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    Diplomatas temem 'calote seletivo' do Brasil a instituições internacionais

    MARCELO NINIO
    DE WASHINGTON

    01/11/2015 02h00

    Com uma dívida bilionária em contribuições a organismos internacionais, o governo brasileiro estuda a criação de uma comissão interministerial para estabelecer uma escala de prioridades nos pagamentos. Segundo dados do ministério do Planejamento, no fim de julho a dívida total do Brasil passava de R$ 2,7 bilhões, pelo câmbio atual.

    As dificuldades do país em pagar suas contribuições aos organismos, agravadas com o aumento das dívidas devido à desvalorização do real, têm arranhado a imagem do Brasil no exterior e limitado a ação diplomática do país, chegando a ser motivo de chacota em reuniões.

    Li Muzi/Xinhua
    Dilma Rousseff discursa na Assembleia-Geral da ONU; dívida com a organização chega a R$ 607 mi
    Dilma Rousseff discursa na Assembleia-Geral da ONU; dívida com a organização chega a R$ 607 mi

    A proposta da comissão interministerial causou preocupação entre alguns diplomatas, temerosos de que uma avaliação puramente financeira, sem o conhecimento das obrigações do Brasil em acordos internacionais, possa levar a um calote seletivo decretado por uma aliança entre os ministérios do Planejamento e da Fazenda.

    A minuta do decreto ao qual a Folha teve acesso explica que a proposta "foi motivada pelo protagonismo brasileiro nos órgãos internacionais", numa referência à expansão da ação internacional do país nos últimos anos, que significou também um aumento nas despesas.

    O TOP FIVE DAS DÍVIDAS BRASILEIRAS - Maiores débitos com organismos internacionais, em R$ milhões*

    Em seguida, no artigo 7º, estabelece que será da competência da comissão "recomendar critérios ou requisitos para as propostas de adesão a novos organismos internacionais, deliberar sobre aumentos nas contribuições já estabelecidas, bem como rever, periodicamente, a oportunidade de manter a participação naqueles aos quais o país já está vinculado".

    O decreto propõe que a comissão, que já passou por várias versões, seja composta pelos ministérios do Planejamento, da Fazenda, das Relações Exteriores e da Casa Civil. No Itamaraty, que acompanha 78 organismos internacionais (o pagamento é atribuição do Planejamento), há opiniões divergentes.

    Alguns consideram que a proposta pode ser válida, se tornar o processo mais transparente, enquanto outros fazem campanha para que seja derrubada, por receio de que o Itamaraty seria voto vencido diante das considerações orçamentárias do Planejamento e da Fazenda.

    A preocupação tem base na resistência do Planejamento em efetuar alguns pagamentos. Num exemplo recente, o Itamaraty teve de se esforçar para justificar as contribuições do Brasil às operações de paz da ONU.

    Buscando uma brecha para evitar a contribuição, num momento de aperto nas finanças do governo, o Planejamento insistia em saber qual é a base legal para o pagamento, resistindo a aceitar o argumento dos diplomatas de que era a Carta da ONU. Até 30 de julho, o Brasil acumulava uma dívida de cerca de US$ 100 milhões às missões de paz (R$ 386 milhões).

    Na mesma data, de acordo com planilha elaborada pelo Ministério do Planejamento a pedido do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), a dívida do Brasil com o orçamento regular da ONU somava US$ 156,4 milhões. A Folha pediu à pasta os números atuais, mas não teve resposta.

    TEMPESTADE PERFEITA

    Em meio à crise econômica e ao rombo nas contas públicas, o Brasil ainda terá de arcar com uma contribuição maior à ONU no próximo biênio 2016-2017. De acordo com a metodologia que calcula a cota de cada país, serão considerados dados econômicos entre 2008 e 2013, anos em que o Brasil tinha boas taxas de crescimento do PIB.

    O resultado é a "tempestade perfeita", como definiu um diplomata: enquanto no mundo real o Brasil vai terminar o ano caindo de sétima para a nona economia do mundo, segundo o FMI, na ONU subirá de décimo para sétimo maior contribuinte.

    Além disso, há uma pressão de países desenvolvidos, como EUA, Alemanha, França e Japão, para elevar a cota de países em desenvolvimento, como o Brasil.

    A negociação sobre o próximo orçamento da ONU e a divisão das cotas, já em andamento, promete ser ferrenha. Na última, em 2013, negociadores passaram o Natal nas Nações Unidas, e um acordo só saiu no dia 29.

    Além do peso ao caixa do governo, a questão das dívidas nas organizações internacionais virou motivo de constrangimento.

    Na OEA (Organização dos Estados Americanos), as finanças foram afetadas pelo débito do Brasil, de US$ 15,29 milhões, já que o país é o segundo maior contribuinte, só atrás dos Estados Unidos.

    "Tenho de ouvir gracinhas por causa da nossa dívida", conta um brasileiro que trabalhou 15 anos na OEA e não teve o contrato renovado devido ao aperto financeiro. "Nunca vi a imagem do Brasil tão por baixo", diz ele, pedindo anonimato.

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