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    Expurgo após golpe deixa Turquia vulnerável a terror

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

    03/01/2017 02h00

    A demissão de funcionários públicos na Turquia, apresentada pelo governo como necessária para garantir a estabilidade do país, pode ter tido o efeito inverso: esvaziar o aparato de segurança e abrir o flanco a atentados.

    O país, que resistiu a um golpe militar em 15 de julho, foi alvo de uma série de ataques no último ano. Uma explosão próxima a um estádio em 10 de dezembro deixou 45 mortos, por exemplo. No Ano-Novo, 39 foram mortos na casa noturna Reina.

    Os atentados ocorreram a despeito dos numerosos bloqueios policiais, como aqueles testemunhados pela reportagem da Folha nesta segunda-feira (2) em Istambul.

    Uma das razões apontadas por analistas é a perda de capacidade do Estado para lidar com essas ameaças.

    Estima-se que mais de 120 mil pessoas tenham sido removidas do serviço público. As medidas afetam setores como o Exército, a polícia e a inteligência. A imprensa e o Judiciário também foram sufocados nos últimos meses.

    "As forças de segurança podem ter se tornado disfuncionais. Isso pode ser parte dos problemas que o governo turco enfrenta hoje", diz o turco-britânico Ibrahim Sirkeci, professor na Regent's University de Londres.

    A vulnerabilidade vem em um momento delicado. A Turquia combate hoje três inimigos deveras distintos.

    O governo é parte da coalizão internacional que bombardeia o território do Estado Islâmico na vizinha Síria, o que pode explicar os repetidos atentados reivindicados por essa milícia terrorista, como o deste Ano-Novo.

    A Turquia está em conflito, ao mesmo tempo, com militantes curdos no sudeste do país. A população curda reivindica maior autonomia.

    Há por fim o movimento do clérigo Fetullah Gülen, exilado nos EUA. Recep Tayyip Erdogan, presidente turco, culpa Gülen pela tentativa de golpe em 15 de julho.

    "A Turquia está envolvida em todo conflito possível no Oriente Médio", diz Sirkeci. "O clima político no país está polarizado. Os ataques, então, não surpreendem."

    PRIORIDADES

    O combate em tantas frentes, incluindo alvos como a imprensa crítica e a militância pacífica, pode confundir os aparatos de Erdogan.

    Há problemas na priorização das ameaças. Analistas afirmam que a Turquia tem se concentrado no combate a curdos e menosprezado o EI -cujos militantes cruzaram suas fronteiras rumo à Síria.

    "Os inimigos políticos são confundidos com terroristas, com acadêmicos críticos, com curdos militantes, com curdos de partidos pacíficos", afirma Monica Marks, ligada ao European Council on Foreign Relations.

    É por vezes possível acessar sites que apoiam o EI, mas páginas de jornais críticos ao governo são bloqueadas. O acesso ao Twitter é volátil.

    "O Estado turco responde mais duramente aos oponentes políticos do que aos terroristas islâmicos", afirma.

    ESCALADA

    Das principais ações registradas desde 2015, metade foi assumida pelo EI ou relacionada a ele. A outra metade coube aos curdos. São questões distintas, mas a tensão que cerca ambas se acirrou após ações turcas.

    Erdogan uniu-se aos ataques contra o EI em 2015 e passou a ser visto como inimigo dessa facção.

    ATAQUES NA TURQUIA - Principais atentados registrados no país no último ano

    A retórica agressiva é vista na revista "Konstantiniyye", publicada em turco pelos terroristas. "Os militantes veem a Turquia como um país nos bolsos dos EUA."

    A escalada de ataques de grupos como o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) começou após 2014, quando a Turquia ampliou ataques a regiões curdas.

    "O aumento na militância foi uma resposta à abordagem violenta do Estado", diz Marks. O governo tem, afinal, cerceado manifestações pacíficas e perseguido braços políticos desse movimento.

    Mas "nem tudo é culpa do governo", afirma. "Em vez de responder com pragmatismo, os curdos devolveram em espécie e deixaram que as coisas explodissem."

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