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    Não haveria confronto com Francisco Ferdinando vivo, diz autor

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    29/06/2014 02h00

    Quando o historiador Richard Ned Lebow era ainda um bebê, sua mãe o entregou a um policial francês, pouco antes de os pais serem levados ao campo de concentração nazista de Auschwitz.

    Esse gesto, rápido e pontual, foi definitivo para determinar sua sorte naquele distante ano de 1942. Estudar a importância de fatos aparentemente isolados e pontuais virou, então, uma obsessão para o hoje historiador e professor do King's College (Reino Unido) e do Dartmouth College (EUA).

    Ned Lebow acaba de lançar "Archduke Franz Ferdinand Lives!" (Palgrave Machmillan, importado), um trabalho de "história contrafactual", popularmente chamada de "história do 'what if'" (e se?), em voga no mercado editorial desde os anos 90.

    No livro, Lebow desenha um mundo em que Francisco Ferdinando tivesse sobrevivido ao assassinato. O arquiduque teria sido, então, coroado imperador dois anos depois, em 1916, com a morte de seu tio, Francisco José.

    Nesse cenário, os impérios Otomano e Austro-Húngaro ficariam de pé. Não haveria Primeira Guerra nem a Segunda. Adolf Hitler poderia ter sido apenas um vendedor de remédios alternativos; Richard Nixon, um apresentador de TV religioso, enquanto os EUA teriam tido como presidente Joseph Patrick Kennedy (o irmão mais velho de John F. Kennedy, que foi morto na Segunda Guerra).

    Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que Lebow concedeu à Folha, por telefone.

    *

    Folha - Como teria sido Francisco Ferdinando como rei?
    Richard Ned Lebow - Temos razões para acreditar que, sob sua gestão, ele teria feito reformas e impedido o fim do poderio dos Habsburgo. A Europa seria diferente, e poderia se criar um espaço cosmopolita em que conviveriam sérvios, croatas, gregos e búlgaros.

    Sem a explosão da Primeira Guerra, a Alemanha poderia ter se transformado numa democracia constitucional. Sem a derrota, o país não teria sido punido com o Tratado de Versalhes (1919) e, portanto, não existiria o desejo de vingança que impulsionou a Segunda Guerra. Consequentemente, não teríamos, também, o Holocausto.

    Haveria a Revolução Russa em 1917?
    Alguma espécie de revolução existiria, porque o poder dos czares já estava ruindo. Aquilo não existiria mais no espaço de alguns anos. Mas não creio que os bolcheviques teriam tido êxito. O desenlace não seria tão radical.

    O sr. também desenha um cenário pessimista para tudo.
    Sim, meu livro tenta mostrar que o assassinato foi determinante com relação a uma cadeia específica de eventos. Porém, mesmo se não houvesse a explosão da guerra, as tensões entre aqueles blocos políticos continuariam, e poderia haver um período longo de enfrentamento, como uma espécie de Guerra Fria mais comprida –que poderia resultar num conflito, mas apenas muitos anos mais tarde, na década de 70, tendo Inglaterra e Alemanha como protagonistas.

    Que consequências seriam vistas na América Latina?
    Sem golpe bolchevista, não haveria União Soviética nem Guerra Fria. Então, penso que os Estados Unidos seriam menos paranoicos com relação à ameaça comunista, sentimento que esteve por trás de sua influência nos golpes de Estado e ditaduras na América Latina.

    Por outro lado, ainda teriam interesses de negócio no continente e os defenderiam com vigor.

    Além disso, o sr. cria um cenário diferente para a questão das artes e do conhecimento.
    Sim. Sem o conflito, a Europa manteria os artistas e cientistas que perdeu nos anos 20/30. Por outro lado, a ciência e a tecnologia se desenvolveriam com menos força, pois a guerra em geral fornece um ímpeto distinto para que avanços ocorram.

    Historiadores não costumam gostar de fazer especulações. Mas o sr. se permitiu esse jogo no livro.
    Os historiadores dizem não gostar, mas fazem isso o tempo todo. Creio que é da natureza da profissão e, de certo modo, lhe dá certo sentido.

    Qual a principal contribuição dos debates que estão ocorrendo sobre a Primeira Guerra, por ocasião do centenário?
    O principal é que há uma nova discussão sobre a importância da micro-história, um reajuste da ideia de que apenas os macroeventos determinam tudo.

    Mas o essencial é que existe um consenso sobre ter sido algo terrivelmente ruim, com tantos mortos, resultado de um crescimento das intolerâncias.

    O sr. soube o que aconteceu com seus pais?
    Nunca mais os vi novamente. Eles foram levados para o campo de concentração. Eu era um bebê de, provavelmente, um ano ou menos. Não tenho memórias do evento, mas pude descobrir quem foi a mulher judia francesa para quem fui entregue e as pessoas que me ajudaram a sair da França. Eu não sei meu nome original nem minha data de nascimento.

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