• Mundo

    Thursday, 28-Mar-2024 14:42:41 -03

    Jornalista processado por líder do Parlamento quer voltar à Venezuela

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    05/06/2015 02h00

    Dono do tradicional jornal venezuelano "El Nacional", Miguel Henrique Otero estava nos EUA em abril quando soube que era processado por um nome central do chavismo: Diosdado Cabello, presidente do Parlamento.

    Cabello acusa Otero e outros 21 executivos da mídia local de difamação por terem repercutido uma reportagem que o liga ao narcotráfico.

    Publicado em janeiro pelo jornal espanhol "ABC", o texto cita um ex-guarda-costas de Cabello que o acusa de comandar um cartel dentro das Forças Armadas. O líder do Parlamento, que nega as acusações, ameaça processar também jornais estrangeiros –além do "ABC", o "Wall Street Journal", dos EUA.

    Carlos García Rawlins- 11.abr.14/Reuters
    Miguel Henrique Otero, dono do 'El Nacional', caminha pela sede do jornal em Caracas
    Miguel Henrique Otero, dono do 'El Nacional', caminha pela sede do jornal em Caracas

    Em entrevista à Folha por telefone desde Miami, Otero se disse determinado a voltar à Venezuela, apesar do risco de prisão. Ele acusou a Justiça de submissão ao Executivo e negou que o "El Nacional" se alinhe à oposição.

    *

    Folha - O senhor vai mesmo voltar à Venezuela?
    Miguel Otero - Sim, voltarei dentro de algumas semanas. A data depende do que meus advogados disserem e de minha movimentação no exterior. Denunciei o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e participei da assembleia da Associação Mundial de Jornais e Publishers de Jornais [nos EUA]. Em breve irei à União Europeia. Quero potencializar a visibilidade do caso para aumentar o custo político para o governo de atacar defensores da democracia.

    Não teme ser preso?
    É um risco que preciso correr. Tenho que voltar para administrar o jornal. Mas sei que posso acabar indiciado por traição à pátria, algo mais perigoso que difamação.

    Qual é a sua situação jurídica?
    A presidente do Tribunal Supremo de Justiça [Gladys Gutiérrez Alvarado] decretou que Cabello é inocente e que atacá-lo é atacar a pátria.
    Nos processos iniciados por gente do governo, as sentenças já vêm embutidas nas medidas cautelares. As medidas adotadas pelo juiz [neste caso, proibição de sair do país, obrigação de se apresentar a um tribunal semanalmente e bloqueio de contas] já são uma sentença. O mesmo ocorre com a criminalização da dissidência. A detenção do [ex-prefeito de Chacao] Leopoldo López e dos demais presos políticos é ilegal. O Executivo usa os tribunais como bem entende.

    Em que situação se encontra o "El Nacional"?
    Precária. O governo não nos permite acessar dólares [usando a taxa preferencial] para importar papel. Sobrevivemos graças à solidariedade de outros jornais da América Latina. Nosso estoque de papel não passa de três meses. Aliviamos com soluções pontuais, como cortar gastos e reduzir as páginas ao mínimo.
    O governo deixou de publicar anúncios nas nossas páginas, e as empresas privadas estão em crise, o que nos deixa num grande aperto.
    Mas continuamos resistindo. Somos o único jornal independente em circulação no país. Todos os outros foram comprados ou cooptados.

    O senhor considera o "El Nacional" independente? O jornal não se alinha à oposição?
    Somos um jornal independente. Fazemos oposição a este governo como fizemos oposição a outros governos no passado. É uma posição de princípio. Somos críticos a qualquer governo.

    Foi um erro apoiar o golpe de Estado de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez?
    Ninguém apoiou golpe nenhum. A palavra golpe nem existe [neste caso]. Apenas apoiamos a rebelião que surgiu naquele momento. O que houve foi um vazio de poder, nas palavras da Justiça.

    Como o sr. vê a posição do Brasil em relação à Venezuela?
    É uma posição ambígua, fraca. Mas mudanças interessantes estão em curso. O Brasil parece mais sensível à defesa da democracia.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024