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    Intervencionismo põe França na mira de extremistas, diz cientista político

    ANGELA BOLDRINI
    PHILIPPE SCERB
    DE SÃO PAULO

    16/11/2015 02h00

    Cientista político e diretor da pós-graduação em relações internacionais do Instituto de Estudos Políticos de Paris, a Sciences Po, o francês Bertrand Badie, 65, afirma acreditar que o ataque de sexta-feira (13), que matou mais de 120 pessoas na capital francesa, tem suas raízes na política externa do país, mais intervencionista que a de seus aliados.

    Ele alerta para uma mudança na estratégia do Estado Islâmico (EI), que se internacionaliza e ganha agilidade de reação, e afirma temer reações contra os refugiados.

    "Há um setor populista que ficará muito feliz de poder reivindicar mais firmeza na questão dos refugiados."

    *

    Folha - Por que o Estado Islâmico decidiu atacar agora?
    Bertrand Badie - É extremamente claro. É a intervenção francesa na Síria e no Iraque, e, como pano de fundo, a política de intervenção geral da França, especialmente no Mali. Há, de qualquer forma, uma aceleração das reações do Estado Islâmico: em uma semana um avião russo foi abatido, provavelmente em um atentado do EI, e em seguida houve o ataque contra o Hizbullah [organização xiita do Líbano], reivindicado por eles.

    O que mostra essa aceleração?
    Que eles estão mudando de estratégia, internacionalizando-a. Provavelmente porque o EI se sente ameaçado pelos ataques em seus territórios e também porque há vontade estratégica de mostrar que não é só um conflito localizado na Síria e no Iraque, mas que se opõe, como eles dizem, a todo o mundo dos "cruzados".

    Por que as medidas de segurança tomadas depois dos atentados de janeiro não funcionaram?
    Porque ninguém sabe lutar contra esse tipo de violência.

    Givaldo Barbosa - 31.jan.2011/Agência O Globo
    O cientista político e diretor de pós-graduação da Sciences Po, Bertrand Badie
    O cientista político e diretor de pós-graduação da Sciences Po, Bertrand Badie

    Como você quer lutar contra indivíduos que estão dispostos a dar a vida para matar? Eu acho que são a política externa da França e, talvez, sua política de integração nacional que devem ser revistas, mais do que a política repressiva, que muito dificilmente é 100% exitosa.

    Por que os atentados visaram a França, e não outros países que lutam contra o EI?
    Porque a França tem uma política internacional muito mais favorável à intervenção exterior, particularmente no Oriente Médio, que os outros países ocidentais. Todo mundo sabe das reservas de Barack Obama, que ficou um pouco sem opção quanto a se engajar nessa ação por causa da execução terrível do jornalista americano James Foley [decapitado pelo EI em 2014].

    A maioria da Europa, que, como a Alemanha, é não intervencionista, fica bem menos exposta que a França.

    O governo francês escolheu, paradoxalmente, intervir contra o regime do sírio Bashar al-Assad, em agosto de 2013, mas não não foi seguido por ninguém [e desistiu], e depois contra o Estado Islâmico, em 2014.

    Recentemente, ainda deu um passo além, deixando de atuar só no Iraque para agir sobre o território sírio. Tudo isso mostra um nível de intervenção muito maior.

    A França também está em conflitos na África...
    As ações no Oriente Médio são reforçadas por uma intervenção no Sahel [região da África subsaariana] e na República Centro-Africana. E a França tem um papel importante na tentativa de parar o grupo nigeriano Boko Haram, que é aliado do EI.

    Por que o governo francês adota essa política?
    A França, na época que o neoconservadorismo estava no poder nos Estados Unidos, era muito crítica à política de intervenção americana. Nós nos lembramos da hostilidade do ex-presidente Jacques Chirac [1995 a 2007] à entrada no Iraque.

    E, depois, quando esses neoconservadores saíram da Casa Branca, a impressão é que os franceses não perceberam a mudança de direção da política externa norte-americana.

    Os sucessores de Chirac, Nicolas Sarkozy e François Hollande, parecem na verdade se aproximar do modelo neoconservador, como se ele tivesse atravessado o Atlântico e viesse se posicionar aqui.

