A morte de 12 pessoas na Turquia, simbolizada pela imagem do corpo de Aylan Kurdi, de três anos, à beira do mar, escancarou a tragédia dos milhares de refugiados que tentam chegar à Europa.
A foto da criança foi registrada nesta quarta-feira (2) numa praia na região de Bodrum e divulgada pela agência de notícias turca DHA.
Os 12 foram identificados como sírios que estavam em dois barcos que naufragaram com 23 pessoas em direção à ilha grega de Kos.
As imagens espalharam-se pelas redes sociais e ganharam repercussão no momento em que a Europa discute como lidar com o que considera a maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra.
O menino está de camiseta vermelha, bermuda e tênis. Numa das imagens, o seu corpo está sozinho, à beira do mar. Em outra, ele é carregado por um policial.
Com base no relato de parentes, a mídia turca identificou a criança. Um irmão dele de cinco anos e a mãe, identificada como Rihan, também morreram, segundo a imprensa turca. O pai, Abdullah Kurdi, sobreviveu.
Segundo o noticiário local, eles fugiram para a Turquia no ano passado após deixarem a cidade síria de Kobani para escapar do conflito com o Estado Islâmico (EI).
A imagem foi um dos assuntos mais comentados das redes sociais, com a hashtag #KiyiyaVuranInsanlik (algo como "a humanidade levada pelas ondas", em turco).
Esses 12 mortos se somam à estimativa de pelo menos 2.600 pessoas que morreram neste ano tentando chegar à Europa pelo mar, segundo dados da OIM (Organização Internacional de Migração).
Estima-se que mais de 300 mil pessoas tenham feito a travessia em 2015, muitas delas fugindo de países em conflito como Síria e Afeganistão, e outras milhares, de países africanos, sobretudo da África subsaariana.
Na semana passada, um caminhão com 71 corpos em decomposição, provavelmente sírios, foi encontrado abandonado numa estrada na Áustria na região da fronteira com a Hungria.
A Turquia tem se tornado o primeiro ponto de parada de muitos refugiados sírios. Dali, eles tentam chegar a países como a Grécia, de onde buscam seguir viagem para regiões mais ricas da Europa, como a Alemanha, que deve receber somente neste ano 800 mil pedidos de asilo.
COMOÇÃO
A divulgação da imagem da criança morta por veículos de mídia do mundo todo, de diferentes linhas editoriais, e por usuários de redes sociais ocorreu em meio a debates sobre a necessidade de expor imagem tão agressiva.
Para a professora de direito Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), é delicada a decisão.
"Os parâmetros de proteção do direito da criança e do adolescente não tratam especificamente desse ponto" afirma.
"A divulgação da imagem ou não, portanto, não se reflete especificamente sobre o direito dessa criança, mas sim sobre um debate necessário da situação de violência e vulnerabilidade, como é a dos refugiados."
Machado diz que há "prós" e "contras" à difusão da imagem, mas afirma que a foto pode ajudar a sensibilizar governos a agirem de forma "mais incisiva na proteção dos direitos da criança".
O jornalista Eder Chiodetto, ex-editor de Fotografia da Folha e curador, defende a divulgação.
"Uma coisa seria publicar essa imagem caso o garoto tivesse morrido acidentalmente na praia. Mas aqui se trata de uma situação absurda, em que pessoas aos milhares estão fugindo desesperadamente de sua própria nação por causa de uma situação de opressão, de ameaça à integridade", diz.
Em 2014, ao menos 24 mil crianças e adolescentes fizeram a travessia pelo Mediterrâneo. Metade sem os pais.