• Mundo

    Friday, 29-Mar-2024 05:00:28 -03

    UE acusa organizações humanitárias de ligação com traficantes de pessoas

    DUNCAN ROBINSON
    DO "FINANCIAL TIMES", EM BRUXELAS

    15/12/2016 17h00

    A Frontex (agência de gestão de fronteiras da União Europeia) acusou organizações humanitárias que operam no Mediterrâneo de conluio com traficantes de pessoas, revelam relatórios confidenciais aos quais o "Financial Times" teve acesso.

    As acusações da Frontex destacam uma disputa que já se arrasta há algum tempo entre autoridades da UE (União Europeia) e ONGs em relação a como resolver a crise de migração que já fez 4.700 mortos apenas este ano.

    A Frontex apresentou seus receios em um relatório confidencial emitido no mês passado, levantando a ideia de que os migrantes recebem "indicações claras antes de zarpar sobre a direção precisa a ser seguida para chegarem às embarcações das ONGs".

    A agência explicitou a acusação em outro relatório emitido na semana passada, no qual citou "o primeiro caso relatado em que redes criminosas levaram migrantes irregulares diretamente para uma embarcação de uma ONG".

    As ONGs que atuam na região negaram enfaticamente que colaborem com atravessadores de pessoas.

    Em outro trecho dos relatórios, que foram compartilhados entre autoridades e diplomatas da União Europeia, a Frontex disse que pessoas resgatadas por embarcações de ONGs frequentemente "não se dispõem em absoluto a colaborar com especialistas em obtenção de informações"; alguns dos migrantes teriam dito "que foram avisados [por ONGs] a não cooperar com a polícia italiana ou a Frontex".

    O número de resgates desencadeados por um pedido de socorro caiu de aproximadamente dois terços de todos os incidentes neste verão do hemisfério norte para apenas um em cada dez em outubro, segundo números da Frontex. Essa queda coincidiu com o aumento grande no número de resgates realizados por ONGs no Mediterrâneo central. As ONGs atuaram em mais de 40% dos resgates em outubro, contra apenas 5% no início do ano.

    A Frontex também sugeriu que a mudança de atividade pode ser devida ao fato de as ONGs operarem mais perto das águas territoriais da Líbia ou até mesmo às luzes usadas pelos barcos de resgate, que, segundo a agência, "funcionam como sinalização para os migrantes".

    Gemma Gillie, assessora humanitária da organização Médicos Sem Fronteiras, que opera duas embarcações de resgate, comentou: "Saímos em busca ativa de barcos que estejam em risco de afundar. Nós os identificamos antes. Fazemos isso em resposta às necessidades que identificamos no mar. Não creio que isso constitua prova de um conluio."

    Mais de 170 mil pessoas este ano já tentaram atravessar o Mediterrâneo entre a Líbia e a Itália, cerca de 15% mais que no ano passado, segundo a agência de refugiados da ONU, a Acnur. O número de mortes subiu 25%, depois das 3.800 do ano passado.

    Funcionários das ONGs atribuem o número maior de mortes ao fato de os coiotes mudarem de tática e enviarem pessoas em embarcações cada vez mais inseguras, tendência que elas atribuem à repressão movida pelas autoridades europeias aos traficantes de pessoas. "Não se trata de um conluio entre as ONGs e os atravessadores. O problema sobre o qual a Frontex deveria estar voltando sua atenção é o porquê de tantas pessoas morrerem", disse Gillie. "A agência deveria analisar suas próprias ações."

    Este ano a MSF disse que vai rejeitar dinheiro da UE, em protesto contra o tratamento dado pelo bloco à crise de refugiados.

    Fundada em 2004, a Frontex vem acumulando mais funcionários, verbas e poderes à medida que a UE se esforça para fazer frente a um problema crescente de imigração irregular. Este ano a UE converteu a agência, que tem orçamento de 250 milhões de euros (R$ 881,5 mi em valores atuais), em uma guarda de fronteira plena, com o poder de usar 1.500 funcionários para dar apoio a um país membro da UE no caso de este receber mais migrantes do que consegue processar.

    A Frontex também criticou as organizações humanitárias por não terem ajudado as investigações sobre tráfico de pessoas, recusando-se a recolher evidências que restam nos barcos resgatados. "Nossa obrigação é ajudar a salvar vidas, não cumprir os deveres de órgãos de segurança", disse a organização Save the Children, que resgatou 2.400 pessoas em outubro e novembro.

    A Comissão Europeia estuda a necessidade ou não de controles mais rígidos das missões de resgate de organizações não governamentais. Mas autoridades destacaram que qualquer legislação nova a esse respeito é improvável.

    As ONGs vêm desempenhando papel crucial em salvar milhares de vidas no Mediterrâneo central, segundo a comissão, e "atuaram principalmente em apoio e coordenação estreita" com governos.

    Ruben Neugebauer, da Sea Watch, entidade humanitária alemã que promove operações de resgate, disse que a UE está tentando criminalizar os esforços das ONGs no Mediterrâneo. "Não é por acaso que essas acusações estão sendo feitas agora", ele disse. "Temos uma situação cada vez mais grave no Mediterrâneo central e muitos esforços feitos pela UE para acabar com a migração. Estão tentando por todos os meios acabar com a migração."

    Tradução de Clara Allain

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024