No centro de prevenção de desastres do Corpo de Bombeiros de Tóquio, a visita começa com um documentário de cerca de 30 minutos. Na sucessão de imagens de ondas gigantescas arrasando cidades durante o terremoto-tsunami de 2011, nenhuma palavra sobre o acidente nuclear na usina de Fukushima.
O passeio continua. Os visitantes são convidados a conhecer, em instalações hi-tech, uma sala que simula um terremoto, uma câmara que reproduz um tufão e como escapar de uma casa tomada pelo fogo. Novamente, nada sobre emergências nucleares.
"Seguimos a orientação do Corpo de Bombeiros de Tóquio", afirma o guia, um bombeiro aposentado, ao ser questionado pela reportagem da Folha sobre a ausência de orientações sobre emergências nucleares. "E a cidade não tem usinas nucleares, portanto, não é necessário", acrescenta.
A história recente mostra que não é assim. Em 2012, o governo japonês admitiu que, nos dias em que o vazamento na usina de Fukushima (226 km ao norte) esteve fora de controle, cogitou ordenar a retirada de dezenas de milhões de pessoas, incluindo a região metropolitana de Tóquio.
A visita ao centro do Corpo de Bombeiros foi parte de um tour de duas semanas com 16 jornalistas estrangeiros, entre os quais a reportagem da Folha, organizado pela Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão) em áreas reconstruídas (Kobe) ou em recuperação (nordeste do Japão) após desastres naturais. Fukushima ficou de fora do roteiro e não foi o tema específico de nenhuma palestra.
Em Sendai, Takeda Shinichi, editor de opinião do "Kahoku Shimpo", o maior jornal do nordeste do país, afirmou que "é bastante difícil para a imprensa conseguir mais informações além do que o governo publica" a respeito de Fukushima. Ele, no entanto, diz que não há pressão política sobre a forma de cobertura.
"Há uma intimidação ao estilo japonês sobre o tema da energia nuclear", afirma o professor de negócios norte-americano R. Taggart Murphy, em entrevista em no seu escritório da Universidade de Tsukuba, em Tóquio, onde leciona.
"Não é o que se vê na China, de prender pessoas por criticar abertamente o governo. Mas é uma atmosfera de medo e autocensura para falar ou escrever abertamente demais sobre certos tópicos. E o escopo desses temas cresceu marcada e dramaticamente desde a posse do premiê Shinzo Abe, em 2012", completou.
Segundo Murphy, a pressão contra o debate sobre Fukushima faz parte do projeto de Abe para reutilizar algumas das usinas nucleares, desligadas desde 2011. O governo planeja acionar algumas ainda em junho.
Esses planos sofrem forte oposição de movimentos civis. Neste domingo (8), centenas protestaram perto do escritório de Abe contra a energia nuclear.
Trata-se de um duro dilema econômico para o Japão. Nos últimos anos, o país aumentou a importação de combustíveis fósseis para substituir a energia nuclear.
Diogo Shiraiwa/Editoria de Arte/Folhapress |
Desde 2010, o país deixou de ter superávits e, no ano passado, registrou o pior déficit comercial de toda a sua história.
Limpar Fukushima, porém, também é caro, além de incerto. Cerca de 71 mil pessoas ainda não têm data para voltar a suas casas e vivem em abrigos temporários.
A limpeza da região levará ao menos mais 30 anos, a um custo de US$ 411,6 bilhões, segundo cálculo do Centro Japonês para Pesquisa Econômica.
O jornalista FABIANO MAISONNAVE viajou ao Japão a convite da Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão).