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    Repressão a protestos na Ucrânia deixa centenas de desaparecidos

    C. J. CHIVERS
    DO "NEW YORK TIMES", EM KIEV

    10/03/2014 12h06

    Volodymyr Danyluk era um veterano do exército soviético que começou a participar das manifestações contra o governo da Ucrânia no ano passado. Tinha 55 anos, estava separado da mulher e no geral fora de contato com a sua família, que o viu ao vivo na TV durante o inverno de protestos.

    Depois veio a repressão das autoridades aos protestos, no mês passado em Kiev, a capital ucraniana. A polícia de choque e os manifestantes entraram em combate, dezenas de pessoas foram mortas e o governo do presidente Viktor Yanukovich caiu. Danyluk sumiu.

    Nas semanas posteriores, as autoridades provisórias da Ucrânia permitiram que membros da oposição realizassem buscas em prisões, necrotérios e hospitais, para tentar localizar seus desaparecidos. Mas não havia sinal de Danyluk –e nem de mais de 250 outros ucranianos.

    Depois de uma temporada de perturbações políticas no país, persiste uma dolorosa preocupação: o que aconteceu aos ucranianos que parecem ter desaparecido nas marés revolucionárias em rápido movimento?

    Será que Danyluk e os demais desaparecidos caíram vítimas da repressão do Estado e de atividades criminosas por parte da polícia, ou será que alguns deles simplesmente retornaram às suas vidas silenciosas?

    "Nossa mãe está preocupada e me liga o tempo todo", disse Galyna Onyshchuk, a irmã de Danyluk, chorando.

    No total, foi reportado o desaparecimento de 661 pessoas desde que os protestos começaram em dezembro do ano passado, de acordo com o Euromaidan SOS, um grupo de voluntários que lidera os esforços para localizar os desaparecidos. O destino de 272 deles continuava desconhecido no final da semana passada.

    Muitas pessoas foram localizadas em celas de prisão ou hospitais, ou ressurgiram por conta própria, disse Vitali Selyk, um dos coordenadores do Euromaidan SOS. Alguns casos foram causados por problemas de comunicações, por exemplo perda de celulares ou falta de créditos nos aparelhos, ele disse.

    Algumas poucas das pessoas desaparecidas tinham pouco contato com as famílias, e o silêncio recente acontece por escolha. Selyk diz esperar que a maior parte dos casos restantes venha a ser resolvida, e que os desaparecidos apareçam.

    Mas por sob a esperança há a grave preocupação de que muitos ucranianos possam ter desaparecido depois de ser capturados pela Berkut, a polícia de choque, por agentes provocadores pró-russos ou por forças extraoficiais que trabalhavam para manter Yanukovich no poder.

    Os abusos praticados pela polícia de choque do ministério são bem conhecidos, e incluem as humilhações e provocações impostas ao agricultor Mihailo Gavryluk, do oeste da Ucrânia, que quando detido no mês passado foi forçado a ficar nu ao frio do inverno, enquanto policiais usando capuzes e máscaras posavam para fotos ao seu lado.

    Parte desse episódio foi postada em vídeo no YouTube. No vídeo, um policial é visto socando e chutando o prisioneiro com força. Gavryluk diz que os agentes da Berkut que o detiveram arrancaram suas roupas. "Eles se divertiram", conta, em tom sombrio.

    Mas logo acrescenta que sua sorte não demorou a melhorar. Os policiais da Berkut estavam ocupados, e por isso em muitos casos deixavam seus prisioneiros em delegacias de polícia ou hospitais espalhados pela cidade.

    Gavryluk diz ter sido levado a um hospital em que veteranos da guerra soviética no Afeganistão, simpáticos à oposição, estavam ativos. Os veteranos rapidamente o contrabandearam de volta à praça, conta. Quando a polícia voltou para conduzi-lo à promotoria, ele já tinha escapado.

    Outro prisioneiro por algum tempo, Andriy Babyn, descreveu um sistema policial e de Justiça sobrecarregado pelo imenso número de pessoas detidas, quando os ucranianos decidiram lutar. "Havia praticamente uma guerra", ele diz.

    Um dos resultados disso, segundo Babyn, foi que alguns prisioneiros fossem parar em delegacias ou cadeias nas quais o pessoal era ou neutro ou simpático à oposição.

    Mas as mesmas características de um sistema sobrecarregado de registro de prisioneiros significavam que os ativistas capturados fossem dispersados por toda a região, o que abria a possibilidade de abusos policiais. A prática também dificultava uma prestação completa de contas.

    Uma história macabra ouvida comumente na praça da Independência é a de que 50 oposicionistas que estavam sendo tratados em um posto médico improvisado no edifício local da central sindical foram mortos e tiveram seus corpos queimados de forma a se tornarem irreconhecíveis, no incêndio do edifício.

    A história é em larga medida falsa, disseram pessoas envolvidas nas buscas. Algumas poucas pessoas morreram no incêndio, afirmam, mas o número de vítimas fatais foi de seis ou menos.

    Entre as pessoas perdidas no incêndio estava Volodymyr Topij, 59, de Vyshnya –o nome dele constava de uma circular sobre desaparecidos ainda postada no acampamento da oposição. Os restos mortais de Topij foram identificados na semana passada. Seu corpo foi entregue à sua família para sepultamento.

    Um boato mais sinistro que corre as ruas é o de que as autoridades, para mascarar os muitos crimes da polícia, ordenaram a cremação de mais de cem corpos de pessoas que mandaram matar.

    A Euromaidan SOS investigou as alegações, mas Selyk diz que elas também parecem falsas. "Conheço pessoas que trabalham no crematório", ele afirmou, "e elas disseram que não é verdade".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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