais de US$ 3 bilhões (R$ 6,8 bi), segundo fontes do governo brasileiro.
O maior projeto seria para a construção da hidrelétrica de Stiegler's Gorge, no rio Rufiji, estimado em US$ 2 bilhões. A Odebrecht confirmou que faz "estudos de viabilidade do projeto" da usina --que poderá ser a quinta maior da África--, mas não confirmou o valor.
O país também tem uma forte presença da Petrobras, que atualmente explora dois blocos na costa tanzaniana e teria interesse em parte da exploração de outros quatro, segundo a Folha apurou.
Em julho, a empresa anunciou a constituição de uma joint venture com o BTG Pactual para investir e administrar ativos na exploração e produção em países como a Tanzânia. Procurada, a empresa não se pronunciou.
Além do Senegal, o Congresso já autorizou o perdão de 79% e 90% das dívidas do Congo e do Sudão, respectivamente.
No Congo, país que recebeu o maior desconto entre todos --US$ 278 milhões (R$ 632 mi)--, uma das presenças mais fortes é da Andrade Gutierrez, que está construindo duas rodovias e desenvolvendo obras de urbanização na capital, Brazaville.
Tânia Rêgo - 10. abr. 13/ABr | ||
O ministro da Defesa, Celso Amorim, e o ministro das Forças Armadas do Senegal, Augustin Tine, em acordo para venda de aviões |
'MAUS PAGADORES'
Para o diplomata Roberto Abdenur, embaixador nos EUA entre 2004 e 2007, no entanto, é preciso ter cautela para abrir créditos a países que até agora deviam ao Brasil.
"Você está zerando a conta de países que não nos pagaram para abrir novos créditos que terão de ser perdoados", afirma Abdenur. "Países nessas condições continuarão a ser maus pagadores."
O governo brasileiro, contudo, defende que os países estão "em um outro momento" do que quando contraíram as dívidas, nas décadas de 70 e 80.
"A Tanzânia tem hoje um nível de endividamento de 45%, abaixo dos 50% que é considerado sustentável pelo FMI", diz o embaixador brasileiro na Tanzânia, Francisco Luz. "A tendência agora é de crescimento, pelo gás natural encontrado, reservas de carvão, ouro, diamantes."