Banners espalhados pelo aeroporto do Cairo, carimbo especial para o visto de entrada e outdoors estrategicamente postos no caminho até o centro da cidade anunciam a quem chega que o Egito entrega nesta quinta (6) seu "presente para o mundo".
É assim que a expansão do canal de Suez, que permitirá dobrar até 2023 o fluxo diário de embarcações, tem sido vendida ao público externo pelo presidente Abdel Fattah al-Sisi, alvo de críticas por seu governo autoritário.
Para o público interno, a promessa é que o Novo Canal de Suez, como vem sendo chamado, significará o "renascimento do Egito", país que enfrenta instabilidade política desde 2011, após a queda do regime do ditador Hosni Mubarak, e insegurança –além de desemprego de 13% e inflação acima de 11%.
A seu favor, Al-Sisi tem o fato de ter concluído uma obra dessa magnitude em um terço do tempo inicialmente estimado –foi feita em apenas um dos três anos previstos– e de os US$ 8,5 bilhões gastos no projeto terem sido arrecadados com a venda de certificados de investimento em apenas oito dias em 2014.
A obra permitirá, segundo estimativas do governo, um aumento na arrecadação de US$ 5,3 bilhões para US$ 13,2 bilhões até 2023.
Para Angus Blair, presidente do Instituto Signet, no Cairo, o discurso de afirmação e de forte carga patriótica pode melhorar a imagem de Al-Sisi dentro e fora do país.
"É um projeto nacional, construído em tempo muito curto, do qual os egípcios estão muito orgulhosos e que está fazendo com que os investidores olhem o Egito de forma mais séria –e isso é difícil de colocar em números", afirmou Blair à Folha.
O especialista em política e economia do Egito Amr Adly, do programa de Oriente Médio do Centro Carnegie, também acredita que o presidente pode conseguir uma "espécie de legitimidade" com o projeto –mas aposta que os efeitos positivos não devem durar muito.
"Pode ajudar a curto prazo, porque o ganho econômico não conseguirá responder às várias questões sobre a inclusão de diferentes forças políticas e sociais e à deterioração da situação dos direitos humanos no país", diz.
No poder desde que liderou a deposição do islamita eleito Mohammed Mursi, em julho de 2013, o ex-chefe do Exército Al-Sisi declarou a Irmandade Muçulmana grupo terrorista, marginalizando seus seguidores, e endureceu a resposta a opositores.
Para a cerimônia de inauguração, nesta quinta, em Ismailia, na margem ocidental do canal, Al-Sisi conseguiu garantir as presenças do presidente francês, François Hollande, e do premiê russo, Dmitri Medvedev. Participarão ainda o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e o premiê grego, Alexis Tsipras.
ESTIMATIVA AMBICIOSA
A expansão do canal de Suez envolveu a construção de uma nova "faixa", de 35 km, paralela ao canal já existente, e a dragagem de um trecho de 37 km para torná-lo mais profundo e largo, permitindo a travessia de navios maiores. Segundo o governo, foram retirados 260 milhões de metros cúbicos de areia.
Com isso, em mais da metade (115,5 km) dos 193 km do trajeto poderá ocorrer a passagem simultânea de embarcações nos dois sentidos.
A estimativa é que, até 2023, o número de embarcações que cruzam o canal por dia passe de 49 para 97.
Apesar da euforia do governo, especialistas veem com reticência as projeções de aumento do fluxo. "Mesmo se o comércio marítimo continuar a crescer a 3% ao ano, parece ambicioso prever o dobro de embarcações cruzando o canal", afirma Simon Bennett, da Câmara Internacional de Marinha Mercante.
Amr Adly lembra que o aumento do fluxo depende de diversos fatores que vão além da expansão física do canal. "É difícil dizer se as projeções são realistas, pois o aumento estará ligado, por exemplo, ao crescimento do comércio internacional na próxima década e ao preço do petróleo, que representa quase um terço do que passa pelo canal."
A repórter ISABEL FLECK viajou a convite da Autoridade do Canal de Suez