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    Antes quase anônimo, Leopoldo López vira símbolo da oposição venezuelana

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    11/08/2015 02h00

    Leopoldo López era um político irrelevante fora da Venezuela até um ano e meio atrás. Seu maior feito era ter sido reeleito à Prefeitura de Chacao, pequeno município do distrito de Caracas, que administrou até 2008.

    Hoje, ele tem apoio declarado de dezenas de governos e de ex-presidentes. Seu rosto aparece em jornais do mundo inteiro. Muitos venezuelanos o veem como o maior líder do país.

    Jorge Silva - 12.fev.2014/Reuters
    Leopoldo López durante protesto contra o governo em Caracas, na Venezuela, em fevereiro de 2014
    Leopoldo López durante protesto contra o governo em Caracas, na Venezuela, em fevereiro de 2014

    A virada tomou forma em 18 de fevereiro de 2014, quando López entregou-se à Justiça e foi levado a uma cadeia militar, tornando-se o símbolo mais visível do cerco à oposição venezuelana.

    O governo de Nicolás Maduro o acusou de ter instigado protestos estudantis que se arrastaram até maio daquele ano, com 43 mortos, entre manifestantes e policiais.

    Segundo o governo, López semeou o caos para propiciar um golpe de Estado.

    Para simpatizantes do opositor, trata-se de um preso político vítima de uma farsa jurídica que visa puni-lo por ter convocado a juventude a exercer o direito de protestar contra Maduro. O julgamento avança lentamente.

    Mas a prisão também permitiu a López iniciar uma campanha, conduzida por parentes e aliados, que busca canalizar a adversidade do momento para transformá-la em combustível político no caminho rumo à Presidência da Venezuela, seu objetivo declarado.

    Miguel Gutiérrez-5.jun.15/Efe
    Lilian Tintori, mulher do opositor venezuelano preso Leopoldo López, fala à imprensa no último dia 5
    Lilian Tintori, mulher do opositor venezuelano preso Leopoldo López, fala à imprensa no dia 5 de junho

    Desde que foi preso, López saiu da sombra de seu rival na oposição Henrique Capriles, candidato derrotado em duas eleições presidenciais, e hoje o supera em popularidade –40,1% contra 37,5%, segundo pesquisa mais recente do Datanálisis. Maduro tem 28,5%.

    O protagonismo de López preocupa Capriles, expoente da oposição contrária a protestos violentos. Ele contratou o marqueteiro brasileiro Renato Pereira (que trabalhou com Aécio Neves) para tentar recuperar apoio e visibilidade.

    "López é como uma bolha de ar. Se você o tirar da prisão, ele esvazia", afirma fonte ligada a Capriles.

    A estratégia pró-López mistura apoio externo, indispensável num país sob crescente censura, e táticas de comunicação pública com apelo emocional.

    A porta-voz da causa é a mulher e mãe dos dois filhos de López, Lilian Tintori, 37, ex-apresentadora de TV.

    "Leopoldo acredita que, se o seu encarceramento servir para libertar o povo venezuelano, então valerá a pena", afirma Tintori, ecoando a imagem de sacrifício que ela dissemina em constantes viagens ao exterior.

    Com status de autoridade, Tintori já obteve audiências com o papa Francisco, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, e o premiê espanhol, Mariano Rajoy.

    Infográfico DISPUTA INTERNA - Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

    Ela também discursou na ONU e foi recebida no Parlamento Europeu.

    No Brasil, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), lhe deram tratamento de celebridade.

    Em junho, Tintori recebeu em Caracas duas delegações do Senado brasileiro. A primeira, liderada por Aécio Neves (PSDB-MG), quis ir até a prisão de López, mas foi impedida de sair do aeroporto por um engarrafamento provocado pela polícia.

    A segunda, liderada por Roberto Requião (PMDB-PR), ensaiou mediação entre oposição e governo.

    QUERO SER MANDELA

    "Lilian tem levantado com garra a bandeira dos presos políticos venezuelanos, e eu sinto-me honrado em poder ajudar a destacar esta luta no plano internacional", diz o advogado e ex-ministro canadense Irwin Cotler, que afirma não cobrar pela assessoria à causa de López.