    Há muitas razões para isso, dentre as quais o afastamento do modelo gaullista [relativo a Charles de Gaulle, presidente de 1959 a 1969]. Sarkozy e Hollande são de uma geração que não conheceu a guerra e foram extremamente influenciados por esse modelo americano.
    Há ainda essa ideia messiânica de que os países ocidentais têm um papel de zelar pelos direitos do homem, pela civilização ocidental e pela democracia.

    Não é curioso que Hollande, um socialista, se volte para o neoconservadorismo?
    Ele parece estar se voltando para um socialismo anterior a de Gaulle, do atlantismo e da ocidentalidade, temas frequentes de seu modelo.

    Eles explicam por que ele e o Partido Socialista estão cada vez mais em oposição à esquerda radical, que é muito hostil ao neoconservadorismo.

    Há ainda outro elemento: a França se ressente de ter sido conquistada pela Alemanha e, diante do sucesso econômico do vizinho, Hollande quer impor um sucesso militar, para compensar a fraqueza da economia francesa com o Exército. Isso tem se tornado cada vez mais recorrente em sua política externa.

    Como a comunidade internacional deve reagir aos ataques?
    É difícil imaginar, porque estamos diante de um ineditismo: a internacionalização de um conflito que tocou todo o mundo europeu e norte-americano e que pode desestabilizar fortemente essas sociedades.

    As potências não têm o hábito de combater inimigos que não têm a mesma natureza que elas, as mesmas armas, o mesmo modelo de Estado, então não sabem como medir o conflito e as consequências que pode ter.

    É possível dizer que a França está em guerra?
    Essa é uma frase que tem sido usado o tempo todo depois dos atentados, na imprensa e na política –que "a França está em guerra".

    Esse discurso é muito perigoso, porque não é uma guerra como nos lembramos, em que o país defronta outra nação e seu Exército. É uma violência difusa, com adversários difíceis de identificar.

    Dizer que a França está em guerra contra o EI é arriscado porque seria uma guerra que não se pode ganhar, justamente por não ser como as outras, que podem ser vencidas com poderio militar.

    Qual caminho pode ser tomado?
    A única maneira possível de progredir é a do multilateralismo. Toda intervenção que não é multilateral é uma intervenção de potência, que faz mais mal que bem.

    A França é confrontada agora com uma escolha: ou segue no seu caminho ou se aproxima dos colegas europeus e americanos –e de potências emergentes como Brasil ou África do Sul– e passa a pensar que esses conflitos não podem ser resolvidos pela lógica militar, que não são nossos e não podemos adotá-los como se fossem.

    Mas como lidar com grupos violentos sem usar a força?
    Se esses empreendimentos violentos dão certo é porque em sua base há um problema social muito grave. Deve-se começar a atacar isso diretamente: a insegurança humana e sanitária, a pobreza, o desemprego, a falta de futuro.

    E não digo que não devemos usar força contra organizações violentas, mas será que ela tem que ser aplicada por uma só potência? E por que a França mais que o Brasil, o Japão, a China? Será que não é esse o trabalho de organizações regionais ou globais, como a ONU?

    Qual será a consequência dos atentados para os refugiados?
    Já começaram a relacionar alguns terroristas aos refugiados que chegaram da Síria e do resto do Oriente Médio. Certamente, há um grande risco de que setores da opinião pública usem o que ocorreu para pedir maior vigilância e contenção do fluxo de refugiados.

    É um argumento que pode alimentar populistas xenófobos na Europa, que ficarão muito felizes de encontrar um modo de reivindicar firmeza nessa questão.

    E para muçulmanos franceses?
    Há um risco também muito grande do crescimento da islamofobia na França, porque a opinião pública está chocada, e alguns líderes, especialmente na extrema direita, irão denunciar não o EI, mas o islã como responsável.

    Isso pode acabar excluindo ainda mais a comunidade muçulmana, tornar mais difícil sua liberdade de culto. É um risco que o governo francês tem obrigação de vigiar e inibir.

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