Não suspenderam apenas os jardins da Babilônia, como canta Rita Lee. Suspenderam quase tudo. Essa ruína arqueológica no Iraque, testemunha dos impérios de Hamurabi e Nabucodonosor, vive hoje uma melancólica mistura da violência das guerras com o descaso do governo.
Faltam visitantes àqueles palácios que deveriam rivalizar em popularidade com as pirâmides egípcias. As autoridades estimam em cinco os interessados por dia. A reportagem da Folha não encontrou nenhum quando esteve ali, na semana passada.
Mas a Babilônia carece também de esmero arqueológico. As ruínas hoje em pé são uma mistura de resquícios mal preservados da Antiguidade com tijolos empilhados nos anos 80 pelo ditador Saddam Hussein, em um projeto egocêntrico que alterou o local permanentemente.
"Na nossa tradição, os reis do passado –sumérios, acádios, assírios, babilônios– fizeram o mesmo", afirma o escavador iraquiano Haidar al-Maamuri. "Reconstruir era uma coisa prestigiosa, especialmente os templos."
Saddam levou a ideia a sério e pôs nos muros ancestrais tijolos com seu nome, como fez Nabucodonosor.
O esforço do ditador em reconstruir a Babilônia é hoje condenado por especialistas. Projetos como o Future of Babylon, do World Monuments Fund, incluem a retirada das novas estruturas.
"A maior parte da reconstrução de Saddam não é reversível e destruiu grande quantidade de material histórico", diz Jeff Allen, diretor do programa no WMF.
No caso do templo de Nabu-sha-Khare será possível retirar toda a estrutura moderna. "Mas todo o palácio ao sul está enterrado embaixo da construção recente erguida sem evidência científica. Será impossível retirá-lo."
Editoria de Arte/Folhapress |
HISTÓRIA
A cidade da Babilônia surgiu em torno de 2.300 a.C como assentamento acádio perto do rio Eufrates, que já não passa por ali. Com o surgimento de impérios ao seu redor, como o de Hamurabi, passou a dar nome ao sul da Mesopotâmia.
Sua fama, para além dos reis e dos monumentos, vem dos jardins suspensos, que foram considerados uma das sete maravilhas do mundo antigo. Mas ainda não existem evidências arqueológicas de que a construção tenha existido ali, realmente.
Por séculos, a cidade foi tomada, destruída e reerguida por sucessivos reis. Hoje, o visitante tem de imaginá-la em seu esplendor a partir da visão dos muros que restaram.
Um de seus tesouros é a base do que foi o imperial Portão de Ishtar –à época, com teto e portas de cedro e paredes de azulejos azulados representando dragões e auroques (tipo de boi extinto).
LEGADO
A Babilônia onde se diz que morreu Alexandre, o Grande, cujos muros azulados inspiraram gravuras históricas e poemas, estava abandonada quando foi visitada pela reportagem. Simultaneamente, milhões de peregrinos iam a Karbala para um ritual muçulmano xiita.
A discrepância ilustra cultura e estruturas oficiais que privilegiam o turismo religioso em detrimento do histórico. A segurança instável, com a linha de fogo com o Estado Islâmico não longe dali, não ajuda a atrair turistas.
O WMF planeja uma cooperação com o governo, a liderança xiita e moradores locais. Afinal, diz Allen, "todos concordam que a Babilônia é uma fonte de orgulho e um grande legado que deveria ser dividido com o mundo."
A consultoria internacional Mantid assessora a província de Babilônia para que aproveite as ruínas como motor ao desenvolvimento regional. O ingresso ao local custa, hoje, US$ 20 para turistas.
"O potencial de visita é imenso", diz o chefe de operações Leland Bettis. "Para estrangeiros, a Babilônia é o local mais conhecido do Iraque." A consultoria aposta no desenvolvimento da infraestrutura local, o que inclui hotéis, um museu e centros educativos.
Hoje, mal há placas apontando o caminho das ruínas.