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    Novo governo espanhol planeja abolir a 'jornada da sesta'

    FERNANDA GODOY
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MADRI

    20/03/2016 02h00

    Mãe de três filhas com idades entre dois e nove anos, a pediatra Eva García Jaria, 43, sonha com o mesmo que 9 entre 10 dos espanhóis: um trabalho em horário contínuo, sem a pausa de três horas para almoço (herdeira da tradição da sesta) que estende a jornada até as 20h.

    "Chamamos isso de jornada partida e eterna. Com esse horário estendido você não tem vida, é impossível cuidar de filhos pequenos", diz Eva, que se conformou com um contrato de dez horas semanais para se dedicar às filhas.

    As jornadas longas e inflexíveis são consideradas o inimigo número 1 da conciliação entre trabalho e família na Espanha. Agora, elas entraram na mira da coalizão PSOE-Cidadãos, que negocia para formar o próximo governo.

    Os partidos estão preocupados com a baixa taxa de fecundidade na Espanha –1,3 filho por mulher, uma das mais baixas do mundo. O país precisaria de uma taxa de 2,1 para assegurar a reposição da população.

    Rosane Marinho/Folhapress
    10/03/2106 Editoria Mundo. Repórter Fernanda Godoy Matéria especial sobre conciliaçao familiar na Espanha. Na foto, Eva Garcia Jaria, pediatra, com as filhas Isabel (maior), Paula e Elza (domirnindo no carrinho) que foi obrigada a diminuir o horario de trabalho para cuidar das filhas. Foto: Rosane Marinho
    A pediatra Eva García Jaria com as filhas Isabel (esq.), Paula e Elza (no carrinho)

    A racionalização de horários e o aumento do tempo de licença por nascimento de filhos de 18 para 26 semanas estão entre as medidas propostas pelos dois partidos. Seus líderes são Pedro Sánchez, 44, e Albert Rivera, 36, ambos pais de crianças em idade escolar.

    A jornada partida, tipicamente de 9h às 20h com intervalo de 14h às 17h, é a mais comum na Espanha, sendo adotada em 40,2% dos postos de trabalho, segundo o Ministério do Trabalho. A jornada contínua iniciada de manhã, a mais desejada, é adotada em 28,7% das vagas.

    "Os horários são o principal obstáculo hoje à conciliação no país. Espanha e Portugal são os países da União Europeia com jornadas mais rígidas. Isso coloca dificuldades importantíssimas", diz Mariano Martínez Aedo, vice-presidente do Instituto de Política Familiar, que faz pesquisas e influencia a formulação de políticas públicas.

    Para Martínez, o horário de trabalho com um longo intervalo à tarde é uma tendência cultural espanhola condicionada pelo clima quente nos meses de verão.

    Agricultura e construção civil são os setores onde essa jornada é mais adotada, mas, na economia atual, predominam os serviços executados em escritórios e lojas com ar-condicionado.

    "Com muito calor, era melhor dormir de tarde que trabalhar. Claro que a situação mudou com o ar-condicionado, mas não é fácil que uma empresa altere seus horários sozinha, se as demais não fazem o mesmo", diz Martínez.

    FUSO

    Para mudar os hábitos dos espanhóis, acostumados a dormir e acordar tarde, o programa de PSOE e Cidadãos propõe até a alteração do fuso horário.

    Na Segunda Guerra Mundial, a Espanha saiu do seu fuso natural, o GMT, e adiantou os relógios em uma hora, em um aceno de Francisco Franco a Adolf Hitler. Isso faz com que, no país, amanheça mais tarde.

    Os partidos também sugerem que os canais de TV mudem seu horário nobre até, no máximo, as 23h.

    Mudanças culturais, porém, não resolvem quando o objetivo é fazer com que as pessoas se sintam mais seguras e amparadas na hora de ter filhos. Na crise de 2008, o país retirou uma ajuda de € 2.500 (R$ 10.300) dada às mulheres que tinham filhos.

    A espanhola, em média, torna-se mãe aos 32 anos, uma idade considerada muito alta pelos especialistas.

    "A Espanha tem um Estado de bem-estar social menos favorável à conciliação que seus vizinhos europeus", diz Isabel Hidalgo, diretora de Comunicação da Fundação Mais Família, entidade privada que concede o selo EFR (empresa familiarmente responsável) a mais de 480 empreendimentos na Espanha.

    As empresas certificadas, além de dar mais flexibilidade de horário e opções de trabalho à distância, dão ajuda para contratar cuidadores de idosos, por exemplo.

    "Isso aumenta a produtividade, diminui o absenteísmo e melhora a imagem corporativa", diz Hidalgo.

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