    Por ter integrado a equipe de defesa de Nelson Mandela (1918-2013), Cotler reforça a narrativa voltada para o exterior que associa o histórico líder sul-africano a López.

    A premissa é que o venezuelano também é um prisioneiro de consciência cuja perseverança será recompensada com a queda do governo inimigo –e a chegada ao poder.

    "Leopoldo defende as mesmas ideias que Mandela. Ambos lutam pela justiça", diz Guillermo Seijas, médico pessoal de López, ecoando ideia martelada pela militância.

    Cotler se diz desconfortável com o paralelo, mas ressalta que "López, assim como Mandela, representa esperança".

    No plano interno, Tintori conduz manifestações de rua, todas pacíficas. Sua fala em público é segura e articulada.

    A cada protesto, ela entoa um pai-nosso em coro com os simpatizantes, muitos dos quais choram. "Tintori representa a mãe-coragem, que cria filhos pequenos no meio de um calvário", afirma o analista Oswaldo Ramírez, da ORC Consultores.

    Tintori costuma aparecer em público vestida de branco. É o mesmo visual que López havia escolhido para se apresentar às autoridades, após passar seis dias foragido.

    A entrega, cujo local e horário haviam sido anunciados, ocorreu diante de uma multidão em transe.

    Críticos lembram que López não estaria preso se tivesse aceitado oferta do governo para se exilar após o início dos protestos. Um ex-assessor explica que ele "calculou que entregar-se geraria melhores frutos políticos".

    Segundo aliados, a vitória mais tangível foi a greve de fome de 30 dias na qual López exigiu que a data da eleição parlamentar fosse anunciada, em meio a temores de cancelamento do pleito.

    O político voltou a comer um dia após o governo fixar o pleito para 6 de dezembro.

    O analista Luis Vicente León, do Datanálisis, vê López fortalecido. "A população se conecta facilmente com um líder mártir, é uma solidariedade primária com a valentia".

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    SÍMBOLOS AJUDAM LEOPOLDO LÓPEZ
    Estratégia faz preso político crescer entre a oposição

    Cor da paz
    López entregou-se à Justiça de branco e aparece como tal em todas as fotos e vídeos da cadeia; sua mulher só aparece em público de branco; camisetas brancas são distribuídas nas marchas

    Religiosidade
    López e sua mulher sempre ostentam uma cruz tau, símbolo franciscano que remete à devoção e perseverança; retórica católica é onipresente nas marchas, nas quais sempre se reza o pai-nosso

    Frases de López
    "Aquele que se cansa perde" (slogan de uma grife de camisetas, do qual López se apropriou);
    "Querer uma Venezuela melhor não é crime"
    "Força e fé"

    Alcance global
    Causa da libertação de Leopoldo López cresceu com apoio de celebridades e dezenas de líderes políticos estrangeiros; sua mulher, Lilian Tintori, foi recebida na ONU, na União Europeia e por diversos Parlamentos, inclusive o brasileiro

    Greve de fome
    López não se alimentou por um mês, aumentando atenções e mobilizando simpatizantes; pressão levou governo a anunciar data da eleição?parlamentar

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    OUTROS OPOSITORES QUE JÁ FORAM PRESOS

    Daniel Ceballos, 31 (preso)
    Ex-prefeito de San Cristóbal, foi preso em março de 2014 e destituído; condenado por desacato e conspiração, foi transferido de Ramo Verde para uma das prisões mais violentas do país. Fez greve de fome contra a mudança

    Antonio Ledezma, 60 (preso)
    Prefeito da região metropolitana de Caracas, foi preso em 19 de fevereiro deste ano, acusado de tramar golpe contra Maduro. Cumpre prisão domiciliar depois de fazer cirurgia para retirada de hérnia inguinal

    Enzo Scarano, 52 (solto)
    Ex-prefeito de San Diego, preso em março passado, foi condenado por não acatar ordem para desimpedir vias públicas nas manifestações de fevereiro de 2014. Foi libertado em fevereiro, mas perdeu seus direitos políticos

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