Alvo de expectativa e polêmicas antes mesmo de ser lançada, a nova encíclica do papa Francisco, que aborda questões ambientais, vazou nesta segunda (15) pela revista italiana "L'Espresso", que colocou uma versão do texto para download em seu site.
A carta, que será lançada oficialmente na quinta (18) e cuja versão divulgada o Vaticano classificou como "rascunho", é uma tentativa ambiciosa de unir ambientalismo e fé cristã. No texto, o pontífice condena a inação internacional diante da mudança climática e argumenta que a humanidade não tem direito de destruir outros seres vivos.
Vincenzo Pinto/AFP | ||
Papa Francisco saúda fiéis ao chegar à praça de São Pedro, no Vaticano, para cerimônia, em maio |
Batizado de "Laudato Si" ("Louvado sejas", em italiano medieval), o documento empresta o título e parte do conteúdo do Cântico das Criaturas, poema de são Francisco de Assis no qual ele chama Sol, Lua e Terra de irmãos.
Apesar do lirismo, a encíclica, dirigida ao mundo todo e não só aos católicos, faz um ataque contundente à forma como as nações, sobretudo as mais ricas, lidam com a questão ambiental.
A raiz do problema, segundo Francisco, é a submissão da sobrevivência das pessoas e das demais criaturas a interesses puramente econômicos, pautados por um avanço tecnológico desenfreado que não tem referencial ético claro para lhe servir de freio.
"Há um esforço de convergência entre posições culturais tidas como opostas. A tradição mística cristã se encontra com o desejo atual de alternativa ao consumismo e à mercantilização das coisas", diz Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
HERDEIRO DE BENTO
É raro que se apontem semelhanças entre Francisco e seu cerebral predecessor, o alemão Bento 16, mas o ponto mais surpreendente da encíclica talvez seja a retomada de temas centrais do magistério do papa que renunciou.
Francisco atribui parte da crise ambiental à prevalência do relativismo moral e filosófico —à ideia de que não existem certos e errados "naturais" e que, portanto, o ser humano teria liberdade absoluta para fazer o que quiser consigo e com o mundo.
Para ambos os pontífices, essa é uma ideia desastrosa, por não levar em conta os limites impostos pela natureza —e pela sabedoria divina— aos desejos humanos.
"A encíclica pode ser resumida à frase 'tudo está conectado'", diz Rodrigo Coppe Caldeira, especialista em história do catolicismo da PUC-MG. "O papa aponta a hipocrisia de tratar dos problemas ecológicos sem considerar, por exemplo, os pobres ou os embriões descartados."
Apesar de ressaltar que não cabe à Igreja Católica tomar partido em debates científicos ou políticos, mas sim fomentar o diálogo, o papa argentino assinala que, nos debates diplomáticos sobre a mudança climática, as nações pobres não podem ser penalizadas economicamente por um problema que deriva, em grande parte, da poluição gerada em países ricos.
"Trata-se talvez do primeiro pronunciamento de uma autoridade internacional que admite não haver saída a não ser a aceitação de algum 'decrescimento' pelas sociedades de superabundância em favor do avanço dos mais vulneráveis", diz o ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero. "Soará utópico; prefiro dizer que é 'profético'."