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    Dilma enfrentará em viagem a assombração de Blair House

    MATIAS SPEKTOR
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/06/2015 02h00

    Nesta segunda (29), Dilma dormirá em Blair House, o prestigiado anexo da Casa Branca. Ali pernoitaram dezenas de chefes de Estado, inclusive Lula e FHC.

    Durante a noite, a presidente enfrentará uma tenebrosa assombração. Afinal, foi para Blair House que Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) se dirigiu em busca de apoio americano durante o auge do regime militar.

    Os segredos da repressão da ditadura militar brasileira começavam então a vazar. Na Europa e nos Estados Unidos, denúncias na imprensa revelavam as cenas do horror.

    No Congresso americano, uma comissão fora instalada para investigar o assunto.

    Era dezembro de 1971. Dilma Rousseff estava prestes a completar 24 anos e passara meses sob uma dieta de socos, eletrochoques, palmatória e pau de arara.

    Seu torturador mais recorrente, o capitão Benoni de Arruda Albernaz, era chefe de interrogatório da Operação Bandeirante, a temida Oban. A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil sabia o que acontecia naquele porão.

    Médici foi aos Estados Unidos na tentativa de estancar o problema porque sabia ter a simpatia do presidente Richard Nixon (1913-1994).

    Nixon entendia pouco ou nada de Brasil, mas temia a expansão do experimento socialista do então presidente chileno Salvador Allende (1908-1973) por toda a América Latina.

    Médici fez questão de hospedar-se em Blair House porque ali encontraria o manto de legitimidade de que seu regime precisava para seguir tocando as atividades clandestinas da Oban e tantas outras operações de terror.

    Nixon estava encantado com o visitante brasileiro. Num brinde, ele afirmou: "Para onde for o Brasil irá a América Latina".

    Na intimidade de sua residência, o presidente americano confidenciou a seu chefe de gabinete que ideal seria se Médici "governasse todo o continente".

    Dias depois, Nixon diria para o primeiro-ministro do Reino Unido: "O Brasil é a chave do futuro".

    Médici soube tirar proveito da situação. Apresentou seu plano para lutar contra o que chamava de "infiltração" soviética, cubana e chinesa na América do Sul.

    Quando alguém sinalizou a possibilidade de desacordo entre Brasília e Washington, o general abriu o sorriso que lhe era peculiar.

    "Qualquer desentendimento entre os Estados Unidos e o Brasil", disse, bonachão, "deve ser considerado uma briga de amantes".

    "Sim", respondeu-lhe um assessor de Nixon. "Qualquer discórdia entre nós será mantida em família."

    Médici tinha faro para a política americana. Por isso, chegou a Washington com recursos para desembolsar.

    Durante a visita, acertou uma grande compra de aviões de guerra, sete contratorpedeiros e sete submarinos.

    Meses mais tarde, quando Nixon o consultou sobre a situação no Chile, o general sabia o que dizer com exatidão.

    "É necessário fazer alguma coisa, mas é muito importante que seja feito com muita discrição e cuidado."

    E assim foi. Allende caiu pouco depois, dando lugar a Augusto Pinochet (1915-2006), cuja ascensão teve apoio brasileiro e americano.

    Imagine por um instante que amanhã Dilma decidisse enfrentar os fantasmas de Blair House em nome da nação que representa.

    E, antes de deixar sua hospedagem, anunciasse um plano para erradicar a tortura em todas as instalações do Estado brasileiro.

    A medida chega com 45 anos de atraso. Mas seria uma verdadeira revolução.

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