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    ANÁLISE

    Ação da Rússia na Síria pode reconfigurar região

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    14/09/2015 02h00

    Sob intensa pressão interna, o presidente Vladimir Putin parece ter tomado uma das mais ambiciosas e perigosas decisões de seu reinado como "czar" da Rússia pós-soviética: resolveu intervir na guerra civil da Síria.

    Como disse neste domingo (13) o comandante da Otan (a aliança militar ocidental), general Philip Breedlove, ninguém sabe o que está acontecendo, mas o aumento de atividade russa é visível.

    Essa cortina de segredo é um trunfo para Putin, como foi em vitórias táticas anteriores, como a guerra contra a Geórgia em 2008 ou a anexação da Crimeia em 2014.

    Por todos os relatos disponíveis, nas últimas semanas a Rússia começou a estabelecer uma base aérea em Jableh, na província da minoria alauita de Latakia, o berço da família do acuado ditador Bashar al-Assad.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Uma pista está sendo ampliada e recebeu um centro móvel de controle de tráfego aéreo. Observadores israelenses apontam a chegada de seis interceptadores MiG-31. Soldados e baterias antiaéreas sofisticadas já foram enviados ou estão a caminho.

    Desde 2011, Putin evitou intervir diretamente em favor de seu aliado Assad, embora tenha sido central para desviar um ataque americano.

    A emergência da facção terrorista Estado Islâmico deu a senha para bombardeios ocidentais, embora os interesses sejam divergentes –EUA querem Assad fora para enfraquecer o Irã, turcos atacam curdos e por aí vai.

    12.set.2015/AFP
    Avião russo com ajuda humanitária é descarregado no aeroporto de Latakia, na Síria
    Avião russo com ajuda humanitária é descarregado no aeroporto de Latakia, na Síria

    A situação de Putin piorou. A anexação da Crimeia e a guerra civil ucraniana levaram a sanções debilitantes, assim como o baixo preço do petróleo e gás que movem a economia russa.

    O compromisso de Moscou, dizem analistas russos, é manter Assad vivo, mas não necessariamente na Presidência. As ações aéreas salvariam as Forças Armadas sírias, mas talvez com um novo regime que exclua os extremistas tanto do EI quanto aqueles apoiados pelos EUA.

    O poder aéreo russo, se usado, atrapalha o Ocidente, que não poderá decretar zonas de exclusão sob risco de confrontar a segunda potência nuclear do planeta.

    O risco: sem estar no alvo de aviões ocidentais supostamente combatendo o EI, as forças de Assad podem promover massacres. A violência, aliás, deverá escalar com o apoio russo como um todo.

    Moscou também tem interesse em destruir o EI por temer sua infiltração nas turbulentas áreas muçulmanas sob seu controle no Cáucaso.

    Aqui, o problema é como lidar com a vontade do Irã, maior aliado russo na região, que é adversário nominal do EI mas parece apostar na divisão sectária da Síria.

    Assad só resiste no poder devido ao apoio militar de Teerã, via forças xiitas irregulares, tanto iranianas quanto do libanês Hizbullah.

    A partilha recriaria o mapa da região, mas poderia levar a uma instabilidade ainda maior no escopo da disputa entre sunitas liderados pela Arábia Saudita e xiitas sob o Irã. Para Putin, esse cenário só é bom porque levará ao aumento do preço do petróleo.

    Sem falar no endurecimento político de Israel, que vê preocupado a confusão ao redor, que deve recrudescer o conflito com os palestinos.

    Infográfico Forças russas pelo mundo

    Se ajudar a pacificar a Síria de alguma forma, Putin ainda ganhará pontos com seus poucos amigos na Europa, ajudando a refrear a crise decorrente do influxo de refugiados do país. A questão ucraniana poderia ser tratada com mais diplomacia e as sanções, talvez levantadas.

    Há ainda um ganho estratégico caso Moscou se estabeleça em Latakia, com uma base aeronaval perto de rotas de exportação de hidrocarbonetos russos e asiáticos do estreito do Bósforo, na Turquia.

    Hoje, sua presença no Mediterrâneo é limitada à pequena base de Tartus, na Síria, que por sinal também está recebendo melhorias.

    A teia de interesses é enorme, frágil e coberta de segredo. Mas é dela que poderá sair a nova configuração estratégica do Oriente Médio e o destino do poderio de Putin.

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