• Mundo

    Tuesday, 24-Dec-2024 13:51:17 -03

    Cerco de Assad a rebeldes sírios faz queda de Aleppo se aproximar

    DIOGO BERCITO
    DE MADRI

    23/10/2016 02h00

    Abdalrhman Ismail/Reuters
    People inspect a damaged site after airstrikes on the rebel held Tariq al-Bab neighbourhood of Aleppo, Syria September 23, 2016. REUTERS/Abdalrhman Ismail ORG XMIT: gggSYR01
    Bairro em Aleppo arrasado por bombardeios no final do mês de setembro

    A guerra na Síria se arrasta há mais de cinco anos, com um saldo de mortos que beira os 500 mil, segundo estimativas. Mas poucas batalhas foram seguidas tão de perto quanto o embate por Aleppo —segunda maior cidade do país—, possivelmente prestes a ser encerrado.

    Rebeldes armados ainda mantêm seu reduto no leste da cidade. Mas o Exército do ditador Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia, vem sufocando essa área, onde entre 200 mil e 300 mil pessoas hoje vivem sob cerco.

    A queda de Aleppo será recebida, na região e entre atores externos, com diferentes medidas. Para Assad, retomar a cidade significará ter, enfim, o controle do território que é conhecido como a "Síria útil". Ou seja, o trecho do país que pode ajudá-lo a se manter no poder, escanteando porções desérticas ou sem importância estratégica.

    A "Síria útil" inclui a capital, Damasco, Aleppo e a costa alauita, onde vive a minoria religiosa da qual Assad faz parte. São "úteis", também, as estradas que conectam essas áreas.

    O presidente da Rússia, Vladimir Putin, vê um significado adicional na vitória de Assad. Em meio a sua disputa com os EUA, a reconquista de Aleppo seria encarada como um triunfo russo.

    "A tomada de Aleppo confirmaria que Moscou é o poder ativo no Oriente Médio, tendo rapidamente substituído Washington, em declínio após oito anos de governo de Barack Obama", afirma à Folha o historiador americano Daniel Pipes, presidente do instituto conservador Middle East Forum.

    "Putin entenderá que concluiu o objetivo que tinha em mente quando decidiu intervir na Síria", afirma Karim Bitar, do Iris (Instituto Francês para Assuntos Internacionais e Estratégicos).

    Ameer Alhalbi/AFP
    A Syrian civil defence volunteer, known as the White Helmets, holds the body of a child after he was pulled from the rubble following a government forces air strike on the rebel-held neighbourhood of Karm Homad in the northern city of Aleppo, on October 4, 2016. Syrian regime forces advanced against rebels during intense street battles in the heart of Aleppo, after the United States abandoned talks with Russia aimed at reviving a ceasefire deal. / AFP PHOTO / AMEER ALHALBI
    Um voluntário carrega criança tirada de escombros provocados por bombardeio em Aleppo, este mês

    O avanço do regime enfraqueceria também, diz Bitar, milícias apoiadas por potências regionais sunitas (ramo majoritário do islã), como Qatar, Arábia Saudita e Turquia.

    Dependeria dessas potências, aliás, a duração do embate. Bitar afirma que, se esses países não aumentarem seu auxílio aos rebeldes, a derrota estará próxima.

    Conhecida por seu sabonete de azeite de oliva, Aleppo é a principal cidade síria depois de Damasco e possuía 2,5 milhões de habitantes antes da guerra, em 2011.

    A cidadela em seu centro antigo, uma fortaleza construída no século 13, é uma das ruínas mais importantes da região. Parte de seus muros foi danificada pelos confrontos. Na principal mesquita da cidade, um minarete (torre) do século 11 foi totalmente destruído.

    Aleppo cercada

    BATALHA

    A cidade foi tomada por rebeldes em 2012, meses após o início da insurgência em outras regiões do país —o aniversário da "primavera", na Síria, é março de 2011.

    Os combates envolveram uma série de atores, como o regime, o Exército Livre Sírio e a facção radical Jabhat al-Nusra, ligada à Al Qaeda. O Estado Islâmico também participou dos combates, controlando áreas nos arredores.

