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    Pentágono oferecerá a soldados congelar óvulos e espermatozoides

    MICHAEL S. SCHMIDT
    DO "NEW YORK TIMES" EM WASHINGTON

    04/02/2016 12h12

    O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Ash Carter, acredita ter descoberto uma maneira de ajudar o Pentágono a manter seus soldados: o congelamento de óvulos e espermatozoides.

    Como parte de uma iniciativa para tornar o serviço militar mais atraente e menos sacrificado para as famílias, Carter criou um programa-piloto que pagará pela preservação das células reprodutivas dos militares do país.

    George Frey/Getty Images/AFP
    Militar caminha com os dois filhos no aeroporto de Salt Lake City após voltar de uma missão no Afeganistão
    Militar caminha com os dois filhos no aeroporto de Salt Lake City após voltar de missão no Afeganistão

    O objetivo é dar tranquilidade aos militares homens e mulheres, caso sejam feridos em batalha –centenas de veteranos sofreram ferimentos em seus órgãos reprodutores no Iraque e Afeganistão–, garantindo que ainda possam ter filhos.

    O programa também tem por objetivo encorajar as mulheres a permanecer nas Forças Armadas antes dos 30 e 40 anos, período em que muitas optam por deixar o serviço militar para ter filhos. Ao congelar seus óvulos, elas teriam a flexibilidade de continuar servindo no exterior ou de manter suas carreiras e postergar a decisão de engravidar.

    É 30% menor o número de mulheres que atingem dez anos de serviço nas Forças Armadas, em comparação com os homens.

    O Pentágono estima que o programa custaria cerca de US$ 150 milhões, em cinco anos. Ele será oferecido por meio do Tricare, o plano de saúde das Forças Armadas.

    Poucas empresas oferecem programas de congelamento de óvulos e espermatozoides, e por isso a iniciativa colocará o Pentágono –um dos maiores empregadores do planeta– na vanguarda sobre o tema, dizem ativistas da causa reprodutiva.

    Algumas empresas do Vale do Silício, como o Facebook, começaram a oferecer cobertura de custos para o congelamento de óvulos de suas funcionárias –o que pode ter um valor superior a US$ 10 mil– a fim de ajudar no recrutamento das melhores candidatas.

    QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS

    A iniciativa, mencionada inicialmente por Carter em um discurso na semana passada, contudo, desperta questões legais e éticas com as quais os funcionários do Departamento de Defesa terão de lidar.

    "Congelar óvulos e espermatozoides não é como congelar um filé de frango para o jantar", diz Arthur Caplan, professor de bioética no Centro Médico Langone, da Universidade de Nova York.

    "O que acontece se a pessoa morrer? Seu cônjuge poderá usá-los? E se a mãe de um soldado quiser netos e sua mulher não quiser filhos? Isso significa que os espermatozoides poderiam ser usados com uma mãe de aluguel? Se a pessoa vier a sofrer de deficiência cognitiva, o material poderá ser usado? E o que acontece caso a empresa que abriga os óvulos e espermatozoides vá à falência?", questiona Caplan.

    Segundo o especialista, a prática de congelar óvulos se popularizou apenas nos últimos cinco anos, e poderia ser mais problemática que o congelamento de espermatozoides –algo que já vem sendo feito há décadas. Ele disse que o Pentágono teria de informar aos militares que o congelamento de óvulos nem sempre é bem sucedido e que pode causar complicações.

    "Se seus óvulos não funcionam, você não descobrirá até os 39 anos de idade", disse Caplan.

    'DETALHES'

    Um porta-voz do Pentágono se recusou a comentar as questões éticas e legais, afirmando que os detalhes ainda estão sendo determinados. O Departamento de Defesa deve especificar o programa em um memorando de Carter a ser divulgado nas próximas semanas.

    O programa, que se aplica apenas a membros que estão ativos nas Forças Armadas, será reavaliado dentro de dois anos e, só então, poderia ser tornado permanente.

    "Como muitas famílias sabem perfeitamente bem, esses tratamentos são muito caros e frequentemente requerem múltiplas tentativas", disse o porta-voz, Matthew Allen. "Sabemos que oferecer esse benefício a todos os militares resultaria em um custo significativo para o departamento."

    "Além do custo, teríamos de compreender melhor a importância disso para nossas forças, bem como o impacto da medida sobre o recrutamento e retenção. Além de terapias hormonais e do congelamento de óvulos e espermatozoides, vamos continuar buscando maneiras de oferecer assistência adicional a esse tipo de tratamento no futuro", afirmou Allen.

    No pico das guerras do Iraque e Afeganistão, diversas empresas de congelamento criogênico se ofereceram para cobrir os custos de congelamento de células reprodutivas de soldados. Não está claro se soldados utilizaram esses materiais para conceber filhos. Nos últimos anos, alguns ativistas da fertilidade vêm fazendo campanha junto ao Departamento de Defesa pela cobertura dos custos desse tipo de processo.

    LICENÇA-MATERNIDADE E CRECHE

    Carter mencionou o programa em um discurso no Pentágono na semana passada. Delineando os esforços do Departamento de Defesa para melhorar a vida dos militares, ele se concentrou em licenças-maternidade mais longas, melhora nos serviços de creche e criação de salas de amamentação em instalações militares. Mencionou de passagem o congelamento de óvulos e espermatozoides.

    "O investimento também oferecerá maior flexibilidade para nossos soldados que desejam começar uma família, mas enfrentam dificuldade para isso em função do estágio em que se encontram em suas carreiras", disse Carter.

    "Especialmente para as mulheres que são oficiais de patente média e para os militares de patente mais baixa, o benefício demonstrará que compreendemos suas demandas e queremos ajudá-los a equilibrar seus compromissos com as Forças Armadas e com as suas famílias", disse Carter. "Queremos mantê-los nas Forças Armadas".

    Em novembro, Carter declarou que o Pentágono expandiria seus programas sabáticos para que mais militares pudessem adquirir experiência acadêmica ou em outros setores. Ele disse que as Forças Armadas estavam trabalhando para modernizar seus benefícios de aposentadoria e criando um programa em estilo "LinkedIn" para oferecer vagas de trabalho a militares. Em dezembro, ele abriu todas as posições de combate das Forças Armadas às mulheres.

    Sean Tipton, porta-voz da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, disse esperar que o resto do governo federal siga o exemplo das Forças Armadas.

    "Essa é a diferença entre um militar que retorna ao país poder ou não ter filhos", disse Tipton. "Acreditamos que o país tenha a obrigação de manter em plena saúde os seus militares, e criar famílias certamente é parte disso".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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