• Mundo

    Friday, 26-Apr-2024 22:38:49 -03

    Identidade está no cerne da crise ucraniana

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A KIEV

    26/01/2014 03h15

    A população ucraniana mantém, desde a Idade Média, o costume de reunir-se em "viche". A palavra eslava, que originalmente se refere a encontros para a tomada de decisões difíceis, tem sido retomada pela oposição durante os dias de crise política.

    O país está dividido desde que, em novembro, o presidente Viktor Yanukovich reverteu a decisão de firmar um acordo com a União Europeia, escolhendo reforçar os laços com a vizinha Rússia.

    Descontentes, manifestantes tomaram a praça da Independência, na capital, e se mantêm ali até hoje, com um recente aumento da tensão.

    Na quarta, embates deixaram ao menos cinco mortos, além de centenas de feridos. A violência atraiu mais manifestantes para as barricadas.

    Apesar de as reivindicações terem sido ampliadas e hoje incluírem o pedido de renúncia de Yanukovich, está no centro da inquietação ucraniana o debate sobre a identidade do país –historicamente dividido entre a influência de Europa e Rússia, em uma delicada linha de cisão entre ambos os polos.

    "Quero que os meus filhos vivam como europeus", diz à Folha Vladmir Skipo, enquanto incendeia um barril na praça da Independência para se aquecer. "Não quero a ditadura russa aqui."

    A ideia de que "ser europeu" equivale a mais liberdades individuais é frequentemente repetida por ali, apesar de a sociedade ucraniana ter um perfil conservador, incluindo recentes protestos contrários a passeatas gays.

    "A Europa tem liberdade, tem democracia. A Rússia, não. Os russos são nossos irmãos, mas não na política", diz Marian Lviv, 27, que veio de Chervonohrad, no oeste do país, para os protestos.

    As manifestações foram inicialmente motivadas pela "neurose de ser europeu", segundo Dmitro Ostroushko, do Instituto Gorshenin. "As pessoas querem ser europeias, mesmo sem saber como vivem os europeus."

    Ele nota, porém, que essa aspiração não é mais a questão central em Kiev. Mais do que se opor à ideia de aproximar-se da Rússia, os manifestantes repudiam a ideia de que o governo possa ter tomado essa decisão unilateralmente, e não em "viche".

    A questão da identidade ucraniana, no entanto, é anterior a essa onda de manifestações. Para Ostroushko, começa com o fato de o oeste do país ter adentrado tarde na União Soviética, após ter estado sob influência polonesa e húngara. "Essa região mantém o orgulho ucraniano."

    No centro e leste, diz, a população não enxerga a Rússia como "invasora" e não faz distinção entre suas identidades. Não à toa, os prédios públicos tomados na Ucrânia se concentram no oeste.

    Além disso, o leste teve um processo mais intenso de industrialização, com minas de carvão. "Ali, os ucranianos têm uma identidade, de certa maneira, soviética."

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024