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    No Chile, padres são investigados por esquema de roubos de bebês

    JONATHAN FRANKLIN
    DO "GUARDIAN"

    16/05/2014 11h19

    A Igreja Católica chilena está sendo investigada por alegações de que padres teriam exercido papel central numa rede que roubava recém-nascidos de mães solteiras.

    A polícia investiga dezenas de casos em que mulheres grávidas e não casadas foram pressionadas por padres para dar seus filhos para adoção. As que se negavam eram anestesiadas durante o parto; quando acordavam, eram informadas que seus filhos tinham morrido. Os bebês saudáveis eram escondidos de suas mães biológicas e dadas a casais casados para serem criados por famílias católicas "tradicionais".

    Líderes da Igreja agora admitem que tinham conhecimento do esquema havia pelo menos dez anos. Diferentemente da Espanha e Argentina, onde bebês foram roubados de militantes políticas de esquerda, a motivação no Chile era proteger a reputação de famílias abastadas do estigma social da maternidade fora do casamento.

    A maioria dos casos investigados no momento aconteceu nos anos 1970 e 1980, mas há relatos de casos ainda em 2005.

    A agência chilena de proteção infantil, Sername, abriu um inquérito e está trabalhando com investigadores para determinar o número de crianças envolvidas.

    Documentos da investigação da Sername descrevem como pais eram "induzidos a acreditar que seus bebês tinham morrido no parto" e alegam que "vários recém-nascidos de gestantes solteiras foram dados a outras famílias, sob circunstâncias irregulares, nas décadas de 1970 e 1980".

    O conhecido fotógrafo chileno Matias Troncoso, 33 anos, é um desses casos. Troncoso sempre soube que tinha sido adotado, mas, quando começou a fazer perguntas sobre sua mãe biológica, as respostas eram inconsistentes. Seu nascimento só foi registrado quando ele tinha 6 anos de idade, e a clínica onde ele nasceu se negou a liberar as informações sobre seu nascimento.

    O médico que tinha feito o parto era idoso e sua memória estava começando a falhar, mas Troncoso teve acesso a detalhes suficientes para começar a desconfiar de um complô.

    Suas suspeitas se confirmaram no mês passado, quando o site chileno de jornalismo investigativo Ciper divulgou as alegações. Em uma série de artigos online, os repórteres do coletivo rastrearam e documentaram uma rede clandestina de famílias ricas, ginecologistas, assistentes sociais, advogados e, ao cerne do esquema, o popular e extrovertido padre católico Gerardo Joannon.

    Filho único de uma família amorosa de classe alta, Troncoso só tem elogios a fazer a seus pais adotivos e disse que eles nunca ocultaram o fato de ele ter sido adotado.

    Mas ele é extremamente crítico do papel exercido pela igreja. "Fizeram enterros com caixões vazios", comentou.

    O padre Joannon admitiu ter trabalhado com um grupo de dez médicos que ajudaram a coordenar as adoções clandestinas e provavelmente ilegais. "Naqueles tempos, uma moça solteira que tivesse um bebê era muito malvista. Eu não diria que isso acabaria com a vida dela, mas seria quase disso", falou Joannon quando repórteres da Ciper o confrontaram com os fatos, em março. "Ninguém se casaria com ela."

    Joannon insiste que sua participação no esquema foi limitada. Ele disse ao Ciper: "A única coisa que fiz foi colocar [as jovens grávidas] em contato com um médico que fazia o esforço de encontrar famílias que desejavam um filho."

    Entrevistado por uma equipe de televisão chilena, Joannon declarou: "Não vou ajudar [o inquérito] com nada. Não tenho nada mais a dizer." Autoridades da igreja anunciaram depois disso que Joannon recebeu ordens de não se pronunciar mais sobre os casos, que os investigadores agora acreditam envolver seis hospitais da região de Santiago.

    O padre Joannon insiste que só participou de adoções clandestinas em que as mães biológicas concordaram em "doar" seus bebês a outras famílias. Mas pelo menos uma mãe declarou que Joannon a pressionou a abrir mão de sua filha e que, quando ela se recusou, ele participou do desaparecimento de sua filha recém-nascida.

    Uma segunda mãe disse que o padre percorria a enfermaria da maternidade, pressionando-a a entregar seu bebê recém-nascido.

    Vários outros padres teriam participado do esquema, mas seus nomes não foram citados.

    Líderes católicos chilenos se distanciaram de Joannon. A missa semanal que ele celebrava foi suspensa em abril, e Alex Vigueras, um porta-voz da igreja, disse que está claro que os bebês foram tomados sem o consentimento de suas mães. "O que me parece mais perturbador é que tenha sido dito que as crianças tinham morrido, quando se sabia que não era o caso."

    Vigueras disse que Joannon e a rede de roubo de bebês "cometeram uma injustiça. Vários direitos foram violados." Em comunicado divulgado pela igreja, ele prometeu que esta vai colaborar com as investigações dos organismos policiais.

    INFORMAÇÕES

    Um site na internet criado por vítimas já tem dezenas de casos alegados registrados. Alguns dos pedidos de informação vêm de pais que procuram seus filhos, e outros são de filhos à procura de seus pais.

    "Joannon fez os contatos, mas ele é apenas uma pista neste problema", disse Arturo Fellay, cuja esposa procura seus pais biológicos. "Houve muitos outros casos de meninos e meninas que se disse que tinham morrido e que foram levados embora e dados ou vendidos a famílias em segredo, um segredo que foi mantido durante anos."

    Indagado sobre a ética e honestidade de promover funerais para recém-nascidos que na realidade estavam vivos, Joannon disse a repórteres do Ciper: "Nunca celebrei uma missa fúnebre; eram missas em que se agradecia a Deus pelo dia em que uma jovem tinha feito um sacrifício tão tremendo".

    Pressionado por pais com evidências de que missas fúnebres foram de fato celebradas, o padre então disse: "Estou certo de que [o bebê] tinha morrido. O médico me disse que ele tinha morrido."

    Troncoso, o fotógrafo à procura de sua mãe biológica, quer respostas. "Não sei que dia é meu aniversário. Não conheço minha mãe [biológica]. Essas mulheres iam para a clínica. Eram anestesiadas, e quando acordavam ouviam: 'Seu bebê morreu'. Basicamente, foram sequestros."

    Ele não está interessado em levar o caso à justiça criminal. "A justiça não é apenas o açoite da vingança", explicou. "Trata-se da verdade, essencialmente. Como é possível tirar um bebê de sua mãe e convencer-se de que você está fazendo uma boa ação?"

    Tradução de CLARA ALLAIN

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