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    Conheça a história do jornal 'Charlie Hebdo', alvo de ataque a tiros em Paris

    JOÃO BATISTA NATALI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    07/01/2015 12h18

    Em novembro de 1970, morria aos quase 80 anos o general Charles de Gaulle, militar, estadista e ex-dirigente da Resistência à ocupação alemã. Ele se retirara, aposentado, numa pequena aldeia da Normandia, Colombey-les-Deux-Églises. O jornal satírico "Hara-Kiri" estampou em manchete: "Baile Trágico em Colombey: um morto."

    A publicação foi proibida de circular pelo então ministro do Interior, o gaullista conservador Raymond Marcellin, com o aval do então presidente Georges Pompidou, também gaullista.

    Os jornalistas e cartunistas do jornal decidiram então contornar a proibição e lançaram o "Charlie Hebdo", versão semanal do mensal "Charlie", que mantinham em homenagem a Charles Brown, personagem de histórias em quadrinho do norte-americano Charles Schulz (1922-2000).

    Mas em verdade o "Charlie Hebdo" era bem mais que um veículo de humor negro. Ele criou e ampliou na mídia francesa um espaço editorial que se definia como libertário, como uma casamata que protegia uma constelação muitíssimo diversificada dos pensamentos da esquerda não oficial.

    Implicava com o catolicismo conservador, com o Partido Comunista, com a hierarquia judaica, com a extrema direita e com o terrorismo islâmico. De certo modo, por mais que nunca tenha sido um jornal de ampla circulação, era por intermédio dele que sobreviveu, na mídia, o pensamento criativo nascido nas barricadas estudantis de Maio de 1968.

    O "Charlie Hebdo" foi também uma espécie de academia na qual se formou e cresceu o melhor do cartunismo francês. Mesmo pouco conhecidos no Brasil, onde as atenções estão voltadas à produção norte-americana, passaram ou saíram do jornal nomes como Cabu, Wolinski, mortos no atentado, Gébé, Reiser, Cavanna ou Siné.

    Um dos pressupostos editoriais da publicação estava no fato de que, pura e simplesmente, não prestava aquilo que era institucionalmente sério, em termos de política ou de costumes. Certos almanaques publicados periodicamente davam conta, com muito humor, desse recado.

    Um exemplo: há muitos anos a direita francesa defendeu a tese de que a imigração estrangeira tinha um "teto" de convivência possível. O "Charlie Hebdo" então produziu e publicou fotografias em que uma francesa aparecia na mesma cama com três africanos, debaixo da legenda: "O teto foi alcançado".

    Outro exemplo: durante os anos de modismo feminista, o jornal ilustrava seu distanciamento com imagens nas quais o machão fazia a barba com maçarico ou a esposa, oprimida, vestia focinheira ao ser obrigada a fazer amor de quatro.

    Por mais que tentasse, o "Charlie Hebdo" não escapava facilmente da reputação de ser um jornal de pessoas mais velhas, que concebiam sempre da mesma maneira aquilo que seria aceitável como reação libertária. Mais do que previsível, nesse ponto, ter publicado as imagens de Maomé, que em 2006 provocaram protestos em massa no mundo muçulmano.

    Mas já não havia mais o mesmo vigor juvenil de 1969, quando François Cavanna criou o pequeno grupo editorial, que sobreviveu a crises internas –com a de 2008, com a demissão do cartunista Siné– e ao declínio na circulação de exemplares.

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