    A presença de organizações terroristas, ainda que marginal, é aproveitada pelo regime sírio para justificar suas ações militares, apresentadas ao mundo como o "combate ao extremismo".

    O Exército do regime sírio progressivamente isolou a porção leste da cidade, cortando as rotas de acesso.

    Ao tomar a Rua de Castello, conhecida como "rua da morte" devido à intensidade dos embates, o ditador Assad alcançou o objetivo de fechar o cerco à região.

    Thaer Mohammed/AFP
    Syrian volunteers carry an injured person on a stretcher following Syrian government forces airstrikes on the rebel held neighbourhood of Heluk in Aleppo, on September 30, 2016. Syrian regime forces advanced in the battleground city of Aleppo, backed by a Russian air campaign that a monitor said has killed more than 3,800 civilians in the past year. / AFP PHOTO / THAER MOHAMMED
    Voluntários carregam pessoa ferida após bombardeio em bairro rebelde de Aleppo no fim de setembro

    Essa estratégia de isolar e de sufocar a oposição foi repetida em outras partes do país, apesar da condenação internacional.

    A cidade de Madaya, próxima a Damasco, está cercada pela facção libanesa Hizbullah há um ano, e passou meses sem ter acesso a comida. Alguns de seus habitantes morreram de fome.

    Mesmo asfixiados, rebeldes armados temem deixar Aleppo e, desprotegidos, serem atacados pelo regime.

    O futuro da oposição está entre os assuntos mais importantes nas negociações por um cessar-fogo, discutido por Síria, Rússia e pelas potências ocidentais.

    Os anos de ataques aéreos e os embates em Aleppo somam-se à dificuldade de abastecimento, criando uma grave crise humanitária.

    É uma das razões pelas quais Aleppo está, nos últimos meses, no radar da imprensa e de líderes políticos. Na avaliação do analista Bitar, a cidade tornou-se "o epicentro da crise síria".

    RECONSTRUÇÃO

    O dia ainda não está nas próximas páginas do calendário. Mas, quando os políticos conseguirem encerrar a guerra na Síria, organizações internacionais terão diante de si o desafio de reconstruir o país.

    Algumas regiões, como partes de Aleppo, foram destroçadas. Staffan de Mistura, enviado especial da ONU à Síria, afirmou no início do mês que o leste da cidade poderá ser completamente destruído até o fim do ano.

    A especialista Graciana del Castillo, do Instituto Ralph Bunche para os Estudos Internacionais, que pesquisa há décadas a reconstrução de áreas em conflito, afirma: "Mais de metade dos países que tiveram operações multidisciplinares de grande escala voltaram à guerra dentro de uma década. Mas hoje temos a experiência para saber o que funciona e o que não funciona."

    Em comparação com outros países que estudou, Castillo diz que a Síria tinha, antes da guerra, uma economia mais diversificada do que, por exemplo, a Líbia. Mas os recursos estão se esgotando.

    Isso inclui o capital humano, caso da população que fugiu do conflito. Quase 5 milhões deixaram a Síria desde março de 2011.

    Reconstruir um país como a Síria ou o Iêmen será um esforço e tanto. Mas é uma tarefa essencial, afirma Castillo, para garantir a estabilidade política e a segurança.

    O problema é que há uma série de empecilhos que ameaçam jogar as nações de volta à guerra.

    O Afeganistão, por exemplo, dá lições sobre a armadilha do excesso de auxílio econômico.

    Mesmo após o período de transição previsto para o país, em 2025 o governo afegão ainda precisará de ajuda equivalente a 20% do PIB (Produto Interno Bruto).

    Também é necessário saber o que reconstruir, e quando. Durante um conflito, grandes obras de infraestrutura podem ser alvo da insurgência. "É preciso ter cuidado para não gastar recursos, não construir pontes que vão ser destruídas", diz.

    Em casos como o de Aleppo, porém, há obras que são urgentes. "As pessoas precisam continuar a viver", afirma Castillo. Como pequenos investimentos para retomar a atividade econômica, por exemplo, ou o estímulo aos pequenos agricultores.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024