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    Herdeiros de Luther King são processados por um dos melhores amigos de seu pai

    JAMES C. McKINLEY JR.
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/10/2013 12h00

    Harry Belafonte tem 86 anos, uma idade em que as pessoas tendem a concentrar-se em colocar suas coisas em ordem. E ele diz que é por isso que abriu uma ação judicial numa corte federal contra os três filhos sobreviventes de alguém que foi um de seus melhores amigos: o reverendo Martin Luther King Jr.

    Estão em questão três documentos que faziam parte da coleção de memorabilia de Belafonte, além de outras fotos e cartas expostos nas paredes de seu apartamento. Os objetos documentam sua longa amizade com King. Belafonte diz que os papéis lhe foram dados pelo próprio Martin Luther King, pela viúva dele, Coretta Scott King, e por Stanley Levison, assessor próximo de King.

    Os herdeiros de King --Dexter, Bernice e Martin Luther King III-- dizem que os documentos foram levados sem autorização e fazem parte do espólio de seu pai.

    Belafonte, que durante a luta pelos direitos civis com frequência apoiou financeiramente a família King, disse que a disputa o enoja. Disse que, em sua opinião, os filhos de King se afastaram dos valores de seu pai.

    Damon Winter/The New York Times
    Harry Belafonte em sua casa, em Nova York
    Harry Belafonte em sua casa, em Nova York

    "Os papéis são simbólicos", disse Belafonte. "A questão importante é o que aconteceu com os filhos. Sinto que, nessa área, eu decepcionei Martin."

    Um dos documentos é um rascunho em três páginas do discurso sobre "As vítimas da guerra no Vietnã", que King fez em 1967. O rascunho foi escrito num bloco de anotações legais no apartamento de Belafonte em Nova York. O segundo documento é uma carta de condolências do presidente Lyndon B. Johnson a Coretta Scott King. O terceiro é um envelope que King tinha no bolso no dia em que foi assassinado, em 1968. Nas costas do envelope ele tinha rabiscado anotações para um discurso que faria em Memphis, Tennessee.

    Em dezembro de 2008 Harry Belafonte tentou vender os documentos na casa de leilões Sotheby's para, segundo ele, levantar recursos para a entidade beneficente Barrios Unidos, que trabalha com gangues de rua. Mas, antes que a venda pudesse ser feita, os herdeiros de King contestaram a posse dos documentos por Belafonte. Em carta que enviaram à Sotheby's, alegaram que os papéis faziam parte de uma coleção adquirida incorretamente.

    Desde então os documentos estão num limbo, guardados no depósito da casa de leilões, enquanto as tentativas de resolver a disputa fora dos tribunais fracassaram. Pelas leis estaduais, a Sotheby's pode ser responsabilizada pelo dono real dos objetos se os entregar à parte errada. Por isso a casa de leilões está se recusando a devolver os documentos a Belafonte enquanto a disputa não for decidida.

    Na terça-feira Belafonte deu entrada em documentos numa corte federal de Manhattan, pedindo a um juiz que o declare o proprietário legal dos papéis.

    O advogado dos herdeiros de King não retornou telefonemas pedindo declarações. Uma porta-voz de Bernice King disse que esta não tem declarações a dar sobre a ação de Belafonte. Mensagens deixadas para o porta-voz do Centro King, em Atlanta, cuja executiva-chefe é Bernice King, não foram respondidas.

    Membros da família King têm um histórico de mover ações judiciais para proteger seu direito às obras e imagens de King. E não é a primeira vez que recorrem a medidas agressivas para tentar recuperar documentos dele.

    Em 1986 a viúva de King processou a Universidade Boston para tentar recuperar 83 mil documentos dados à instituição por Martin Luther King em meados dos anos 1960 (King recebeu seu Ph.D. da universidade). Ela perdeu o processo.

    Mais recentemente, em setembro de 2011, os herdeiros moveram uma ação para impedir a ex-secretária de King, Maude Ballou, de vender cem documentos, bilhetes, cartas e discursos que estavam em sua posse. Ballou, 88 anos, e seu filho, Howard Ballou, alegaram que o reverendo deu os objetos a ela no final dos anos 1950, quando ela trabalhava para ele. Um juiz federal de Jackson, Mississippi, decidiu que a família King não tinha provas de que Ballou tivesse obtido os papéis de maneira incorreta e que o prazo para pedir sua restituição se esgotara havia muito tempo. A decisão foi confirmada em março deste ano por um tribunal de recursos em Nova Orleans.

    O advogado de Belafonte, Jonathan Abady, disse que os herdeiros de Martin Luther King nunca apresentaram provas de que Belafonte tivesse roubado os documentos. Ademais, segundo ele, o prazo limite de três anos para mover uma ação em Nova York para pedir a restituição dos papéis já se esgotou.

    "Não nos restou outra alternativa a não ser recorrer ao tribunal", disse Abady. "E, sejam quais forem os direitos dos filhos de King, eles não têm o direito de revogar os atos e desejos de seus pais."

    O historiador Taylor Branch, autor de uma trilogia de livros sobre Martin Luther King, disse que os documentos têm pouco valor para estudiosos, mas possuem grande valor como memorabília. Descreveu como "triste a ponto de ser trágica" a tentativa da família de tirar os objetos das mãos de Belafonte.

    Clarence B. Jones, que foi advogado e amigo íntimo de Martin Luther King, disse que a família deste tem todo direito de proteger seu copyright. Mesmo assim, segundo ele, a tentativa dos herdeiros de pegar de volta documentos que estão com Belafonte "não condiz com o amor e a integridade que o pai deles tinha pelas pessoas que trabalhavam com ele. Na realidade, o avilta."

    Afinal, ponderou, "Harry Belafonte não é outra pessoa qualquer".

    Tradução de Clara Allain

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